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Mesmo colecionando uma série de cancelamentos na internet, ameaças de morte, demissão de trabalho e agressão física, e respondendo a dezenas de processos relacionados a piadas contadas em palcos, o humorista Léo Lins é um dos poucos comediantes brasileiros que se mantém na trincheira da liberdade de expressão humorística.
Com o avanço sem precedentes do identitarismo mundo afora, as restrições a humoristas têm ganho cada vez mais força no Brasil. Um dos episódios que dobrou os riscos à liberdade de expressão de comediantes foi a recente sanção, pelo presidente Lula (PT), da chamada “lei antipiadas”. Uma das medidas que entraram em vigor é o enquadramento da contação de piadas que envolvam grupos considerados minoritários (por aspectos como cor, etnia, religião ou procedência) como crime de racismo.
Um dos trechos da norma determina que crimes previstos na Lei do Racismo passam a ter as penas aumentadas de um terço até a metade “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”. A lei também determina que se a fala considerada criminosa ocorrer no contexto de atividades artísticas ou culturais destinadas ao público, o autor também será proibido de frequentar esses locais por três anos, o que cria um ambiente perigoso principalmente para humoristas de stand-up. Vale destacar que as novas regras que criminalizam piadas trazem penas maiores do que para delitos como furto, receptação de bens roubados e sequestro.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Léo Lins fala sobre a cultura de censura imposta pelo “politicamente correto”, a atuação de ativistas que fomentam a criminalização de sátiras direcionadas a grupos considerados minoritários – enquanto toleram as mesmas piadas quando feitas a outros grupos –, e os riscos de medidas polêmicas criadas recentemente pelo governo Lula, como o chamado “Ministério da Verdade”.
De que forma medidas como a chamada “lei antipiadas”, sancionada pelo presidente Lula, impactam a atividade humorística?
Léo Lins: Como sempre falo, o humor não tem limites, o ambiente sim. Então partimos do pressuposto de que o humorista num palco está fazendo sua arte.
Sobre essa lei, o que já de cara me acendeu um alerta é que ela torna um agravante quando uma fala é feita com fins de entretenimento. Há duas motivações juridicamente falando: o animus injuriandi, que é uma fala com objetivo de ofender, e o animus jocandi, em que o objetivo é galhofa, piada. Nessa segunda possibilidade você não quer atingir a honra de ninguém – resumidamente, é uma piada.
É um absurdo tornarem essa segunda motivação um agravante. Imagine se a Justiça fala “Olha, você vai ser condenado a três anos de prisão porque fez essa piada”. Se eu argumentar: “Não, não foi piada. Nesse caso eu só quis ofender mesmo”. “Ah é? Então a pena vai ser menor”. Isso não faz sentido nenhum. A lei abre margem para isso: a piada passa a ser mais grave do que uma ofensa real.
Você vê um caráter ideológico no formato que essa lei acabou tomando?
Léo Lins: Estão sendo colocadas diversas limitações que seguem a uma determinada agenda, porque tudo na verdade é isso: uma disputa por poder. Cada grupo quer impor suas regras como sendo as dominantes para a sociedade.
Hoje, artisticamente falando, temos uma hegemonia de esquerda. Para o próprio “politicamente correto”, eu digo que um termo mais apropriado seria “esquerdisticamente correto”, porque os temas que são considerados “incorretos” são aqueles que não estão na agenda da esquerda. Se eu quiser fazer uma piada satirizando Jesus Cristo não vai ter problema nenhum; vou ganhar especial nos streamings famosos, não vou ter problemas. Agora, se fizer uma piada que envolva a “gordofobia”, aí eu vou ser criticado e massacrado pela mídia de esquerda.
A grande sacada é criarem um termo aparentemente neutro – politicamente correto – que vende esses ideais ditos progressistas. Então no fundo é uma disputa por poder.
Você responde atualmente a quantos processos relacionados a piadas?
Léo Lins: Não faço ideia, já perdi a conta. Só sei que meu advogado mora numa casa bem melhor que a minha.
Seria mais de uma dezena?
Léo Lins: Fácil, fácil. Tranquilamente. Mas todas as polêmicas que já me envolvi são por piadas contadas no palco. Não tem nada fora de um ambiente de humor. “Ah, mas você respondeu uma pessoa no seu perfil do Instagram”. Sim, meu perfil é cômico, é um perfil de humor. Não tem nada feito fora do ambiente de humor. Agora, fazer piadas na rua com as pessoas, não. Eu sou contra isso. Não acho que se deva fazer piadas com uma pessoa fora do ambiente apropriado para isso.
Já foi condenado em alguns desses processos?
Léo Lins: Sim. Já perdi alguns, outros estou recorrendo e já ganhei alguns.
O que percebo que vem acontecendo na Justiça é que não importa o que aconteceu, o que importa é o tamanho das partes envolvidas e o que elas representam. Infelizmente. Não há uma análise fria do que aconteceu. Isso dá uma margem muito grande para injustiças.
As represálias contra você já chegaram à agressão física uma vez, certo?
Léo Lins: Sim, levei um soco na nuca de um professor de Geografia. Depois ele foi candidato, se não me engano pelo PSOL. Perdeu, não foi eleito. Mas o pior é isso: era um professor.
Foi no meio de uma multidão, ele veio covardemente pelas costas. E quem depois acabou me falando quem era professor foi um aluno dele, que disse que teve aulas com ele, e que o professor tentava converter politicamente a sala inteira. Ele foi a única pessoa até hoje que eu processei, porque estou parado na rua e de repente tomo um soco na nuca em um lugar cheio de testemunhas. Um absurdo.
