| Foto: Robson Vilalba/Ilustração

Códigos

Dicionário de amor detalhava o sentido de cada flor oferecida

Um gênero literário francês do século 19 criou uma das obras secretas mais inusitadas e de maior sucesso à época: trata-se do Dicionário das Flores, que resumia o que cada flor (e a cor delas) significava no diálogo entre jovens apaixonados proibidos de namorar. Receber uma margarida-branca, por exemplo, era como se o pretendente dissesse "é tua a minha mão". Um lírio-amarelo era uma pergunta: "é sim ou não?" e uma magnólia simbolizava um "não entendo." "Os jovens compravam o dicionário, decoravam os significados e trocavam flores. Parece que era uma tradição do Oriente que foi copiada pelos franceses. A sociedade vai criando seu próprio código amoroso", explica a antropóloga Alessandra El Far, que começou a pesquisar o assunto. "Uma menina de boa família não ficava exposta a conversas com rapazes. Para contatar o pretendente tinha de ser através dos códigos", explica Alessandra. (PM)

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A história mostra que os homens sempre tiveram mais privilégios sociais que as mulheres. Além de conquistarem antes o direito de trabalhar e de votar, durante mais de um século eles também gozaram de leituras exclusivas, às quais as mulheres estavam moralmente proibidas de acessar.

O gênero literário "Ro­mance para homens" circulou no Brasil principalmente no século 19 e início do 20. Eram obras em brochura vendidas em livrarias e sebos a preços baixos, com textos curtos e de temática sexual. "Trata-se de uma literatura bastante erótica, que na época era chamada de pornográfica, com descrições de cenas explícitas de sexo. Era proibida para as mulheres porque estimulava a sexualidade exacerbada. Afinal, elas deveriam ser boas mães e esposas", afirma a antropóloga Alessandra El Far, da Universidade Federal de São Paulo, que estudou a leitura erótica e secreta dos homens do Rio de Janeiro.

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A curiosidade sobre o conteúdo das páginas que os homens se debruçavam a ler fazia com que elas, às escondidas, também lessem os livros, mesmo correndo o risco de ter a moral abalada. "Havia ainda outros tipos de romances considerados perigosos para a época por estimularem a imaginação ao divulgar histórias com casamentos rompidos por aventuras inesperadas", comenta.

Manuais

Além de romances, o Bra­sil teve diversos manuais de sexualidade que, diferentemente dos livros com histórias, traziam instruções sexuais e eram escritas por médicos e juristas. Neles era explanada de modo acadêmico uma série de condutas adequadas que homens deveriam tomar em relação às mulheres. "Como poucas pessoas queriam ler o que os médicos e juristas escreviam sobre o assunto, os romances acabaram tendo um público muito mais amplo", lembra Alessandra.

No Paraná, a presença de manuais de aconselhamento – e os de medicina da Universidade do Paraná – no acervo da Biblioteca Pública é uma das explicações aceitas para que as mulheres fossem proibidas de frequentar o local de 1910 a 1917.

Os leitores eram majoritariamente os alunos do antigo Ginásio Paranaense. Como os romances que circulavam pelo Rio de Janeiro não chegavam até aqui (pelo menos oficialmente), os homens se divertiam com livros da própria literatura brasileira. O historiador Claudio Denipoti, que pesquisou o tema que resultou no livro Páginas de Prazer, conta que Joaquim Manoel Macedo era o autor mais lido por causa de A moreninha e Moço Loiro. Esse último trazia duas concepções de amor: uma do amor romântico e a outra de amores mentirosos. "Os frequentadores da biblioteca também liam sobre sexo, sexualidade, amor e casamento em outras obras do acervo", diz Denipoti.

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Polícia

Ao contrário do Brasil, que tinha apenas uma velada proibição moral para a leitura desses livros, na França o romance para homens era proibido às mulheres pela polícia e pelo Estado.

Em Paris, no princípio dos anos 1741, o livro Histoire de Dom B... portier des Chartreux fez com que muita gente fosse perseguida e presa assim que começou a circular. A professora Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, explica que a obra era um frontal ataque aos eclesiásticos, com descrições de natureza sexual que mobilizaram, de um lado, livreiros, editores e leitores capazes das mais extravagantes peripécias para ter acesso a ele e, de outro, censores, inquisidores e agentes policiais empenhados em impedir a circulação da obra. Evidentemente, o livro não trazia o nome do autor para que ele não tivesse o dissabor do cárcere, já que lá as leituras proibidas davam cadeia.