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Inicialmente, cerca de 20 servidores deverão ser treinados
Em Londrina, o planejamento para a implantação da Patrulha Maria da Penha ainda está em fase inicial. Cerca de 20 servidores da Guarda Municipal devem passar por treinamento. A prefeitura também estuda obter recursos via governo federal para adquirir duas viaturas exclusivas para a estrutura. "A primeira etapa é construir um protocolo de atendimento, definir o fluxo e como a patrulha irá funcionar no município", assinala Elaine Galvão, assessora da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres de Londrina.
O município tem 1,9 mil mulheres protegidas por medidas judiciais contra a aproximação de agressores. A previsão é de que a patrulha esteja disponível ainda no primeiro semestre de 2015. (AL)
"Só serei mulher de novo quando ele for punido"
"Só vou conseguir me sentir mulher de novo quando ele for punido. Sem dente, sem cabelo e sem autoestima, mas mulher de novo", desabafa Lucia*, 41 anos, em meio às lágrimas, enquanto mostra uma foto sua, de quatro anos antes. "Olha como eu era, olha como eu estou agora". Ela é uma das mulheres vítimas de violência doméstica atendidas pelos guardas municipais Zeilton Dalla Villa e Márcia Maria Zerger, que acompanham a situação de vulnerabilidade à qual está exposta e orientam sobre como agir quando se sentir ameaçada.
Após pôr fim a um relacionamento de um ano, Lucia viu o ex-companheiro tornar-se o algoz. Em três anos de agressões físicas, foram mais de 34 boletins de ocorrência, três meses de internação na UTI, nariz, clavícula e dentes quebrados, além de incontáveis invasões à casa dela, durante as quais ela e os filhos ficavam horas sob tortura psicológica.
Apesar da violência extrema que sofria, Lucia demorou dois anos para procurar ajuda porque tinha vergonha; o estopim foi quando o agressor ameaçou seu filho mais novo. Entretanto, denunciar não lhe garantiu proteção, já que, para ser preso, era necessário um flagrante. "Ele conhecia as brechas da lei e sabia o tempo que a polícia demorava para chegar, então fugia antes. A sociedade também não ajuda. Ele me arrastava na rua, na frente de todo mundo, mas ninguém ajudava. As pessoas também têm medo de testemunhar", lamenta.
Acompanhamento
Graças ao acompanhamento da Patrulha Maria da Penha, seu agressor está preso preventivamente há alguns meses por tentativa de homicídio, mas as ameaças chegam à Lucia do mesmo jeito, agora pelos amigos do ex-companheiro. Ainda com medo, ela cogita partir e mudar de nome, opção dada pela Justiça. "Me sinto culpada por ter me relacionado com esse monstro, por ter colocado meus filhos em risco. Mas ele é que deveria ser preso e não eu obrigada a mudar toda minha vida", diz. * Nome fictício
Carolina Pompeo, especial para a Gazeta do Povo
Relação de confiança entre agentes e vítimas leva tempo
O tempo médio para o atendimento de uma vítima de violência doméstica pode variar durante as visitas da Patrulha Maria da Penha de Curitiba. "Tem pessoas que não gostam de falar muito, mas outras vemos que estão precisando desabafar", conta o guarda municipal Zeilton Dalla Villa.
Ele diz que até hoje atendeu poucos casos em que houve necessidade de um atendimento mais enérgico, como quando agressores estão no local, desrespeitando a medida protetiva. "Na maioria dos casos, o que fazemos é apresentar nosso trabalho, ouvir como está a situação delas [vítimas], para ajudar a fortalecê-las psicologicamente. O agressor usa do psicológico para ameaçá-las, dizendo que a justiça é branda, que elas não podem fazer o que pedimos", observa.
Neste cenário, a patrulha vem, aos poucos, ganhando a confiança das mulheres atendidas, conforme o agente. Quem apresentava uma reação temerosa antes quando as viaturas chegavam, passa a ver nos patrulheiros pessoas em quem se pode contar. "Elas ficam satisfeitas, porque nunca imaginaram que teriam suporte do Estado", pontua Dalla Villa. Os guardas fazem as rondas sempre em duplas, com um homem e uma mulher.
