A mundialmente popular e respeitada logomarca da organização não governamental (ONG) World Wildlife Found (Fundo Mundial para a Vida Selvagem, na sigla em inglês WWF) pode estar sendo usada como disfarce para esconder a voracidade da indústria madeireira. Ao menos é o que aponta um relatório recente da Global Witness, entidade britânica que investiga conflitos sociais e políticos relacionados aos recursos naturais.O documento Pandering to the loggers ("Favorecendo os desmatadores") cujo título também faz alusão à palavra "panda", símbolo da WWF acusa a Rede Global de Comércio e Florestas (GFTN, na sigla em inglês), programa mantido pela WWF para apoiar o comércio legal e sustentável de madeira no mundo, de ter padrões pouco rigorosos para a filiação de seus membros. Além disso, segundo a Global Witness, o monitoramento das empresas não é eficiente e falta transparência em relação aos compromissos assumidos por elas.
Benefícios
Por outro lado, diz o relatório, as companhias ligadas ao setor madeireiro estariam se beneficiando da rede global e aproveitando a "garantia" da marca WWF para melhorar a própria imagem perante o mercado e a sociedade. Detalhe: as operações da GFTN recebem verbas públicas de diversos governos, como o dos Estados Unidos e da União Europeia, com o compromisso de evitar o desmatamento. As cerca de 70 companhias associadas ao programa também contribuem anualmente, bem como os vários comerciantes de madeira associados à rede. Estima-se que a arrecadação da ONG chegue a US$ 500 milhões ao ano (cerca de R$ 820 milhões).
O documento analisa detalhadamente três casos de empresas da GFTN que teriam cometido crimes socioambientais. O primeiro é o da companhia malaia Ta Ann Holdings Berhad, acusada de desmatar 20 campos de futebol por dia na floresta tropical da ilha de Bornéu, na Ásia. Até o fim de 2010, mais de 30 mil hectares teriam sido destruídos. "Boa parte da floresta natural que a Ta Ann está derrubando para estabelecer suas plantações de madeira está na área do projeto Coração do Bornéu, da WWF, descrito como um lugar no sudeste da Ásia onde as florestas tropicais ainda podem ser conservadas em grande escala. É uma contradição a GFTN ser parceira de uma companhia responsável por destruir a mesma área de floresta tropical que a WWF ativamente trabalha para conservar", afirma o relatório.
Outro flagrante é o da britânica Jewson, uma das mais antigas integrantes da rede global, que há mais de dez anos vem se associando a empresas fornecedoras de madeira ilegal, inclusive com extração de mogno da região da Bacia Amazônica. O terceiro caso é o da companhia suíço-alemã Danzer Group, cuja subsidiária no Congo estaria envolvida em agressões e conflitos com comunidades locais. O relatório lista também outras companhias e seus eventuais crimes ambientais.
Para a Global Witness, as regras de certificação e acesso à GFTN são menos rigorosas que as leis americanas e europeias para importação de madeira ilegal: "Espera-se que este estudo traga algum retorno e lições não apenas à Rede Global, mas também para muitas outras iniciativas que buscam o engajamento das entidades responsáveis pela destruição das florestas naturais através de programas voluntários que encorajem melhorias nas práticas deste negócio."
WWF admite falhas no sistema
A ONG WWF reconheceu algumas falhas no seu sistema, mas ressaltou a importância de dialogar com empresas do ramo madeireiro estejam elas na legalidade ou não. George White, diretor da Rede Global de Comércio e Florestas, explica que a GFTN é bem-sucedida mundialmente, mas que também está sujeita a erros. Nesse sentido, diz ele, as críticas são bem-vindas. No entanto, segundo White, o WWF não permite que as empresas utilizem sua logomarca indevidamente. "Temos regras bastante claras e restritivas quanto a isso", reitera.
A GFTN possui atualmente cerca de 300 entidades associadas, entre companhias, comunidades e organizações não governamentais, que atuam em 30 países ao redor do mundo. De acordo com White, cerca de 50% do mercado global de certificação de madeira passa pela rede do WWF. "É claro que alguns parceiros ainda têm um caminho a percorrer em suas jornadas até a sustentabilidade. Mas são justamente essas companhias que deveriam fazer parte da Rede Global", explica o dirigente.
Exposto
Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia do WWF-Brasil, tem opinião semelhante. "Temos que trabalhar também com as empresas que têm problemas, só que esse relatório aponta muito bem que existem formas de atuar que podem proteger melhor inclusive o próprio WWF e não deixá-lo exposto", avalia.
Para ele, o estudo da Global Witness merece uma reflexão, principalmente sobre dar mais transparência e publicidade aos acordos com as empresas. "Ao deixarmos as metas bem claras, a sociedade poderá acompanhar, o que também é muito bom. O próprio consumidor vai ajudar a cobrar da empresa. Isso gera envolvimento social com o compromisso assumido", diz. Apesar de achar que o relatório traz algumas interpretações que podem não ser muito precisas, Armelin vê como positivas as críticas. "Vamos ver o que podemos melhorar nos nossos processos e usar isso para evoluir."
Serviço:
O relatório completo, em inglês, está disponível em www.globalwitness.org/panderingtotheloggers