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A pequena Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, merece espaço cativo nos panfletos turísticos que circulam pelo Brasil. O município tem 93% de seu território em zona de manancial e outros 7% de Mata Atlântica. É 100% ecológico. De uns tempos para cá, contudo, o calor decidiu acampar na cidade, infernizando o paraíso conhecido por seu clima serrano, sempre entre 2ºC e 4ºC abaixo da já comumente fria capital do estado. "Não temos mais a mesma quantidade de geadas, chuvas e daquela neblina da Serra do Mar que ajudava a recompor os mananciais", lamenta Gilmar Clavisso, secretário municipal de Meio Ambiente. "Deve ser o efeito estufa. Precisamos urgentemente de um relatório de variação climática."

Ainda não há uma pesquisa específica sobre a doideira nos termômetros de Piraquara. Mas um estudo do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) constata que de 1960 até os anos 2000, Curitiba e região tiveram aumento de temperatura entre 1,3ºC e 1,5ºC. "As mínimas já não são tão mínimas como no passado. O inverno e as estações intermediárias ficaram mais quentes. Já o verão permaneceu o mesmo", explica o doutor em Geografia Francisco Mendonça, coordenador do levantamento e uma autoridade no assunto.

O dado decisivo é que, ao comparar as variações de clima mundiais com as verificadas na área de estudo, o grupo da UFPR chegou a uma conclusão capaz de fazer rolar pedras do Morro Anhangava: as mudanças de humor no clima da região metropolitana são as mesmas verificadas em outras partes do mundo, sinal de que não se trata de uma temporada inofensiva de sol ardente.

Questão de política

A divulgação, semana passada, do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), patrocinado pelas Nações Unidas, reforçou a convicção de que, há muito, o esquentamento da Terra deixou de ser um desses problemas que se pode acompanhar pelo noticiário, direto do sofá. Remédio, só tem um: políticas ambientais de curto prazo e fiscalização pesada, pois já se faz tarde.

Mas é justamente aí que outro efeito entra em cena – o efeito lentidão. Tradicionalmente, as políticas ambientais tendem a ficar no ponto-morto. "Não acho que o problema seja a falta de mais leis e projetos. Se tudo o que existe fosse colocado em prática, seria perfeito. O que falta é um tratamento de choque", barbariza Mendonça, para quem os governos só vão tirar a cabeça do buraco depois de uma catástrofe. "Mudanças profundas só vão acontecer quando for alterada a cultura do consumo desenfreado. E isso ninguém quer fazer. As melhoras parecem vir só quando o pior acontece, a exemplo da devastação do [furacão] Katrina, nos Estados Unidos", reforça.

A opinião é compartilhada por Arnaldo Carlos Müller, doutor em Política Ambiental no Mercosul e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). "Quando todo mundo sentir que estamos na eminência de uma catástrofe, teremos a percepção exata da crise. Reduzir males depende de políticas que fatalmente vão gerar impostos, o que é complicado."

Um pente-fino nas políticas públicas regionais de meio ambiente confirma que o setor não anda com a pressa sugerida pelos relatórios da ONU. O secretário de Meio Ambiente de Curitiba, José Antônio Andreguetto, concorda que a morosidade é marca registrada do setor, mas acredita no efeito "mexam-se". "Não é mais uma questão distante. Temos muita informação. Nada impede que o poder público se movimente com mais rapidez", diz. Segundo ele, além de iniciativas que cimentaram a fama ecológica da capital, a prefeitura vai firmar, ainda neste semestre, a presença da cidade no mercado de crédito de carbono, melhorando o controle do gás metano do Aterro da Caximba.

Outro anúncio é que o município nada de braçada rumo à diminuição do número de veículos nas ruas, já que a frota local se aproxima de 1 milhão de carros, e ao incentivo do transporte coletivo com uso de combustível limpo. A iniciativa tem tudo para ser um bilhete premiado, mas parece vir correndo na contramão, já que nada menos do que 98 ruas estão em obras na cidade, a serviço dos automóveis, naturalmente.

O secretário de estado de Meio Ambiente, Rasca Rodrigues, festeja resultados como a diminuição nos índices de desmatamento na casa dos 88% entre 2000 e 2005, e o corpo-a-corpo com o setor industrial – agressivo por natureza – que, de acordo com o governo, aderiu, em 60%, às propostas de controle ambiental.

Rasca promete "dar um gás" no Fórum Paranaense de Mudanças Climáticas, lançado em novembro de 2005. Embora o Paraná tenha saído na frente – foi o terceiro estado a fundar fórum próprio – realizou apenas duas reuniões em pouco mais de um ano. Outra prioridade é firmar a Câmara Técnica de Seqüestro de Carbono. Há pouco mais de um ano, teve início o primeiro corredor de reflorestamento, na Região Noroeste. É de longe a melhor notícia pós-relatório da ONU no estado que em um século desmatou 97% de sua cobertura original. Se apertar o passo, pode chegar mais perto de um final feliz.

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