Experiência pessoal
A guarda municipal Márcia Maria Zerger, parceira de Zeilton na Patrulha, conta que decidiu integrar o projeto por ter vivenciado algumas situações de violência também e ter sentido na pele a dificuldade em buscar ajuda. "A psicóloga que me atendeu disse para eu esperar pelo pior. Aquilo me revoltou. Não temos que esperar pelo pior. Muitas vítimas dizem que não adianta fazer nada, mas adianta, sim. E tem que ser feito", enfatiza.
Antoniele Luciano e Carolina Pompeo, especial para a Gazeta do Povo
Agressão verbal também pode resultar em medidas protetivas
A Lei Maria da Penha não protege apenas mulheres vítimas de violência física: agressões verbais e psicológicas também podem resultar em medidas protetivas e acompanhamento da Patrulha. Joana*, 48 anos, conta com o apoio da equipe para recuperar a segurança perdida após anos de insultos e ameaças. Ela já havia procurado a Delegacia da Mulher dez anos atrás, mas recuou após sofrer represálias. Seis meses atrás, encontrou coragem para uma nova denúncia.
"Procurei ajuda porque não suportava mais as agressões, mas fui com medo. Não conhecia a Patrulha, mas foi esse acompanhamento que me deu mais segurança. Hoje, eles me cuidam, me orientam. Nas primeiras visitas, eu mal conseguia falar, estava em depressão profunda", conta. Joana compartilhou 17 anos de sua vida com o agressor; apesar de os ataques verbais e humilhações serem frequentes, a esperança de mudança e o medo das consequências a impediam de dar um basta ao ciclo de violência. "Ele ameaçava matar nossos filhos e depois se suicidar. Eu tinha medo do que uma reação minha poderia causar", relembra. Quando pediu o divórcio, em 2004, "piorou, a vida virou um inferno".
Até pedir proteção na justiça, foram mais de nove anos vivendo sob tensão. "Eram insultos, difamação, pressão psicológica. A violência física deixa hematomas, mas sara. A psicológica deixa marcas mais profundas". Por não aceitar a separação, o ex-marido passou a usar os dois filhos do casal, hoje com 12 e dez anos, para atingir a ex-companheira. A pedido do pai, o filho mais velho filmava tudo o que acontecia na casa da mãe. A depressão e o desgaste da relação com os filhos levaram Joana a entregar a guarda dos meninos, seis meses atrás. Hoje, fortalecida, Joana comemora ao lado de Zeilton e Márcia a autoestima reconquistada e a decisão de reassumir a guarda dos filhos.
Carolina Pompeo, especial para a Gazeta do Povo
Atrás apenas do Espírito Santo e de Alagoas no ranking da violência contra a mulher, o Paraná ganhará uma segunda Patrulha Maria da Penha em 2015. Equipes da Guarda Municipal, voltadas especialmente ao atendimento de vítimas com medidas protetivas expedidas pela Justiça, vão atuar em Londrina, no Norte do estado, monitorando o cumprimento das ações pelos agressores. Por enquanto, o serviço está disponível apenas em Curitiba, onde os agentes se esforçam para dar conta de uma demanda de 3,2 mil vítimas. Deste total, os guardas, até o mês passado, haviam percorrido 1,8 mil endereços, conforme dados da GM.
Em Curitiba, 11 agentes atuam na Patrulha Maria da Penha, projeto da prefeitura de Curitiba desenvolvido por meio da Secretaria Municipal da Mulher. Eles trabalham divididos em quatro viaturas identificadas, que visitam periodicamente as nove regionais da cidade. A cada conversa com as vítimas, um relatório é feito e encaminhado à Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid), do Tribunal de Justiça do Paraná. São feitas, em média, 15 visitas ao dia. Até 2016, conforme a prefeitura de Curitiba, o serviço deve ganhar mais cinco viaturas para ajudar no monitoramento. Todas as mulheres assistidas só recebem atendimento após consentirem o acompanhamento.
Há intenção da Cevid e do Juizado de Violência Doméstica contra Mulher em difundir a patrulha pelo estado, mas a ação ainda precisa de novos parceiros, comenta a desembargadora Denise Krüger, juíza que coordena as ações da Cevid. Ela relata que, após a implantação do serviço em Curitiba, foram organizadas reuniões sobre a temática com outros municípios-polo, como Cascavel, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Maringá, Telêmaco Borba e Toledo. Muitos se interessaram, mas, por ora, somente Londrina se mobilizou para que o trabalho fosse levado a frente. "A implantação não depende unicamente do Tribunal de Justiça, eis que há a necessidade da formalização de arranjos com cada município", pondera Denise.
