Uma nota técnica produzida por pesquisadores do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde destaca a falta de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e respiradores em boa parte das regiões de saúde do Brasil em condições consideradas “normais” em um ano típico. Com a pandemia do novo coronavírus, sugerem os especialistas, o quadro pode se agravar ainda mais. Publicada em março de 2020, o estudo é de autoria de Beatriz Rache, Rudi Rocha, Letícia Nunes, Paula Spinola, Ana Maria Malik e Adriano Massuda.
A pesquisa traça cenários hipotéticos para a evolução da Covid-19 no Brasil e aponta como a falta de infraestrutura na saúde brasileira aliada à alta demanda podem causar "sobrecarga" ao sistema das regiões de saúde. Por regiões de saúde entendem-se os conjuntos de municípios próximos, que se reúnem para planejar e executar serviços, como saúde e transporte. Curitiba, por exemplo, faz parte da região de saúde Metropolitana, da qual também fazem parte outras 28 cidades da região da capital paranaense. O Brasil é composto por 5.571 municípios, os quais se agrupam em 436 regiões da saúde.
Já para um ano considerado típico, um dos problemas verificados da nota técnica é que 279 das 436 regiões de saúde não têm 10 leitos de UTI por 100 mil usuários — base definida como o mínimo considerado adequado em portaria do Ministério da Saúde —, e isso incluindo a rede pública e a privada. Se for considerada apenas o Sistema Único de Saúde (SUS), a situação se agrava, já que 316 regiões de saúde do Brasil não possuem o número mínimo necessário.
Além disso, dessas 316 regiões de saúde que não cumprem o requisito mínimo, 142 delas não têm nenhum leito de UTI. “Em termos populacionais, isto significa que 14,9% da população exclusivamente dependente do SUS não conta com leitos de UTI região que residem”, destaca o estudo.
Ao analisar essa questão levando em conta as regiões geográficas do Brasil, a pesquisa aponta que as situações mais críticas se concentram no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Ao todo, 30,5% da população unicamente dependente do SUS no Nordeste, 22,6% no Norte e 21,0% no Centro-Oeste residem em regiões de saúde sem leitos de UTI”, salienta o trabalho. No Sul e no Sudeste esses números caem para 1% e 3,6%, respectivamente.
Segundo o estudo, “somente atendem o requisito mínimo de 10 leitos de UTI por 100 mil usuários 18,9% das regiões de saúde no Norte, 21,8% no Centro-Oeste, 35,4 % no Nordeste, 53,1% no Sul e 54,7% no Sudeste”.
Quanto ao mínimo recomendado de ventiladores mecânicos — cujo número recomendado é de um para dois leitos de UTI, de acordo com resolução da Anvisa —, os pesquisadores ressaltam o fato de que há relação entre o número baixo de respiradores com a existência de poucos leitos.
Como já mencionado, os dados acima retratam o quadro real existente no Brasil, sem levar em conta a necessidade de ocupação hospitalar por causa da Covid-19. Os números foram colhidos do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) em janeiro de 2020 e também do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do qual os dados são de 2019.
Alta demanda por leitos de UTI com o novo coronavírus
O estudo também desenha cenários hipotéticos do que ocorreria com o sistema de saúde com a alta de demanda por leitos de UTI em decorrência do novo coronavírus. Para isso, foram utilizados os dados reais apresentados anteriormente.
No primeiro cenário hipotético, as bases utilizadas foram para o caso de 20% da população brasileira supostamente vir a ser infectada com a Covid-19. Nesse exemplo, 5% dessas pessoas precisariam ser internadas em UTIs pelo período de cinco dias. A conclusão do estudo é que 294 das 436 regiões ultrapassariam a taxa ocupação de 100% dos leitos. Ou seja, não haveria como tratar a todos os doentes com as vagas disponíveis nas UTIs. Além disso, afirmam os pesquisadores, 235 dessas 294 necessitariam ao menos do dobro de leitos-dia em relação aos que estavam disponíveis em 2019 para tratar dos casos críticos.
Se essa situação hipotética — com 20% da população infectada pela Covid-19 —, eventualmente, perdurasse por 12 meses, o cenário previsto no estudo é de superlotação das UTIs em todas as regiões de saúde brasileiras.
Em outro quadro hipotético apresentado na nota técnica, no caso de o Brasil ter a mesma parcela da população infectada, mas se fosse possível desacelerar a disseminação do vírus — fazendo com que esses 20% fossem contaminados pelo novo coronavírus em 18 meses no lugar de 12 meses —, a situação no sistema de saúde já ficaria menos caótica. Nessas bases, os pesquisadores afirmam que o número de regiões de saúde com ocupação superior a 200% — daquelas que precisariam ter o dobro de leitos para atender aos doentes críticos — cairia de 235 para 172.
Mas, no cenário oposto, se a infecção de 20% da população pelo vírus acelerasse e fosse registrada em apenas seis meses, a superlotação dos leitos de UTI superior a 200% seria registrada em quase todo o Brasil, em 434 das 436 regiões de saúde.
A última conjectura hipotética apresentada pelos pesquisadores diz respeito à taxa de infecção populacional necessária para as regiões de saúde atingirem a ocupação de 100% dos seus leitos de UTI. Eles explicam que “para metade das regiões de saúde, uma taxa de infecção de 9% ou menos de seus habitantes seria suficiente para ocupar 100% dos leitos de UTI, e para 25% das regiões, uma taxa infecção de 5,6% ou menos bastaria.”
Medidas a serem adotadas
Além da falta de infraestrutura, a pesquisa destaca o alto custo para se montar e equipar um leito de UTI — que varia de R$ 120 mil a 180 mil, segundo o estudo —, e ainda a dificuldade para encontrar os equipamentos necessários devido à demanda mundial.
Mesmo com todas essas questões, as conclusões dos pesquisadores são de que é preciso montar hospitais exclusivos para tratar pacientes com infecções respiratórias por Covid-19 — medida que já tem sido adotada em vários estados brasileiros — e ainda requisitar leitos de UTI no setor privado.
Também “é crucial a adoção de medidas urgentes para otimizar o uso dos serviços públicos e privados existentes, bem como investimentos para ampliar a capacidade de resposta do sistema de saúde nas regiões maior necessidade”, afirmam os pesquisadores.
"É essencial identificar regiões mais vulneráveis, otimizar o uso de serviços existentes e dimensionar recursos que serão necessários para fortalecer a capacidade de resposta do sistema de saúde em âmbito regional e local", destacam os autores da nota técnica.
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