Ponta Grossa - Apesar do avanço da medicina ano após ano, ela ainda parece longe de ser decisiva para o aumento da expectativa de vida da população. O aumento da longevidade mundial deve ser creditado mais à ampliação do atendimento em serviços essenciais, como água tratada e esgoto, do que aos avanços da ciência médica. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% das doenças desapareceriam com um meio ambiente adequado. Ou seja, a aplicação de políticas públicas é responsável por um impacto mais eficaz na melhoria da saúde da população.
Paralelo a isso, um estudo do King´s College, de Londres, em associação com a Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, aponta que a medicina foi responsável por um ganho de 5 anos na expectativa de vida em todo o século 20. Se no Brasil do início de 1900, a expectativa de vida girava na casa dos 30 anos, hoje ela passa dos 73. Somente nas últimas três décadas, o brasileiro ganhou, em média, 11 anos a mais de vida.
A ideia de tomar a medicina como salvadora dos males cria a sensação de que ela é a única responsável pelo bem-estar da população, gerando uma supervalorização do setor. "Melhores condições de saneamento básico, nutrição e habitação parecem ter representado um papel mais importante do que todo o avanço médico ao longo do século 20. Ou seja, a medicina é hipervalorizada", diz o médico e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Marcelo Schafranski. Ele é autor do livro Medicina Fragilidades de um modelo ainda imperfeito.
Na obra, o médico enfatiza a pequena participação da medicina na redução da mortalidade da população. Schafranski enfatiza que seria mais importante controlar a rede de saneamento básico, por exemplo, do que discutir o que a medicina pode fazer para reverter o índice de doenças. "Jogam para a medicina problemas que não são dela. Se fosse investir o dinheiro público de uma forma ideal, o melhor a se fazer era aplicar maior parte em educação e em obras públicas, como esgoto e água encanada. Essas duas áreas têm papel primordial para a prevenção das doenças", salienta. O ideal, segundo ele, seria ter um banco de dados unificado de diferentes setores. "Assim ficaria mais viável apontar quais as principais causas de as doenças e quais medidas públicas poderiam ser adotadas."
Equilíbrio
O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César de Jesus, acredita que para evitar a supervalorização da medicina é preciso um equilíbrio no que ele denomina de medicina coletiva e individual. "Não adianta ter equipamentos de última geração se os problemas são de ordem social. É preciso investir em educação e infraestrutura urbana", diz.
Essa visão é defendida também pelo sociólogo Leonildo Pereira de Souza, que atua no Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes). Ele afirma que a saúde é uma área muito ampla para ficar somente na dependência dos avanços médicos.
De acordo com ele, falta diálogo entre as políticas públicas de distintas áreas e que têm impacto na saúde do brasileiro. "O cuidado da saúde precisa ser integrado com a educação e a infraestrutura. Sozinha, uma política para a saúde não dá conta de resolver a incidência de doenças. Aos poucos, está havendo maior equilíbrio entre as medidas a serem adotadas. Mas ainda há muito a se avançar", ressalta o sociólogo.
Avanços médicos estão distantes da sociedade
A pesquisa médica tem avançado em áreas como células-tronco, medicina regenerativa e biologia molecular. Setores que, sem dúvida, poderão ser essenciais para o aumento da expectativa de vida da população nas próximas décadas. No entanto, esses avanços só desempenharão papel fundamental, segundo especialistas, caso cheguem de fato à sociedade e se políticas públicas de infraestrutura urbana receberem atenção especial.
"Hoje, o aumento da longevidade no Brasil está ligado fundamentalmente às melhorias de outros setores. Os avanços que têm sido realizados na área demoram muito para chegar ao sistema público de saúde. Até mesmo as clínicas privadas levam tempo para ter acesso às novas pesquisas", ressalta o pesquisador e médico Marcelo Schafranski.
Ele ainda destaca que as pesquisas tratam de doenças consideradas órfãs. "Isso significa que os avanços são restritos a algumas doenças que afetam poucas pessoas comparando com o universo de toda a população mundial", completa.
O médico geriatra Paulo Luis Honaiser, que atua no Hospital das Clínicas em Curitiba, acredita que está na hora de se colocar em prática todas as pesquisas acerca da área médica. "A medicina avança muito, mas não se coloca em prática tudo o que se descobre."
Já o professor da Universidade de Brasília Paulo César de Jesus defende que não se pode deixar de investir em tecnologia na área de saúde. "Mas é necessário um equilíbrio. Investir em outras áreas é fundamental para ter uma longevidade com qualidade. Se a pessoa não consegue trabalhar, dificilmente terá condições financeiras de ter uma alimentação balanceada. E isso gera problemas de saúde. Ou seja, faltam políticas públicas em vários setores para que possamos ter uma população plenamente saudável", salienta.
No entanto, Wilson Jacob Filho, médico geriatra e professor da Universidade de São Paulo, mesmo não discordando da importância de investimentos em outros setores, defende que a medicina influencia diretamente a expectativa de vida do brasileiro. Um desses avanços, segundo ele, é o controle dos fatores de incidência de doenças crônicas e do tratamento dessas doenças. "Esse controle é uma das causas para que o indivíduo envelheça com saúde, já que temos melhores condições de controlar e tratar essas doenças, como os cânceres", detalha Jacob.
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