O Golpe
31 de março de 1964. O mundo estava dividido entre direita e esquerda em plena Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética. O então presidente João Goulart foi deposto pelas forças armadas exatamente por ser tido como esquerdista, já que representava uma ala que defendia diversas reformas de base, como a reforma agrária e o aumento salarial no meio urbano.
A historiadora e professora da UFPR Marion Brepohl explica que com o golpe o que se pretendia era a aceleração da industrialização sem distribuição da renda. "As forças armadas depuseram o presidente em nome da segurança nacional", diz.
Segundo ela, naquela época se associava o comunismo ao ateísmo e ao anti-patriotismo. "Depois do golpe, associou-se também à moral: mulher emancipada, sexo fora do casamento, roupas tidas como ousadas, tudo isso era visto como manifestação do comunismo. Hoje a gente até acha graça, mas à época era motivo de perseguição política e até prisão", revela a pesquisadora.
Marion afirma ainda que o sistema foi endurecendo gradativamente, como uma forma de precipitação para evitar a organização da sociedade contra a ditadura vigente.
Confira as pessoas que já deram depoimento na Comissão Estadual da Verdade
Milton Invan Heller
Silvio SebastianI
Léo de Almeida Neves
Cecília Helm
Demétria Filippidis
Jorge Borges
Anita Zippin
Zelia Passos
Antonio Narciso Pires
Gilberto Giovanetti
Ana Beatriz Fortes
Rodolfo Mongelo Leguizamom
Adão Luiz Almeida
Izabel Fávero
Lilian Ruggia
Aluizio Palmar
Letizia Abatte Solley
Jair Krischke
Gilberto Giovanetti
Amadeu Felipe da Luz Ferreira
Arno André Giesem
Maria do Socorro de Oliveira
Osvaldo Alves
Waldecyr Pedro Feltrin
José Godoy Viana
Nitis Jacon
Pedro Agostinete Preto
Maria Izabel Brianezi de Mello
Valmor Ignácio
Antonio Carlos Novaes Pimpão Ferreira
Maria de Lourdes Velasco
Carlos Alberto Gebrim Petro
Izaurino Gomes Patriota
Elisio Eduardo Marques
Tsutomu Higashi
Neusah Cerveira
Francisco Luiz de França
Vitorio Soriotiuk
Judite Trindade
Luis Manfredini
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
Stenio Salles Jacob
Edésio Franco Passos
Luiz Eduardo Greenhalg
Cláudio Benito Antunes Ribeiro
Cláudio Antônio Ribeiro
Cyro Viegas de Oliveira
Eliseo Zapp
Antônio Carlos da Silva Molina
Hety Mello
Paulo de Tarso Farias
Victor Horácio de Souza Costa
Luis Olavo Machado
João Bonifácio Cabral
Manoel Caetano Ferreira Filho
Fonte: Secretaria Estadual de Justiça
Quase cinco décadas de silêncio. Muitas vítimas paranaenses de um dos episódios mais sombrios da história do Brasil remoeram sozinhas durante anos suas memórias torturadas. Jamais tiveram voz para revelar o que o regime militar (1964-1985) provocou nelas. Várias foram forçadas a mudar radicalmente suas vidas para fugir da perseguição. Algumas passaram anos na clandestinidade, outras sofreram torturas físicas e psicológicas que deixaram cicatrizes permanentes.
SLIDESHOW: Veja algumas vítimas que foram torturadas no período
INFOGRÁFICO: Linha do tempo - entenda o golpe militar
Com a criação da Comissão Estadual da Verdade (CEV), que iniciou os trabalhos em abril de 2013, muitas dessas vítimas estão tendo a oportunidade de narrar pela primeira vez o que passaram durante os Anos de Chumbo. A comissão ouviu até agora 52 pessoas torturadas ou familiares de vítimas do regime, que contaram detalhes de prisões e da luta contra a ditadura. Porém, há centenas de envolvidos no Paraná que a CEV não coletou os depoimentos, o que talvez nem consiga fazer diante das dificuldades da tarefa. Dois personagens esquecidos são apresentados hoje na primeira reportagem da série "Memórias Torturadas" da Gazeta do Povo.
Limitações
Algumas dificuldades contribuem para que a comissão tenha uma atuação limitada. "No Brasil, trabalha-se com a ideia de conciliação e justiça com base no esquecimento. Aí não tem justiça", afirma o presidente da Comissão no Paraná, Pedro Bodê.
Documentos importantes para a compreensão do período militar no estado, por exemplo, estão inacessíveis. Os arquivos das Assessorias de Segurança e Informações (ASIs), que eram braços avançados do Serviço Nacional de Informações (SNI) dentro da Universidade Federal do Paraná (UFPR), simplesmente desapareceram.
As ASIs reportavam os casos de "subversão", alimentando a perseguição política e as torturas no estado. Há registros de quatro ASIs em instituições do governo estadual: nas universidades de Londrina (UEL) e Maringá (UEM), na Copel e na Telepar. No âmbito federal, havia estruturas na Superintendência da Rede Ferroviária Federal S/A em Curitiba, na Delegacia Regional do Ministério da Educação, na hidrelétrica de Itaipu e na UFPR.
"Parte dos documentos foi retirada daqui e levada para outros lugares", lamenta Bodê. Além disso, outros documentos solicitados nem sempre são disponibilizados na velocidade esperada pela CEV.
O vácuo de tempo entre o fim do regime e a instauração de estruturas para debater a ditadura é mais um fator que complica a atuação da comissão. As comissões da verdade na Argentina e no Chile surgiram no início do processo democrático pós-regime militar. No Brasil, o mecanismo foi criado 30 anos depois.
