O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou para esta quarta-feira (6) a votação do requerimento de urgência do projeto de lei (PL) 2630/20, popularmente chamado de PL das Fake News. Ainda que a medida não seja uma surpresa para boa parte das lideranças políticas e partidárias, alguns aliados da base governista se queixam da celeridade dada à matéria.
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Ainda no fim de semana, começou a ser ventilado nos bastidores a possibilidade de o projeto ter seu requerimento de urgência votado nesta semana. A movimentação política ganhou força na segunda-feira (4) e foi sacramentada nesta terça-feira (5), com a confirmação vinda pelo próprio Lira.
Em caso de aprovação do requerimento nesta quarta, o PL das Fake News fica apto a ser votado em plenário. O clima político na Câmara sugere que o pedido de urgência será aprovado e o texto também. Segundo o próprio Lira, é possível que o projeto possa ser votado na próxima semana.
Parte dos aliados do governo critica a decisão de pautar o requerimento para esta quarta, bem como as articulações nos bastidores que sugerem a aprovação da matéria, e falam em votação a "toque de caixa" do parecer do relator, deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). Alguns até questionam o engajamento de Lira no debate e acusam o governo federal de se distanciar da discussão.
Por que Lira pautou o PL das Fake News e o que o STF tem a ver com isso
A decisão de Lira em pautar o PL das Fake News atende a um acordo firmado com lideranças partidárias, principalmente da esquerda, e também a uma pressão feita por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobretudo o ministro Alexandre de Moraes.
Lira foi eleito presidente da Câmara com o discurso de atender a todo o Parlamento e acenos inclusive a partidos da esquerda. Agora, lideranças da oposição ao governo cobram que ele não retarde mais a discussão do projeto. Um dos principais atores do debate é Orlando Silva, parlamentar que é próximo do presidente da Casa. O relator teve a palavra de Lira de que a matéria entraria em pauta.
O presidente da Câmara se reuniu com líderes partidários nesta terça para discutir a pauta em sua casa, na residência oficial da presidência, e se comprometeu a colocar o texto em votação. Aliados de Lira apontam que não apenas há um aceno a partidos da esquerda para discutir a pauta, como também a lideranças de outros partidos, que querem evitar maiores desgastes e votar a redação.
"O Lira pautar [o PL das fake news] é extremamente inteligente, não vejo isso como algo anormal ou a 'toque de caixa'. É como fez quando pautou a votação dos jogos de azar e evitou uma maior instabilidade política", disse um interlocutor de um parlamentar aliado. "Quando ele pauta esse tipo de coisa, ele busca dar estabilidade ao Parlamento e evitar pressões externas, que, por vezes, a depender da discussão, pode afugentar investidores e gerar desemprego. Essa questão das fake news está consumindo a base e o governo", acrescentou.
O grande problema, ponderam aliados de Lira, é a pressão exercida por ministros do STF. "Existe uma queda de braço e quem perde é o Brasil e o próprio Parlamento, que se enfraquece com esse tipo de discussão e pressão", disse um interlocutor do governo. Nos bastidores, circula a informação de que ministros da Suprema Corte ameaçaram julgar ações contra políticos e partidos — incluindo da base governista — que não apoiassem a pauta sobre fake news e as urnas eletrônicas.
A Gazeta do Povo ouviu de diferentes fontes - incluindo parlamentares e interlocutores do governo - entre segunda e esta terça-feira que Lira foi informado por um interlocutor de Alexandre de Moraes que, caso a Câmara não votasse o PL das Fake News, o TSE regulamentaria o debate para as eleições deste ano.
"O TSE sentou com o Lira e disse que, se a Câmara não votasse, eles fariam [uma regulamentação] por resolução", afirma reservadamente um parlamentar. O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) endossa e reconhece a pressão exercida pelo Judiciário sobre os deputados.
"Não é segredo para ninguém que o TSE tem feito pressão na Câmara, para que a gente aprove isso. Já cassaram deputado [estadual, Fernando Francischini (União Brasil-PR)] por isso. Na prática, essa pressão que o tribunal tem feito na Câmara é uma tentativa de legitimar aquilo que eles têm feito muitas vezes de maneira abusiva", ponderou.