Recentemente um humorista foi denunciado por suposta discriminação contra deficientes por uma piada feita em um show, e a repercussão disso acabou levando à demissão dele. Como você avalia a classificação de uma piada, ainda que seja ofensiva a um determinado grupo, como crime?
Léo Lins: Hoje vejo que há diversas pessoas que lutam por direitos de determinados grupos, seja de LGBTs, professores, negros, crianças autistas, deficientes. Muitas dessas pessoas se autointitulam defensores dessas classes quando na maioria das vezes, ou quase 100% das vezes, não é a classe que as elegeu. Elas se autointitulam representantes de um grupo e precisam justificar sua existência para o seu suposto exército, então ficam caçando problemas para dizer: "eu vou lutar por vocês".
No caso da deputada Tabata Amaral, que fez a denúncia, ela pegou uma piada de um comediante que não vive só da comédia, no caso do Bruno Lambert, e vai usar o exército dela para atropelar esse sujeito “em nome da moral e dos bons costumes”.
Como eu falo, o cancelamento é a guilhotina do século 21. E os canceladores são os inquisidores. Nesse caso específico, ela tenta acabar com a vida de uma pessoa. O cara nem vive da comédia. “Ah, mas me ofendeu”. Tudo bem, é uma piada feita num ambiente para piadas. “Eu não gostei”. Tudo bem, não vá ao show.
Mas aí a pessoa quer que a rede social acabe com o perfil dele, quer que os locais de trabalho não recebam ele, quer causar um dano colateral no emprego que, no caso do Bruno Lambert era a principal fonte de renda, para que ele seja demitido. A pessoa vai fazer o que da vida a hora que os canceladores acabarem com tudo?
Então eu sou completamente contra essa "tortura digital". Você vai acabar com a vida de alguém. Eu não vou ser hipócrita de dizer que toda e qualquer piada tem que ser tolerada. Existem piadas que são realmente racistas ou homofóbicas. Existem pensamentos preconceituosos sem sombra de dúvidas. Esses movimentos que valorizam grupos minoritários acho que em parte são necessários sim. O problema é quando parte para uma histeria e começam a reclamar de casos absurdos e querer que as pessoas percam tudo.
Para onde está caminhando o cenário de liberdade no humor? Sabe de casos de humoristas que estão tendo que adaptar seus shows pra não serem alvo de denúncias?
Léo Lins: Está, digamos assim, caminhando para o que alguns querem: um humor “mais saudável e positivo”, que é como aconteceu na União Soviética durante o regime comunista de Stalin. Eles falavam muito disso, de ter um humor mais saudável e positivo, que no caso era o humor que exaltava o Estado.
Sei de muitos casos de humoristas que falam: “Reclamaram dessa piada, então não vou mais fazer”. E eu não julgo, a pessoa não quer entrar numa briga por causa disso então deixa de contar a piada. Mas a questão é: se todos começarem a fazer isso, o terreno para a piada vai ficar cada vez menor.
Inclusive diversos comediantes não passam por problemas agora porque tem outros que estão numa linha de frente, que estão sendo alvo do tiroteio. Mas se esses aí caírem, a perseguição vai passar para quem está na segunda linha. Quando derrubarem esses, vai para a terceira, para a quarta. Se vários forem derrubados vai chegar uma hora que quem está lá atrás, tranquilo, que nunca teve problema nenhum, vai estar sendo o alvo.
“Mas pô, estou fazendo piada de papagaio”. “Pois é, mas o Ibama está em cima, o papagaio é traficado e tal”. É isso. Vai chegar num ponto em que a reação a uma piada de bêbado vai ser: “Mas meu tio morreu de cirrose”.
Tem algum receio quanto ao novo cenário em Brasília em relação à liberdade de expressão?
Léo Lins: Vou continuar fazendo piadas. Se eu deixar de contar uma piada porque ela pode ofender alguém, eu não conto piada nenhuma. “Ah, mas tem piada que pode não ofender ninguém”. Olha, até tem, mas acho que não vai ser tão engraçado assim.
Acho que o humor tem um caráter crítico também. Para mim, o humor tem que ter o risco de explodir. E quem se propõe a andar nessa linha é o mesmo que caminhar numa corda bamba. Porque aí... e quando explodir? Aí tem que lidar com isso e conter os danos. Mas acho que parte da graça e do que atrai a atenção do público é isso. Eu admiro esse tipo de comédia.
Como você avalia o cenário daqui para frente para humoristas brasileiros? O governo recentemente criou o chamado “Ministério da Verdade”, além de um grupo contra discurso de ódio bastante ideologizado à esquerda. Esses podem ser mais obstáculos?
Léo Lins: Eu acho que a longo prazo pode ser perigoso sim. Tem que acender um sinal de alerta agora para que 2024 não vire o nosso 1984 [referência ao livro “1984”, romance que denuncia as mazelas do totalitarismo e destaca a manipulação e a intensa vigilância estatal como mecanismos de controle social].
Acho que independente do lado, o objetivo é o poder e cada grupo acaba querendo impor a sua regra, seu parâmetro como sendo o da sociedade. A questão agora é que uma agenda dita progressista vai avançar mais. É preciso ficar atento, por exemplo, com esse “Ministério da Verdade”. O governo vai julgar o que é falso e o que não é? Quem julga é o partido do presidente, ou um juiz que ele colocou lá?
Então há um problema muito maior, e quebrar essa engrenagem é muito difícil. Eu acho que quem tem a oportunidade de criticar e queira fazer isso, deve fazer. A liberdade de expressão é exatamente isso. Esse é um bem muito importante que a gente tem que procurar sempre preservar. Em qualquer momento que a liberdade de expressão esteja ameaçada – e eu creio que está –, quem pode chamar a atenção para isso acho importante que faça.