A bandeira contra o aborto foi levantada fortemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) às vésperas do segundo turno das eleições em 2022, em uma tentativa de abafar declarações polêmicas dadas sobre o tema. Apesar disso, Lula permaneceu calado – e assim deve se manter - sobre o andamento do julgamento da ADPF 442 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que pode descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação.
O silêncio do petista não é uma surpresa para quem acompanha o mundo político. O custo político/eleitoral sobre uma manifestação favorável ou contra ao aborto seria grande para o governo. De um lado, o aborto é uma das principais bandeiras de boa parte de sua base progressista. Lula também quer evitar qualquer possibilidade de confronto com ministros do STF, com os quais tem se dedicado a consolidar uma aliança.
De outro, Lula será cobrado pelo grupo de eleitores que acreditaram em suas promessas de defender o ser humano não nascido, entre eles católicos e evangélicos. Se desagradados, podem cobrar posições do presidente em outros temas com os quais se comprometeu. Em setembro de 2022, o IPEC levantou que 7 a cada 10 brasileiros são contrários à descriminalização do aborto. Uma parcela grande da população que não valeria a pena ser contrariada.
Ao mesmo tempo, se manter calado também trará desgastes ao chefe do Executivo. “A base progressista vai entender que essa é uma estratégia eleitoral, pensando nas eleições municipais, e o outro lado pode ficar na dúvida se ele não quis intervir por estratégia política ou por estar respeitando a ‘autonomia dos poderes’”, analisa Jonas Cecílio, advogado.
Felipe Rodrigues, cientista político, não vê tanto desgaste no silêncio do presidente. “Como essa discussão não está acontecendo no âmbito do governo federal, não vejo o silêncio como algo negativo por si. Justamente porque não se espera do presidente um posicionamento sobre o tema”, aponta.
Já no campo político-institucional, os parlamentares tendem a se posicionar de maneira semelhante aos eleitores, mas um movimento errado do presidente pode levar ao rompimento do apoio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal nas pautas do governo. Lula fez, recentemente, trocas políticas nos ministérios para se aproximar de partidos como o Republicanos, que tem parte dos parlamentares da bancada evangélica como filiados.
Rodrigues destaca que, se a discussão sobre o aborto ganhar forças dentro do Legislativo, haverá uma real necessidade de um posicionamento de Lula. “Não será uma fala direta do presidente, para ele não se envolver pessoalmente nesse tema, mas o governo, aí sim, precisará orientar a sua base”, ressalta.
Para completar o cenário, as últimas decisões do STF têm agradado mais os movimentos de esquerda, segundo Cecílio, e, portanto, não seria necessário o engajamento do presidente. “O perfil da nossa Corte tem um viés forte progressista, na sua grande maioria. Então, o Executivo não precisa fazer grandes esforços para que a pauta progressista avance”, pontuou o advogado.
Ser contra o aborto foi estratégia eleitoral para conseguir votos de cristãos-evangélicos, diz especialista
Em uma carta pública direcionada aos evangélicos, além de se comprometer a manter jovens longe das drogas – outra discussão atual na Suprema Corte -, o então candidato do PT afirmou que “nosso projeto de governo tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases” e que “meu compromisso sempre foi e será com sua proteção”.
Lula pontuou que é pessoalmente contra o aborto, frase que foi intensamente reforçada nos dias que antecederam o segundo turno das eleições de 2022. Ele finalizou o documento dizendo que cabe ao Congresso Nacional e não ao presidente da República legislar sobre o tema.
“O fato de o presidente ter dito, em período de eleição, que seria contra o aborto, no meu ponto de vista, foi apenas uma estratégia eleitoral. Lula precisava aglutinar uma maior quantidade de votos e ele estava, declaradamente, procurando votos cristãos-evangélicos”, avalia Jonas Cecílio.
Já nos primeiros dias de governo Lula, a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, e a da Saúde, Nísia Trindade, falaram publicamente sobre o tema. Nos primeiros dias do ano, Cida Gonçalves falou que “para nós, o aborto é questão de saúde pública” e que "o que for possível avançar, nós iremos avançar". Ainda na primeira quinzena de janeiro, Nísia Trindade revogou uma portaria assinada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que previa que médicos avisassem autoridades policiais nos casos de aborto decorrente de estupro.
Alinhamento político tem sido critério para escolha de novo ministro do STF
Diante da aposentadoria da ministra Rosa Weber, Lula fará uma nova indicação para a composição da Corte. Recentemente, o presidente se manifestou falando que critérios como raça e gênero não serão levados em consideração para a escolha do novo ministro.
Rodrigues analisa um movimento que tem tornado o STF cada vez mais político. As últimas indicações (não só de Lula, mas também dos ex-presidentes Bolsonaro, Michel Temer e Dilma Rousseff) passaram a ser bastante avaliadas no campo político. “Existe um notório saber jurídico dos ministros indicados, não há dúvida. Mas, na maior parte das indicações, um critério programático e político é muito mais importante”, destaca.
"Isso faz com que a Corte se torne mais política, que entre mais em temas controversos e até revisite opiniões consolidadas pela própria Corte à medida que os governos vão se sucedendo", enfatiza Rodrigues. Indicações baseadas em alinhamento político acabam gerando uma aproximação entre as agendas do Executivo e do Supremo. Como consequência, o ativismo judiciário ganha mais força, pois dá abertura para que o STF entre em competências que não cabem a ele.
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