Ouça este conteúdo
Juristas estrangeiros e brasileiros, parlamentares e especialistas da ciência política e da comunicação participam na próxima semana do congresso "Liberdade de Expressão: o Debate Essencial", que ocorre na quarta e quinta-feira (27 e 28) em Brasília.
O objetivo principal é analisar em profundidade vários princípios ligados à liberdade de expressão em uma democracia. A atuação recente dos tribunais superiores brasileiros – em especial o STF e o TSE – apontou para uma reinterpretação de vários desses princípios. O Congresso pretende também discutir se essa nova orientação se justifica e é adequada aos parâmetros internacionais e à visão clássica acerca das exigências de um regime democrático. O evento é organizado pela Gazeta do Povo e pelo Ranking dos Políticos e conta com o apoio do Instituto Liberal, Instituto dos Advogados do Paraná e Federação Nacional dos Institutos dos Advogados (Fenia).
Participarão do evento juristas de renome internacional, como o português Jónatas Machado, professor da Universidade de Coimbra e autor da obra "Liberdade de expressão: dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social" (2002), e os norte-americanos Nadine Strossen, ex-presidente da American Civil Liberties Union (ACLU), e Todd Henderson, professor da Universidade de Chicago.
As eleições de 2022 no Brasil trouxeram à tona questões cruciais sobre o tratamento jurídico dado à liberdade de expressão, inaugurando um novo capítulo no debate nacional sobre o assunto. Princípios importantes do Direito foram interpretados de maneira heterodoxa e controversa por tribunais superiores. No evento, os participantes vão se debruçar sobre alguns dos casos e decisões mais emblemáticos dessa nova conjuntura e analisá-los de forma técnica.
O congresso contará com debatedores que aderem a diferentes correntes intelectuais sobre liberdade de expressão e que vêm de países com tradições diversas sobre o tema. Alguns deles trarão a perspectiva mais popular nos Estados Unidos, que defende o "mercado de ideias" – isto é, a noção de que as melhores ideias tendem a prevalecer em um espaço público aberto.
Em contraste, haverá entre os debatedores aqueles que adotam uma perspectiva mais próxima da tradição europeia, que busca equilibrar a liberdade de expressão com outros direitos fundamentais, como privacidade e dignidade – abordagem que costuma resultar em regulamentações mais estritas, especialmente em temas sensíveis.
O congresso será dividido em seis painéis, cada um com a participação de quatro especialistas. Antes do evento, os conferencistas vão receber vários materiais de apoio, que incluem detalhes sobre o caso que vão ajudar a delimitar o princípio analisado no painel.
Decisões sobre Bolsonaro e Lula e a censura prévia à Brasil Paralelo serão analisadas
Quais situações justificariam restrições extraordinárias da liberdade de expressão? Como diferenciar uma opinião ou uma crítica de uma informação falsa ou do que se costuma definir como "discurso de ódio"? A censura prévia é legítima em algum contexto?
Questões como essas serão abordadas nos seis painéis do evento, que vão se apoiar em casos concretos relacionados às eleições de 2022 para uma discussão técnica e aprofundada sobre a liberdade de expressão no Brasil.
Um deles será o da propaganda eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) que acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) de querer alterar a lei do aborto no Brasil. A campanha se baseava em trechos de falas do petista para sustentar a tese de que ele tentaria mudar a legislação sobre crianças em gestação no país caso eleito. O vídeo foi suspenso sob o argumento de que não havia comprovação de que Lula tivesse de fato tal intenção e que a afirmação de que ele incentivaria o aborto seria caluniosa.
Também será analisado, por outro lado, um vídeo publicitário da campanha de Lula que afirmava que o governo Bolsonaro poderia propor a redução do salário mínimo e outros benefícios a partir de 2023. A decisão tomada nesse caso também foi a remoção das publicações, sob o entendimento de que a acusação feita por Lula era falsa.
Sobre esses casos, os debatedores vão discutir até que ponto um discurso eleitoral que tenta prever o que fará um político caso eleito poderia ser enquadrado em "desinformação" ou "fake news", e se a suspensão de propagandas como essas é compatível com os padrões internacionais mínimos de proteção da liberdade de expressão.
Serão abordados ainda os casos da propaganda de Lula que associava Bolsonaro à prática de canibalismo e o do ex-secretário da Receita Marcos Cintra, então candidato a vice-presidente pelo União Brasil, que teve a conta no Twitter suspensa por defender a necessidade de apuração sobre a integridade das urnas. Os participantes debaterão, a partir desses casos, até que ponto críticas – ainda que duras – a candidatos ou a instituições podem ser coibidas em uma democracia.
Outro caso emblemático a ser discutido no evento é o da empresa de streaming Brasil Paralelo, que sofreu censura prévia durante as eleições por causa do documentário "Quem mandou matar Jair Bolsonaro", episódio da série "Investigação Paralela". A decisão judicial presumiu, sem base no conteúdo, que o filme poderia ajudar a campanha de Bolsonaro.
Os debatedores também analisarão o caso dos empresários que, por ordem do STF, foram alvos de busca e apreensão da Polícia Federal depois de terem sugerido, em um grupo de WhatsApp privado, o desejo de que houvesse ocorrido um golpe de Estado no Brasil.
Ao final do evento, espera-se chegar a um entendimento mais claro sobre como a atual orientação dos tribunais superiores brasileiros se situa em relação aos padrões internacionais de liberdade de expressão.
“Decisões recentes dos tribunais superiores, em especial do STF e do TSE, introduziram modificações na disciplina jurídica da liberdade de expressão. Essas decisões se deram no contexto de um país polarizado, cindido, em um grau de tensão que foi se intensificando à medida que se aproximava as eleições presidenciais. Por causa desse contexto, não parece que tenha havido o necessário distanciamento e a necessária reflexão por parte dos mais diversos atores sociais, políticos e do mundo jurídico sobre a razoabilidade desses novos rumos doutrinais e jurisprudenciais”, explica o Presidente-Executivo da Gazeta do Povo, Guilherme Döring Cunha Pereira. “Estamos falando de um dos pilares da democracia, de um dos elementos centrais da manutenção do ethos democrático. Não parece razoável, portanto, essa ausência de reflexão, de análise crítica. O objetivo deste Congresso é dar uma contribuição nesse sentido: debater em profundidade esses novos rumos jurisprudenciais.”