A secretaria especial da Cultura, liderada Mário Frias, seria responsável por fiscalizar infrações contra o decreto que está em formulação.| Foto: Roberto Castro/Mtur
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O decreto do governo federal para dificultar a remoção de conteúdos e contas em plataformas e redes sociais como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram não foi oficialmente divulgado e ainda está em discussão no Executivo, mas já causa polêmica.

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Na minuta do decreto, que foi obtida na íntegra pelo portal jurídico Jota, o governo alega que quer defender a liberdade de expressão e que as redes estariam agindo contra a lei ao remover conteúdos não ilícitos, sem ordem judicial, e que para isso utilizariam como única justificativa os seus próprios termos de uso.

“Se o provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo colocado em sua plataforma, não pode também retirar o conteúdo utilizando como justificativa os termos de uso”, diz o governo. Juristas contrários ao decreto têm afirmado que o documento age justamente contra aquilo que alega defender: a liberdade de expressão.

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Para o advogado Benedito Villela, professor do Ibmec e head de Special Projects na Laurence Simons Latam, “proibir a plataforma de operar de acordo com seus termos e condições significa censura”. “É uma plataforma privada, um meio de divulgação de informação privado”, afirma. “Esse tipo de ingerência governamental sobre o que pode ou não um veículo de mídia fazer é censura”.

Um aspecto estranho da proposta, para Villela, é dar o papel de fiscalização e apuração de infrações para uma secretaria dentro do Ministério do Turismo – no caso, a Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial da Cultura. “Existe o Ministério das Comunicações para isso. Existe a Anatel, que é uma agência reguladora, para isso. E eles colocam dentro da secretaria especial da Cultura no Ministério do Turismo?”

Se o decreto for mesmo promulgado, adicionará um capítulo ao Marco Civil da Internet, lei de 2014 que disciplina o uso da internet no Brasil. Em nota enviada à Gazeta do Povo, o Ministério do Turismo afirmou que a minuta se encontra, ainda, em fase de análise e discussão por parte do governo federal.

Falta de definição sobre redes sociais dificulta legislar sobre elas

Villela reconhece que existe “uma identificação muito forte das redes sociais com pautas principalmente comportamentais de esquerda”, mas diz que “é muito difícil existir uma ferramenta legislativa que consiga garantir uma neutralidade dos conteúdos disponíveis para cada um”. “O processo legislativo é estagnado, e a tecnologia é dinâmica. O processo fecha uma porta e a tecnologia abre outra”, afirma.

Para Pedro Franco, mestre em História pela USP e especialista em liberdade de expressão, parte do problema está justamente em que as atuais leis não conseguem contemplar fenômenos como YouTube, Twitter, Instagram e Facebook. “As redes sociais são um monstro novo. A gente não sabe muito bem em que categoria jurídica encaixá-las. É uma companhia privada, de imprensa, que pode publicar o que bem entender? É uma plataforma onde qualquer um pode publicar o que quiser?”, questiona.

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Na opinião dele, o caminho de obrigar as plataformas a publicar conteúdos que elas não queiram publicar não é o mais adequado. “Acho que um caminho mais produtivo seria que essas plataformas tivessem uma política um pouco mais clara de quais são os conteúdos que eles permitem e o que eles não permitem”, observa. “A princípio, eles estão no direito deles de não publicar conteúdos com que eles não concordam. O problema é quando eles se portam como plataformas neutras e escolhem arbitrariamente o conteúdo que eles vão deixar ou não deixar”.

As críticas de muitos usuários que são banidos ou têm seus conteúdos removidos, para ele, não deixam de ser justa. “Eles são informados que violaram políticas da plataforma, mas não são muito bem informados sobre que políticas são essas e qual foi a violação. Se as plataformas deixassem mais claro o que pode e o que não pode, acho que já eliminaria boa parte do problema”, diz.

Essa falta de transparência sobre os posicionamentos legitima as acusações de censura, avalia Franco. “Como os termos são muito vagos, qualquer coisa que é removida dessas plataformas dá margem para interpretar que foi por motivos políticos, ideológicos ou por antipatia. As plataformas se deixam vulneráveis a esse tipo de represália por causa disso. Eles não deixam claro, o que dá margem para acreditar que é censura.”

O que diz a minuta do decreto

Na justificativa da minuta do decreto, os autores dizem que lacunas no Marco Civil da Internet têm permitido “que provedores de aplicações de internet prevejam, em seus termos ou políticas de uso, políticas próprias de remoção de conteúdo e cancelamento de contas que afrontam o ordenamento jurídico nacional”.

Eles alegam que a previsão do Marco Civil de que as redes sociais não sejam responsabilizadas por conteúdo de terceiros na plataforma deve servir para garantir a liberdade de expressão, e não para legitimar a remoção de conteúdos. Segundo os autores, as redes sociais não poderiam “remover o conteúdo utilizando como justificativa os termos de uso do serviço, notadamente porque muitas vezes tais termos de serviço sequer obedecem a legislação nacional”.

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“Se o provedor não pode ser responsabilizado pelo conteúdo colocado em sua plataforma, não pode também retirar o conteúdo utilizando como justificativa os termos de uso”, afirmam.

A minuta diz ainda que os termos de uso de provedores não podem contrariar o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados, e que não se pode suspender uma conta em rede social sem ordem judicial, exceto em situações pontuais e expressamente elencadas (inadimplência do usuário, contas que simulam a identidade de terceiros ou contas automatizadas).

Os autores argumentam também que a remoção de conteúdo não pode ocorrer sem autorização judicial, a não ser quando houver violação do Estatuto da Criança e do Adolescente ou quando a divulgação de um conteúdo configurar prática ilícita.

Além disso, prevê um mecanismo para exercício do direito de contraditório e ampla defesa no meio digital, qual seja, a necessidade de informar o usuário da decisão e suas circunstâncias, bem como a possibilidade de contestá-la, inclusive por meio de canal eletrônico.

Na proposta, também está previsto que a fiscalização e apuração de infrações relacionadas à proposta da minuta caberia à Secretaria Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]