O fato de não ter o poder de cobrar julgamentos dos envolvidos é outro ponto que engessa os trabalhos. O jornalista Aluizio Palmar, ex-preso político, considera que a comissão está perdendo uma oportunidade de passar a limpo esse período. "Erros de método estão comprometendo o trabalho, apesar do esforço de alguns membros." A historiadora Marion Brepohl afirma que, até o momento, a comissão tem feito um inventário sobre os fatos. "Em outros países, os responsáveis por atos discricionários foram julgados. Não vejo com otimismo qualquer comissão que não possa julgar."
Os esquecidos
Zequinha, 11 anos na clandestinidade
O busto do então reitor da UFPR Flávio Suplicy de Lacerda estatelou-se no chão. A cabeça da escultura foi arrastada até a Boca Maldita, na Rua XV de Novembro, em Curitiba. Esse foi um dos últimos episódios em que o estudante de Medicina José Ferreira Lopes participou contra o regime militar no Paraná. Era maio de 1968. Depois disso, Zequinha que estava no 3.° ano do curso foi obrigado a passar 11 anos na clandestinidade, acumulando diferentes identidades falsas.
Antes de arrancar a imagem na Reitoria da UFPR, Zequinha já tinha sido preso outras três vezes no mesmo ano. Na primeira, foi pego em flagrante pichando "Abaixo a Ditadura" em um muro da capital. Foi parar na sede da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops). Ficou um dia inteiro detido, quando teve de ficar nu, com os pés descalços dentro de duas latas e com as mãos fixadas na parede. "Enquanto isso, os militares batiam na região renal."
Quando o reitor Suplicy decidiu implantar dois cursos novos na UFPR Engenharia e Direito em que seriam cobradas mensalidades, os protestos aumentaram. Zequinha tornou-se um dos protagonistas da Tomada da Reitoria.
Ele lembra da movimentação daquela época. "No primeiro dia, fomos até o Centro Politécnico onde ia ser o vestibular. No dia seguinte, começamos uma marcha na XV."
Os militares tinham certeza de que a multidão marcharia para o local da prova, mas um grupo se dividiu e ocupou a Reitoria. "Ninguém esperava. Deu tempo de montarmos barricada com material de construção e paralelepípedos. Nós estávamos lá dentro, com estilingue e bolinha de gude para nos defender e o Exército no lado de fora." Ninguém entrava e ninguém saía. Após uma negociação mediada pelo governador Paulo Pimentel, o vestibular foi suspenso.
Nomes falsos
Arrancar o busto do reitor fez com que a repressão contra os estudantes aumentasse. "Resolvi me mandar e entrar na clandestinidade", conta. Zequinha passou por São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Adotou nomes falsos, como Isaias José dos Santos e Luis Soares Cavalcanti.
Enquanto trabalhava em Minas, os militares o prenderam novamente em 1971. "Fui levado para o Dops de Belo Horizonte. Naquela época houve muitas prisões e alguém me dedurou. Lá eu apanhei muito. Choques elétricos na boca, nos órgãos genitais, afogamentos. De madrugada me acordavam para começar tudo de novo."
De Minas foi levado para o Rio de Janeiro e depois, Espírito Santo. Até ser encaminhado ao presídio do Ahú em Curitiba, onde conseguiu habeas corpus e foi solto depois de um ano e dois meses.
Laércio, preso na Operação Marumbi
Laércio Souto Maior acabava de chegar à sede do Palácio Sindical em Maringá, no dia 1º de abril de 1964, quando a Polícia Militar apareceu por lá. Aos 26 anos, presenciou a discussão acalorada entre o coronel da PM Haroldo Cordeiro e um dos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro, o médico Salim Haddad. Os aproximados mil manifestantes não arredavam o pé do edifício que reunia as sedes dos principais sindicatos da cidade. "As escadarias estavam cheias de gente", lembra Laércio.
O coronel ordenou que os manifestantes saíssem do local. Caso contrário, providências seriam tomadas. "Os policiais estavam todos com fuzis e metralhadoras." A massa de trabalhadores e estudantes saiu com lágrimas nos olhos. A ação policial foi um balde de água fria nas manifestações em Maringá.
Prisão
Em 1967, cansado de acompanhar as notícias sobre o regime pela mídia, Laércio montou o grupo clandestino "A Organização", que reunia agrupamentos contrários ao regime com ramificações em outros municípios da região.
No ano seguinte, ele encarou pela primeira vez a prisão. Ficou detido durante um dia inteiro, após receber um ofício convocando-o para ir à Delegacia de Polícia.
Em 1969, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Um colega o havia alertado do perigo em aderir a uma organização nacional. "Com mais gente no grupo a chance de alguém cair e entregar os outros membros era maior." Dito e feito. Em 1970, Laércio foi parar no Exército de Apucarana.
Cinco anos depois voltou para a cadeia. O fato aconteceu durante a Operação Marumbi, que pretendia prender os integrantes do PCB no estado.Laércio não integrava o PCB, mas como era membro oficial do MDB (partido legalizado que se opunha ao regime), os militares o teriam detido para evitar que concorresse a um cargo público no município. "Era um período de eleições locais", conta.
Ficou 10 meses preso sob tortura, passando pelo quartel de Apucarana até chegar ao presídio do Ahú, em Curitiba.
A comissão
A Comissão Estadual da Verdade, que pode ser prorrogada até o final de 2014, trabalha em três frentes. Uma delas é ouvir depoimentos de quem passou pelo regime militar. Segundo o presidente da comissão, Pedro Bodê, alguns foram reconhecidamente presos políticos. "Outros nunca tiveram espaço para relatar o que passaram. Esses dias um senhor que brigava por aumento salarial prestou depoimento. Ele foi taxado de comunista e preso." Além disso, há análise de arquivos públicos do período militar e compartilhamento de dados entre outras comissões.
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