O recado dado pelo emissário do ministro do STF foi claro para Lira, a ponto de ele ter se reunido nesta terça com o próprio Moraes e o ministro Edson Fachin, atual presidente do TSE. Na reunião, realizada na residência oficial da Câmara, Lira, Fachin e Moraes assinaram um termo de cooperação para combater a disseminação de notícias falsas durante as eleições deste ano.
Além do termo, também foi assinado um protocolo de intenções para o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no âmbito da Justiça Eleitoral, formado por membros das duas instituições. O termo assinado também prevê que Câmara e TSE desenvolverão, conjuntamente, ações e projetos para o enfrentamento da desinformação no processo eleitoral, além de atividades voltadas à conscientização da ilegalidade das práticas de desinformação. Como gesto político, Lira se comprometeu a pautar o PL das Fake News.
Qual é a posição do governo sobre o projeto das Fake News
A posição de Arthur Lira sobre o PL das Fake News é compreendida e endossada por algumas lideranças na Câmara, mas criticada por outras. Parte dos parlamentares que questionam a votação do requerimento de urgência nesta quarta-feira e a possível votação da matéria na próxima semana são independentes ao governo e outros compõem a base governista.
Na base, há, por exemplo, um sentimento de que o governo se distanciou do debate e pouco se engajou para discutir a proposta e buscar um texto politicamente mais palatável, principalmente para o eleitorado "raiz" de Bolsonaro. Alguns interlocutores governistas justificam a posição do Palácio do Planalto como uma forma de evitar maiores desgastes em uma pauta considerada polêmica para partidos e lideranças aliadas.
Contudo, o deputado federal Filipe Barros, que é vice-líder do Partido Liberal (PL) na Câmara e que integrou o grupo de trabalho que discutiu a matéria, nega que o governo tenha se distanciado do debate. Inclusive, afirma que esteve na última terça-feira (29) no Planalto com Orlando Silva para discutir o texto. "O presidente [Bolsonaro] não está alheio. Vários ministérios participam do debate, que é feito, obviamente, sob a anuência do presidente. Eu tenho a certeza que ele próprio vai se manifestar no momento adequado, como já se manifestou sobre isso várias vezes", comentou.
Na reunião na última terça-feira, Barros e o relator se sentaram com representantes de cinco ministérios: das Comunicações; da Ciência e Tecnologia; da Secretaria de Governo; da Casa Civil; e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Além deles, também participou por videoconferência a deputada Bia Kicis (PL-DF).
Segundo Barros, o governo defendeu mecanismos de moderação de conteúdo, como fez quando mandou uma Medida Provisória (MP) e, posteriormente, um projeto de lei, com a proposta de que o usuário nas redes sociais tenha "o direito ao exercício do contraditório, ampla defesa e recurso nas hipóteses de moderação de conteúdo pelo provedor de rede social".
"Existe um consenso entre eu, o relator Orlando, e tenho certeza que entre o próprio governo e o presidente, de que é necessário a criação de medidas para limitar o poder, hoje ilimitado, das plataformas", afirmou Barros. Parte da redação proposta pelo governo foi incorporada no parecer do relator.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), tem dado encaminhamento às defesas do governo e procurado buscar consenso em pontos considerados sensíveis e polêmicos. O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), vice-líder do governo na Câmara, diz, inclusive, que o Planalto não é contra a urgência e está pronto para discutir a proposta.
"O governo não é contra urgência nenhuma, nós somos pagos para votar. Qualquer urgência que venha, a liderança do governo será a favor ao debate. Mas claro que é um projeto que precisa ser melhor amadurecido e discutido", salientou. Passarinho ressalta que o parecer foi apresentado por Silva na semana passada, ainda durante a janela partidária, e nem todos puderam se engajar.
"De lá para cá, poucos tiveram a chance para analisar. Eu já ouço burburinho dessas plataformas falando contra o projeto, então, temos que ver que projeto vai ir. Ninguém é contra discutir o projeto. Somos contra é retirar liberdades, não podemos tirar a liberdade de expressão, das pessoas, dos blogs, dos jornais, essa liberdade não pode ser cerceada", ponderou Passarinho. "Logicamente, a divulgação de mentiras deve ser cerceada dentro de uma razoabilidade. Mas não podemos focar no carrapato e matar a vaca", afirmou.
