O que você acharia de ler para seu filho ou filha um livro infantil sobre “um libertador destes tempos que seguiu a estrela no céu e na sua testa até conquistar um mundo mais justo para muitas e muitos mais”? Embora possa parecer uma referência a um protagonista de um conto de fadas comum ou de uma fábula, essa descrição foi feita para Che Guevara, o heróis das esquerdas, que ajudou a implantar a ditadura cubana e foi responsável por centenas de mortes. E ele é apenas um dos muitos personagens de esquerda que protagonizam livros voltados para crianças.
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Che Guevara faz parte de uma coletânea de livros infantis sobre “anti-heróis e antiprincesas” latino-americanos, iniciada em 2015, pela editora argentina Chirimbote. Além de “Che”, há livros sobre outras seis personalidade, incluindo Eduardo Galeano (jornalista uruguaio, autor de Veias Abertas da América Latina, referência do pensamento esquerdista latino-americano), Julio Cortázar e Silvio Rodríguez (músico defensor do regime cubano).
Já as obras “antiprincesas” da coleção são 11 e incluem Frida Kahlo, Clarice Lispector, Juana Azurduy (militar latino-americana de origem indígena que participou das lutas pela independência da América espanhola), Evita Perón e Susy Shock (ativista de gênero, integrante da Frente Nacional pela Lei de Identidade de Gênero na Argentina). Nem todos os livros estão disponíveis na versão em português.
“Homens e mulheres reais”
A responsável pelos textos dos livros é a jornalista e escritora argentina Nadia Fink. Segundo ela, a ideia foi “escrever livros que gostaria de ler”, mostrar exemplos de “homens e mulheres reais que mudaram o mundo”. Mas parece que o realismo das obras deixa a desejar. Como apontam os próprios leitores do livro sobre Che Guevara, as cores com que Nadia pinta o guerrilheiro são bem pouco realistas.
“Imaginava que seria uma biografia do Che para crianças, mostrando um pouco da vida dele, o que acreditava e o que ele fez. Mas tem mentiras demais, é muito exagero pintar ele de santo o tempo todo e chegar à conclusão de que Cuba acabou com as desigualdades e que está tudo bem”, resume uma compradora da obra.
O desapontamento é compreensível. Só para se ter uma ideia, a obra começa com “Che Guevara era um homem muito corajoso, sonhador e de alma livre. O que mais lhe deixava triste era ver injustiça”. Também fala de uma falsa Cuba pós-revolução, onde não existiriam crianças na rua, famintos ou analfabetos. “Ninguém passa fome, porque tudo o que eles têm, seja muito ou pouquinho, é dividido para todo mundo”, diz outro trecho.
Teoria política para os pequenos
Além das biografias sobre personalidades da esquerda, também é possível encontrar livros infantis voltados para explicar aos pequenos os conceitos básicos do marxismo. Um exemplo é O Capital para crianças, de Liliana Fortuny. O livro tem o “vovô Carlos” – que traz cabelo e barba muito semelhantes aos de Karl Marx – contando aos seus netinhos uma história que “aconteceu de verdade, não faz tanto tempo assim e continua se repetindo em muitos lugares do mundo... A história da luta dos trabalhadores”.
Há também Comunismo Para Crianças - Um livro para todas as pessoas que desejam um mundo melhor, da autora feminista alemã Bini Adamczak. A história é recheada de princesas ciumentas, camponeses deslocados, chefes malvados e trabalhadores cansados, além de ilustrações de “pequenos revolucionários adoráveis experimentando seu despertar político”.
O livro pretende contar a história econômica do feudalismo, as lutas de classes no capitalismo e as diferentes ideias do comunismo. Já na primeira frase do livro é possível ter ideia do que se trata: “Comunista é a sociedade que elimina todos os males que hoje afligem os seres humanos em uma sociedade capitalista”, diz a autora.
Da Boitempo Editorial, tradicional reduto de obras marxistas e de esquerda, temos a coletânea Livros para o amanhã, adaptações de obras lançadas na Espanha pós-Franco, em 1977. Integram a coleção os livros O que são classes sociais? (“as pessoas têm os mesmos direitos e que, enquanto houver desigualdade, haverá a busca por uma sociedade mais justa”); As mulheres e os homens (“como as crianças estão sendo educadas e o que significa, para elas, ser homem ou mulher?); A ditadura é assim (“O cotidiano de um emburrado ditador ilustra como funciona a sociedade dentro de um regime autoritário”) e A democracia pode ser assim (“O texto se propõe a ser uma primeira abordagem à cidadania e a questões sociais”).
Politicamente correto
Nas estantes dedicadas à literatura infantil, o número de livros sobre “anti-heróis” – Che Guevara é classificado na coleção de livros infantis – e “antiprincesas” crescem dia a dia. Parte da explicação disso estaria na ideia de que as histórias tradicionais, com príncipes, princesas e quase sempre terminando em “e viveram felizes para sempre”, são essencialmente “politicamente incorretos”. Além disso, poderiam fazer com que as crianças desenvolvam visões de mundo distorcidas e preconceituosas. Mas essa é uma ideia equivocada.
Para a britânica Sally Goddard Blythe, consultora em educação e autora de diversas obras sobre desenvolvimento da criança, a narrativa infantil clássica – aquela com papeis de herói e vilão bem definidos e um final feliz – são fundamentais para a formação das crianças. Em seu livro The Genius of Natural Childhood, ela defende que os contos de fadas ajudam as crianças a desenvolver um comportamento moral em relação ao mundo. Isso se dá, segundo Sally, porque a criança é colocada diante de exemplos definidos da força ou fraqueza humana, além do contraste nítido entre o bem e o mal, e defeitos e virtudes.
Assim, pais preocupados demais com o “politicamente correto”, que evitam que as crianças tenham contato com livros com versões clássicas, podem estar prejudicando o desenvolvimento de seus filhos. “Quando você não dá às crianças esses estereótipos de bom e mau, você não dá a elas um código moral para começar a desenvolver suas próprias vidas", diz a autora.
Ela lamenta ainda que muitas das histórias infantis clássicas acabem sendo evitadas por seu teor. “Essas histórias não são cruéis e discriminatórias. Elas ajudam a entender as peculiaridades e as fraquezas do comportamento humano em geral, além de aceitar muitos dos seus próprios medos e emoções”, defende em seu livro.
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