O humorista Léo Lins leu os decretos usando humor durante seu show de stand up na cidade de Marilia (SP)| Foto: Reprodução/YouTube
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Uma notificação emitida pela prefeitura de Marília (SP) proibindo “piadas jocosas” no show de comédia do humorista Léo Lins – conhecido por suas atuações no programa The Noite, com Danilo Gentili – se tornou principal assunto da apresentação de stand up realizada pelo comediante na cidade e foi tema de um vídeo postado pelo humorista em seu canal do YouTube nesta terça-feira (1º).

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O show foi realizado no último sábado (29), horas depois de o ator receber um documento alertando que poderia ser multado e ter a autorização de uso do teatro municipal suspensa se fizesse “piadas jocosas” sobre vários assuntos, inclusive a administração municipal. “Pela definição do dicionário Oxford, proibiram piada engraçada no show de humor. Então, como o público riu, violei a regra deles”, disse em entrevista à Gazeta do Povo.

Como o termo "jocoso" significa "alegre, brincalhão ou engraçado", a notificação informava que o comediante poderia ser multado por fazer a plateia rir durante show de stand up. Foto: Arquivo Pessoal/Léo Lins
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Em resposta à notificação, o ator mudou seu roteiro de stand up e criou piadas a partir do documento. “Antes de começar o espetáculo, tivemos a visita ilustre de um oficial de Justiça”, relatou no palco. “E parece que alteraram a lei por minha causa. Me senti importante”, continuou.

Enquanto lia o documento, Léo citava problemas enfrentados na cidade, como falta de água, buracos e processos envolvendo autoridades municipais. “Fui ver quem são as pessoas que assinam os decretos, joguei na internet e a primeira notícia que apareceu foi essa”, afirmou, ao ler uma notícia que citava condenação por improbidade administrativa. “Então tinha condenados aqui na prefeitura, mas também tem condenado na presidência, né?”.

O humorista ainda recebeu cópia do Decreto 14.088/2023, assinado no dia 27 de julho (dois dias antes do show), que fixou a multa em até 100 vezes o valor da taxa cobrada para uso do espaço em casos de desobediência às regras municipais. “Antes era 10%, mas um dia antes do meu show eles alteraram para um valor até 100 vezes mais alto. Claramente foi uma armadilha”, afirmou à Gazeta do Povo.

Diante da situação, Léo também falou desse decreto durante o show e citou outra denúncia envolvendo supostos gastos ilegais do prefeito e do secretário de cultura responsáveis pela alteração do valor da multa. “É esse pessoal que não quer que eu venha contar piada, que é algo muito grave”, ironizou o humorista, lendo ainda parte da notificação que proibia piadas “contra portadores de autismo, hidrocefalia, obesidade, discriminatórias, homofóbicas, entre outras, bem como interesses da administração”.

“Naturalização de atitudes autoritárias”

De acordo com ele, essas regras inviabilizam humor a respeito de qualquer assunto e impõem censura, que ele classifica como “radiação invisível aos olhos e que apenas quem sente os efeitos sabe o mal que pode causar”, comparou. “Estou sentindo há alguns anos, mas ultimamente se intensificou”, relatou o comediante, que estreou seu show Peste Branca há apenas quatro meses e já teve problemas semelhantes em sete cidades, além de um show derrubado por decisão judicial no YouTube. “É a naturalização de atitudes autoritárias.”

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Ainda segundo o comediante, os atos de censura costumam vir embalados “com uso de desculpas como manutenção da moral e dos bons costumes ou a preocupação com minorias fragilizadas”, e muitos não percebem isso. No entanto, estão se tornando tão comuns que há casos “visíveis a olho nu, como no documento que recebi antes do show em Marília, em que eles foram explícitos ao dizer que eu não poderia fazer nada ‘contrário aos interesses da administração’. É preciso jogar luz nessas atitudes autoritárias.”

Posicionamento da prefeitura de Marília

Em nota, a prefeitura de Marília informou que o decreto alusivo às regras de utilização do teatro municipal não teria “referência ao ato abominável de censura, mas ao respeito às minorias, o veemente combate à intolerância de raça e proteção de pessoas com condição de deficiência”.

A prefeitura informa ainda que é inclusiva “e não concorda com promoções culturais que trazem conteúdo ofensivo, propague discurso de ódio, incite à violência, ironize tragédias e ridicularize deficientes físicos ou pessoas obesas”, reiterando ainda que “o Decreto Municipal não possui viés político partidário e não corrompe os Direitos Constitucionais do livre pensamento e liberdade de expressão”.

Até esta terça-feira (1º), o humorista não havia sido multado pela prefeitura.