Para a magistrada, a patrulha trouxe mais sensação de segurança às vítimas. Houve, segundo ela, um aumento no número de prisões preventivas em função dos descumprimentos de medidas protetivas. No entanto, ainda é cedo para apontar um porcentual de redução nos delitos, em função do serviço. "O aumento no número de denúncias não necessariamente reflete uma elevação nos casos de violência contra a mulher. Pode ser atribuído à divulgação da Lei [Maria da Penha] e dos direitos da mulher, bem como à presença da patrulha nos bairros, o que gera uma maior segurança à vítima para denunciar", exemplifica.
A inspetora da GM de Curitiba, Paulina Wojcik, calcula que desde o início das atividades dez casos de flagrante foram atendidos. Nessas situações, o agressor, que estava impedido de se aproximar da vítima, foi levado para a delegacia, após denúncia pelo 153. "A maioria dos agressores cumpre a medida. Mesmo assim, os agentes estão sempre conversando com as vítimas, deixam seu cartão para emergências e, em alguns casos, fazem encaminhamentos complementares para serviços de saúde ou Creas", diz a inspetora.
RS é o pioneiro nesse tipo de iniciativa
O trabalho desenvolvido no Paraná com o patrulhamento Maria da Penha foi inspirado numa iniciativa gaúcha, a primeira do país na área. O governo do Rio Grande do Sul oferece o serviço desde 2012 e hoje atende 19 cidades. São 27 patrulhas e há previsão para a instalação de mais oito até o fim do ano.
A estrutura na Brigada Militar do Estado tem 80 policiais militares. Eles passaram por cursos sobre a Lei Maria da Penha, policiamento comunitário, direitos humanos e encaminhamento de vítimas para perícia, entre outros temas. Os patrulheiros também atuam em viaturas identificadas.
Coordenadora da Patrulha Maria da Penha no Rio Grande do Sul, a major Najara Santos Silva calcula que 11,7 mil visitas tenham sido feitas pelos patrulheiros do início do projeto até junho de 2014, impactando 5.132 mulheres 275 casos foram considerados graves e, por isso, continuam sendo monitorados. Quarenta e dois agressores foram presos durante as visitas. "Essas patrulhas conseguiram reduzir a zero o número de reincidências no estado, ou seja, nenhuma vítima que buscou proteção voltou a ser agredida", relata a major.
Ela analisa que, enquanto a Lei Maria da Penha deu mais visibilidade aos casos de violência contra a mulher, a patrulha tem ajudado a romper o silêncio das vítimas. "Somente a concessão das medidas protetivas não era suficiente para garantir a segurança. As rondas e visitas regulares às residências dessas mulheres têm por objetivo garantir a sua proteção e evitar reincidências, além de mostrar ao agressor, à comunidade e à sociedade o engajamento do Estado na proteção da vítima", defende.
Redução
Ainda de acordo com a coordenadora, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul constatou que, desde a implantação da patrulha, houve redução de quatro dos cinco índices de violência contra a mulher no estado. A principal queda foi em relação aos crimes de femicídio, com 55 casos no primeiro semestre do ano passado e 37 no mesmo período de 2014, uma queda de 32,7%.
Para especialistas, ainda faltam ações preventivas
Para a delegada adjunta da Delegacia da Mulher de Curitiba, Gisele Durigan, a patrulha Maria da Penha deve ser entendida como um mecanismo a mais no combate à violência doméstica. "Ela não é suficiente para resolver o problema, mas colabora muito na melhoria do processo. A legislação prevê várias formas de contribuição e essa é a interface que temos do município", salienta.
A presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige), da OAB-PR, Sandra Lia Barwisnki, argumenta que é preciso investir ainda em um trabalho preventivo. "Estas mulheres [atendidas no programa] são mulheres que já foram agredidas e que tiveram coragem de denunciar. São cerca de 30% das agredidas. Enquanto não prevenirmos a violência, não vamos dar conta de punir", defende. A própria reeducação dos agressores, comenta, é uma área que também precisa de ações institucionalizadas no Poder Judiciário e que deve contribuir com o enfrentamento à violência doméstica.
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