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Dependência química

Lentidão no combate ao crack

A Casa do Servo Sofredor, em Curitiba, deve ampliar sua capacidade em 20 leitos | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
A Casa do Servo Sofredor, em Curitiba, deve ampliar sua capacidade em 20 leitos (Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo)

Um ano e três meses depois de ser criado oficialmente, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, do governo federal, investiu em ações práticas apenas 10% dos R$ 410 milhões prometidos até 2015. Não bastasse o ritmo lento da implantação dos programas, que visam principalmente a ampliar o número de leitos para tratamento e capacitar agentes de saúde, o plano corre o risco de ter metade do orçamento cortada para os próximos quatro anos.O alerta partiu da titular da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Paulina Duarte, durante audiências ocorridas nas últimas semanas na Câmara dos Deputados. A previsão é de que o orçamento da Senad para o ano que vem chegue apenas a R$ 16 milhões – valor distante dos R$ 100 milhões anuais pretendidos até 2015. A definição sobre a liberação dos recursos para o plano contra o crack ocorrerá com a apresentação do Plano Plurianual 2012-2015, que deve ser enviado ao Congresso ainda neste mês.

O reforço dos investimentos em políticas públicas contra a droga foi uma das principais promessas de campanha da presidente Dilma Rousseff durante as eleições do ano passado. As estimativas do número de usuários no país são variadas: a Organização Mundial de Saúde (OMS) fala em 6 milhões de consumidores de crack, enquanto o Ministério da Saúde afirma que são 2 milhões. Mesmo com a dimensão do problema evidenciada pelos números e pelo discurso governista, até parlamentares da base aliada de Dilma admitem que as perspectivas para o Plano de Enfrentamento ao Crack não são boas.

"O Ministério da Saúde e a Senad não estão se entendendo. Estão brincando com isso [a liberação das verbas]", critica o deputado federal Gilvaldo Carimbão (PSB-AL), relator da Comissão Especial de Políticas Públicas de Combate às Drogas.

A dificuldade do governo em tratar a questão também é reconhecida pelo petista Reginaldo Lopes, presidente da mesma comissão na Câmara. Para o parlamentar, "o país ainda não conseguiu organizar uma rede integrada de tratamento para dependentes químicos, apesar de ter, de maneira isolada, ações do governo e da sociedade civil."

Recursos

Em relatório divulgado no fim de abril, antes da polêmica sobre a previsão de verbas, a Comissão de Ações Sociais do Conselho Federal de Medicina já afirmava que os recursos anunciados de R$ 410 milhões eram insuficientes para que todas as ações previstas no plano fossem implantadas. Segundo o autor do relatório, o médico Ricardo Paiva, a lentidão na liberação dos recursos para o plano "aponta para a necessidade de o governo federal rever sua estratégia."

Para o médico-psiquiatra Dagoberto Hungria Requião, ex-diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz, em Curitiba, a falta de investimentos, principalmente em prevenção, traz custos financeiros e sociais muito mais altos do que o imaginado. "Sem esses investimentos, aumentam o número de acidentes, de pessoas com complicações clínicas, de jovens sem perspectivas. O governo deixa de investir R$ 200 milhões, mas vai gastar outros R$ 600 milhões em outras questões porque não investiu em prevenção", defende Requião.

A reportagem entrou em contato com a Senad para discutir as previsões orçamentárias e a liberação de verbas para novas ações do plano, mas, até o fechamento desta edição, não recebeu resposta do órgão.

Comunidades ainda aguardam recursos

As ações em andamento do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, do governo federal, incluem a criação de centros de capacitação para agentes de saúde e grupos de pesquisa em universidades, a ampliação de Casas de Acolhimento Transitório (CATs) e o aumento do número de leitos para tratamento em comunidades terapêuticas. Somente no Paraná, 15 comunidades tiveram projetos aprovados em dezembro para receber recursos do plano.

Oito meses depois, porém, as comunidades ainda não receberam nenhuma parcela dos R$ 800 mensais por leito previstos no edital. Segundo lideranças desses locais ouvidas pela Gazeta do Povo, os recursos já teriam sido liberados pelo governo federal, mas foram repassados para as secretarias de saúde municipais junto com outras verbas. Questões burocráticas, como o formato legal do repasse para as comunidades terapêuticas, atrasam a abertura de novas vagas.

"Até hoje, nenhuma casa recebeu. Aqui no estado ainda não se conseguiu desenrolar isso", confirma o presidente do Fórum de Debates sobre Drogas de Curitiba e Região Metropolitana e responsável pela Casa do Servo Sofredor de Curitiba, Francisco Manoel de Oliveira, o frei Chico.

Sem garantia

Além do atraso no repasse dos recursos, as comunidades terapêuticas também reclamam do método usado pelo governo federal, que prevê a ajuda de custo somente por 12 meses. Sem a garantia de que poderão contar com os valores a longo prazo, algumas casas não se arriscam a abrir novas vagas, que, depois, não terão como ser mantidas.

"Doze meses de contrato com o governo não resolve. Daqui a um ano, esse convênio vai ser renovado? Esse valor acaba servindo somente pra quebrar um galho", critica o presidente do Projeto Londrina Viva (Prolov).

Para o assistente social e escritor catarinense Klaus Rehfeldt, autor de seis livros sobre dependência química, é preciso investir no tratamento dos usuários que se tornaram dependentes químicos, mas, antes de tudo, as políticas públicas devem priorizar a prevenção. "Os que já caíram no fundo do poço têm que ser recuperados de novo. Mas temos que colocar uma tampa em cima desse poço. E esse é um trabalho de que as autoridades públicas ainda estão fugindo, se esquivando", avalia Rehfeldt.

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