A licitação do transporte coletivo de Curitiba chega hoje a seu "dia D" sob críticas de especialistas do setor. Por um lado, a entrega dos envelopes das empresas interessadas em participar do processo de escolha marca uma volta à legalidade: desde 1988, a Constituição obriga o poder público a fazer licitação para serviços de concessão. Em Curitiba, esse processo nunca havia sido feito. Por outro lado, estudiosos afirmam que a prefeitura da cidade desperdiçou a chance de usar a concorrência a primeira em 55 anos de história para resolver problemas históricos do sistema de ônibus.
Os especialistas em logística e transporte público ouvidos pela Gazeta do Povo criticaram o fato de o edital apenas reproduzir o atual sistema, sem inovar. Em linhas gerais, eles acreditam que a abertura do processo de licitação poderia abrir espaços para novas formas de operar e gerenciar o sistema de ônibus de Curitiba com novos eixos ou novas formas de bilhetagem.
A Gazeta do Povo mostrou, porém, que há algumas mudanças. A fiscalização deve ser maior e a forma de pagamento também muda com a licitação a Urbs irá remunerar as operadoras pela relação de quilômetros rodados com o número de passageiros transportados e não só pelo quilômetro rodado, como é hoje.
Professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e consultor em logística, Garrone Rech acredita que o edital poderia trazer novidades sobre o trajeto das linhas e no modo de prestar o serviço ao público. "O projeto básico poderia ser mais completo. Era uma oportunidade." Ele fala que a licitação poderá trazer novas empresas, mas não mudanças significativas para quem usa os ônibus. "(O edital) reproduz tudo o que a Urbs faz hoje."
André Caon de Lima, presidente da Sociedad Peatonal, uma ONG que defende a mobilidade urbana sustentável, defende que não há avanços em pontos críticos. "Houve uma pessoa que faleceu em razão da superlotação (refere-se ao caso de Cleonice Ferreira, que morreu em janeiro de 2009 depois de cair de um ligeirinho em movimento). Não houve nenhum desenvolvimento de controle da superlotação." O ativista também defende a implantação de uma passagem temporal, que possibilitasse ao usuário fazer uma troca de ônibus sem pagar dentro de um período determinado. "Gostaríamos que implementassem um mínimo de melhorias."
Também professor da Federal, Eduardo Ratton defende que o Ministério Público questione judicialmente o edital por entender que ele favorece os atuais operadores. "Montaram um edital para repetir uma sacanagem de 50 anos." O ex-diretor de Planejamento da Urbs, João Carlos Cascaes, aponta o período de licitação como prejudicial ao debate social. "(A concorrência) é marota. Abriram (o edital) depois do Natal e vão abrir (as propostas) logo depois do carnaval. Vão criar três feudos em Curitiba."
A Urbs rebateu as críticas através de nota. "A licitação por região de influência é salutar porque não impede a implantação de novos serviços". Sobre o debate público, a empresa afirma que os técnicos "levaram em conta as sugestões apresentadas na audiência pública, pela internet e também nos quase 300 encontros e reuniões promovidas nos bairros pelo prefeito Beto Richa".
Interessados
Até o fim do dia de hoje, com a entrega dos envelopes, os curitibanos conhecerão o número de empresas e consórcios interessados em operar as 250 linhas de ônibus da cidade. A entrega das propostas ocorrem a partir das 9 horas da manhã na sede da Urbanização de Curitiba (Urbs), empresa que gerencia o transporte coletivo na capital e de parte da região metropolitana, dentro da Rodoferroviária.
A licitação tem valor total estimado de R$ 8,6 bilhões para 15 anos e está dividida em três lotes: região Norte (Lote 1), delimitado pelo eixo Leste-Oeste (marcado pelo trajeto do biarticulado Centenário-Campo Comprido); regiões Sudoeste (Lote 2) e Sudeste (Lote 3), com a divisão entre elas marcada pelo trecho do biarticulado Pinheirinho-Rui Barbosa.
O sistema de ônibus da cidade, que virou referência mundial pelo uso de corredores exclusivos, embarque em nível e uso dos biarticulados, poderá trocar os operadores e ter os custos controlados mais de perto pela Urbs. Quem ganhar a concorrência pode ter lucro líquido de meio bilhão de reais ao longo dos 15 anos de concessão. Como o sistema é complexo e envolve muito dinheiro, a prefeitura de Curitiba poderá enfrentar mais uma longa batalha jurídica para declarar os vencedores da licitação, como já aconteceu no caso dos serviços de reciclagem do lixo, dos radares e das funerárias, entre outros.