O mercado financeiro global está bastante interessado na maconha. De acordo com uma análise da consultoria BDSA, publicada em março, as vendas globais cresceram 48% em 2020, em comparação com 2019, e alcançaram US$ 21,3 bilhões. A perspectiva é chegar a 2026 em US$ 55,9 bilhões, uma taxa composta de crescimento anual da ordem de 17%.
Essa tendência é puxada principalmente pelo aumento do número de estados americanos que legalizaram o consumo do entorpecente – no ano passado, tomaram essa decisão os eleitores de Arizona, Mississippi, Nova Jersey, Montana e Dakota do Sul, enquanto Nova York autorizou o uso recreativo em março deste ano.
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Atualmente, um terço da população dos Estados Unidos vive em locais onde a maconha é liberada para maiores de 21 anos. O mercado atrai investidores como o rapper Jay-Z, por exemplo, que em 2020 lançou sua própria marca de produtos derivados da planta, a Monogram, e o empresário Aaron Morris, cofundador da marca de gomas de maconha Wyld.
No Canadá, onde fica o maior mercado consumidor do mundo, os valores comercializados cresceram 61% em 2020, graças à aprovação de uma nova regulamentação para produtos derivados. Ao fim de junho, o México se tornou o segundo país da América Latina a descriminalizar o plantio e o consumo de cannabis – o Uruguai adotou a medida em 2013.
Interesses comerciais
No Brasil, nos últimos anos, diferentes gestoras lançaram fundos de investimentos que apostam em ações de empresas estrangeiras que trabalham com maconha, seja para fins recreativos ou medicinais – caso da Vitreo, da XP e do BTG Pactual. Em paralelo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentou o registro e venda de produtos à base de cannabis, que não são comercializados e classificados como medicamentos pela ausência de estudos definitivos sobre a sua eficácia. Como não é permitido o plantio de maconha no país, pelos riscos à saúde pública, para participar legalmente desse negócio é necessário importar o princípio ativo.
“Em todos os países onde a maconha foi liberada para uso recreativo, a retórica foi a mesma. O discurso sempre se iniciou com a liberação da ‘maconha medicinal’ e evoluiu para a liberação total da droga, inclusive para uso recreativo”, afirmou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), em entrevista por e-mail.
“Por trás desse projeto estão inúmeros interesses econômicos (lobby do ‘narconegócio’). São bilhões de dólares envolvidos, inclusive com papéis na bolsa de valores, numa indústria que tem o objetivo de retirar da sociedade brasileira a percepção de risco sobre a droga”, prossegue o parlamentar. “O mercado internacional da maconha quer transformar o Brasil no maior produtor mundial da droga, pois temos solo e temperatura adequados”.
O mercado nacional para o uso medicinal de canabidiol foi estimado em R$ 4,7 bilhões em 36 meses, resultado da comercialização de produtos, segundo a projeção realizada pela New Frontier Data, empresa de análise de dados da indústria de cannabis, para a aceleradora de startups The Green Hub.
Em 2020, a Anvisa concedeu 18.850 autorizações para pacientes que solicitaram importar produtos à base de canabidiol, contra 8.522 em 2020. Na medida em que a agência libera a comercialização de novas substâncias à base de canabidiol produzidas dentro e fora do Brasil, dezenas de empresas começam a atuar neste setor, sejam elas nacionais ou estrangeiras, incluindo farmácias especializadas e plataformas que conectam pacientes a médicos que prescrevem produtos derivados do componente.
Pelos riscos de segurança e saúde pública, o plantio permanece barrado em território nacional, ao menos por enquanto. O poder judiciário, à revelia das decisões da Anvisa, tem concedido centenas de habeas corpus liberando a prática de plantação em pequenas quantidades – em São Paulo, por exemplo, a Cultive Associação de Cannabis e Saúde conseguiu receber uma decisão coletiva que proíbe a prisão de seus integrantes por plantar maconha. Em outra frente, no Legislativo, a liberação do plantio, turbinada pelos interesses econômicos, parece caminhar a passos largos. O PL 399/2015, alterado este ano, foi aprovado em caráter conclusivo na comissão na Câmara dos Deputados, mas espera a análise do requerimento de um grupo de deputados para que o tema seja avaliado no plenário de Casa.
O plantio privado para consumo é o mais perigoso para saúde. Os produtos aprovados pela Anvisa são fiscalizados para que apresentem quantidades seguras de elementos como canabidiol e tetrahidrocanabinol, que podem causar dependência, induzir psicoses, entre outros. Essa garantia é praticamente impossível na utilização da planta de forma caseira.
Projeto ajustado
O projeto de lei que libera o plantio para fins medicinais e industriais foi sensivelmente modificado - com o acréscimo de mais de 60 itens - pelo substitutivo apresentado pelo deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR). O substitutivo prevê viabilizar o “cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, comercialização, importação e exportação” da planta. O artigo 20, por exemplo, permite que o uso medicinal seja irrestrito, o que abre a possiblidade do uso recreativo. Em junho, a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisou o PL aprovou um parecer favorável ao texto.
“A narrativa para aprovação do PL 399/2015 se fundamentou na necessidade de baratear o custo para produção de remédios à base de cannabis para ajudar os pacientes que tenham graves doenças neurológicas refratárias, com convulsões”, avalia Eduardo Girão. “Porém esse discurso não se justifica, funcionando apenas como estratégia para avançar na legalização da droga. O PL vai muito além da produção para uso medicamentoso”.
Vai permitir, diz ele, a fabricação e a comercialização de produtos como bombons, bolos, cookies, chocolates e outras mercadorias, todas com a maconha como ingrediente. “Ou seja, itens consumidos principalmente por crianças e adolescentes, faixa etária na qual o consumo dessa droga provoca mais dependência”.
Além disso, diz ele, “não há necessidade de um PL nesse sentido, pois a Anvisa já tem normativas (RDC 327/2019 e RDC 335/2020) que regulamentam o tema. A Anvisa também já se manifestou contra o plantio”.
“É um lobby poderoso”, explica João Paulo Becker Lotufo, médico pediatra, coordenador do Núcleo de Estudos de Combate ao Uso de Drogas por Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). “O uso indiscriminado do termo ‘maconha medicinal’ já sugere uma tentativa de liberar o chamado uso recreativo. Afinal, não falamos em heroína medicinal, apesar de a droga ter a mesma origem da morfina, a papoula. Outros remédios vêm de vegetais, como a Novalgina, e não usamos o nome da planta”.
O resultado, diz o pediatra, é que ele encontra, com grande frequência, cada vez mais pacientes jovens que acreditam que fumar maconha não é prejudicial. “Hoje o pico de experimentação de maconha é com 14 anos, muitas crianças começam com 10, 11 anos. Vamos ter muita gente dependente no futuro. Lembrando que 1 em cada 100 usuários vai apresentar um episódio psicótico”.
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