Como está a tramitação do projeto e quais as chances de ajustes
É pouco provável que o PL das Fake News seja aprovado em seu texto atual. Alguns pontos são muito criticados por parlamentares da esquerda, de centro e direita, como a remuneração do conteúdo jornalístico como forma de combater a desinformação. Da forma como o texto está, existe um entendimento na Câmara de que a redação favorece apenas os grandes grupos de comunicação nacionais.
A possibilidade de ajustes no texto é reconhecida por parlamentares nos pontos mais polêmicos e sem consenso. Outro ponto criticado por deputados é o artigo que torna públicas as estratégias das redes sociais de perfilhamento (definição de público-alvo). Outros trechos muito criticados são os que versam sobre transparência e viabilidade de exposição de dados.
O deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil-ES), vice-líder do partido na Câmara e coautor da proposta original, afirma que o transparência é uma das partes mais importantes a serem discutidas. Para ele, a redação atual é exagerada. "Pedem coisas demais, toda a informação tem que ter utilidade, você precisa racionalizar um pouco as informações e transparência até para ter mais disposição de empresas cumprirem com a lei. A lei precisa ser cumprida e não podemos criar muitas barreiras para a entrada de novos negócios", argumentou
O perfilhamento é outro ponto que precisa de maior discussão, salientou Rigoni. "Inclusive pela própria Agência Nacional de Proteção de Dados Individuais", ponderou. O parlamentar defende um debate mais sóbrio, até pela inviabilidade de a redação surtir algum efeito prático durante as eleições deste ano. "[O texto] está sendo votado agora na esperança de que tenha algum efeito nas eleições, e não vai ter. Primeiro que o prazo de implementação é de seis meses", alertou.
"É um debate válido, mas não dá tempo [de ser implementado]. É muita coisa, não pode pedir para que todas as empresas envolvidas implementem toda a lei, que é gigante, em três meses. Se exige um esforço de engenharia computacional grande, não é simples. Já que não vai ter efeito nas eleições deste ano, vamos discutir com mais tempo e mais calma para fazer um negócio realmente muito bom", destacou Rigoni.
Além de Rigoni, outros deputados defendem um debate mais qualificado sobre o texto, entre eles outros parlamentares do União Brasil, como Kim Kataguiri (SP), e a bancada do Novo. A expectativa de alguns é de que Orlando Silva pudesse alterar mais uma vez seu parecer, e não buscar mudanças no mérito durante a votação em plenário. Lideranças de União Brasil e Novo até preparam emendas e destaques para modificar a proposta.
Já o deputado Filipe Barros afirma que Orlando Silva acatou algumas de suas observações e evita criticar o trabalho desempenhado pelo relator, mas lamenta que ele não tenha acolhido suas sugestões quanto à conceituação de alguns termos presentes na redação do projeto. "Existe uma falha muito grave no projeto de lei do relatório que é a falta de conceitos objetivos e claros, como, por exemplo, 'desinformação', 'notícias falsas', 'discurso de ódio'", sustentou.
Para Barros, conceituar alguns termos subjetivos é fundamental para evitar arbitrariedades. "Do Judiciário, que é quem interpreta a lei, e também das próprias plataformas, que, hoje, colocam qualquer conceito em relação aos termos", criticou. "Isso, pra mim, é a principal omissão que macula todo o projeto de lei. E como vamos discutir moderação e conteúdo, o que as plataformas podem ou não retirar do ar, não termos isso bem conceituado é grave. A falta de conceitos vai fazer com que haja uma completa judicialização da política e do debate público", acrescenta.
Uma vez aprovado com as possíveis alterações, o PL das Fake News ainda retornaria ao Senado, a casa onde o texto iniciou sua tramitação. Existe, portanto, a possibilidade regimental de os senadores rejeitarem a redação aprovada pelos deputados e manterem o parecer aprovado pelos senadores, algo que Barros teme. O vice-líder do PL, por sinal, sugeriu a Lira e Silva que o relatório fosse incluído em um novo projeto de lei a ter sua tramitação iniciada na Câmara. A sugestão, contudo, não avançou. "Tenho falado isso faz um tempo, mas não prosperou e não tem prosperado", lamenta.
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