O médico Oscar Achá, que trabalha em eventos de MMA em Curitiba, diz que trazer dois especialistas para as lutas sai caro para os organizadores| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Segurança

Organizadores dizem garantir integridade física dos lutadores

O caráter amador que alguns eventos ganham é a justificativa usada pela maioria dos organizadores para dispensar a presença da UTI móvel ou de médicos ao lado do octógono. Apesar de não seguir uma regra em comum, eles afirmam garantir a segurança dos competidores.

Administradores da Universidade da Luta, por exemplo, disseram que os lutadores amadores contam com maior proteção do que os profissionais, pois utilizam, entre outros itens de segurança, caneleiras, bucais e capacetes. A academia disse ainda que sempre contrata socorristas e nega que já tenha precisado chamar ambulância.

Rafael Waslov, um dos organizadores do Stricker’s House, evento que chegará à sua 16ª edição neste mês, disse que a UTI móvel está presente nos seus maiores eventos, mas admitiu que ela é dispensada em algumas ocasiões. "Nos eventos menores, deixamos um carro à disposição caso haja necessidade de levar alguém para o hospital", afirmou.

Organizador do Golden Girls, único evento no qual a reportagem notou a presença de UTI móvel, Nilson Castro, também presidente da Federação Paranaense de Boxe Tailandês e MMA, disse ter confiança no trabalho do médico escolhido para seus eventos. "Trabalhamos com um único médico há muito tempo e ele nunca disse da necessidade de dois médicos. Se ele disser que é necessário, contratamos mais um", garantiu.

Já os organizadores do Evolution Fight Combat 5 informaram que havia um médico no local e que a ambulância não foi contratada por se tratar de um evento amador, no qual os lutadores competem usando diversos itens de segurança e as regras de interrupção da luta são mais severas.

Crítica

Presente em três dos quatro eventos visitados pela reportagem, o médico Oscar Achá critica quem aconselha a presença de especialistas em eventos de MMA, por causa dos altos salários. "Quem disse isso tem de ir ao UFC ver se eles mantêm cardiologista de plantão. Esses médicos estão no topo da pirâmide e inviabilizariam o evento, colocando em risco a formação de novos talentos."

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Minotauro

"Atleta tem de exigir um mínimo de estrutura para lutar", diz estrela do UFC

Bem longe da realidade da estrutura dos eventos curitibanos, o carioca Rodrigo Minotauro, uma das estrelas do UFC, afirmou já ter disputado lutas sem a presença de médicos, mas disse que isso faz parte do passado e que, depois de atingir o profissionalismo, chegou a recusar combates por falta de estrutura.

"Já lutei até em Miami sem nenhuma estrutura médica. Isso aconteceu nos meus três primeiros eventos. Mas logo passei a exigir médicos e já até deixei de lutar porque [os organizadores] não disponibilizaram estrutura adequada", afirmou ele, que tem 41 lutas pelo UFC, com 33 vitórias, 7 derrotas e um empate.

Segundo Minotauro, os lutadores não devem mais se submeter a eventos clandestinos. "Acho que o atleta deve se valorizar, exigir a mínima condição, porque você pode ter fraturas expostas, de braço e de perna, e precisa de alguém capacitado para atender."

Mini-hospital

Na mesma linha, o curitibano Maurício Shogun, detentor de 20 vitórias no UFC, reafirmou a necessidade da estrutura médica nos eventos de MMA. "Todo evento precisa ter ambulância, com médicos. Em caso de lesão, é necessário um rápido atendimento", afirmou, antes de contar a estrutura que tem atualmente à disposição. "Nos eventos que participo há muito mais do que ambulância. Os lutadores têm um mini-hospital à disposição no local."

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"Em esporte de contato é imprescindível a presença de UTI móvel e, pelo menos, um médico traumatologista. Além disso, as competições em academias nem deveriam ocorrer, porque é um desviode finalidade."

Rudimar Fedrigo, diretor-geral da Secretaria de Esporte do Paraná e fundador da Academia Chute Boxe, uma das mais tradicionais de Curitiba.

Quem acompanhou o duelo entre Anderson Silva e Chael Sonnen, em Las Vegas (EUA), no último fim de semana, assistiu a um evento grandioso e cheio de pompa. Fora do UFC (Ultimate Fighting Cham­­pionship), porém, a estrutura é bem diferente. Em Curitiba, cidade que revelou Silva, eventos de MMA (sigla em inglês para Artes Marciais Mistas) contam com uma estrutura médica aquém do que especialistas e lutadores consagrados consideram ideal para garantir a segurança dos competidores. "No Brasil, o MMA ainda tem campeonatos clandestinos e sem estrutura médica", diz a ortopedista Vanessa Ribeiro de Resende, ligada à Confederação Brasileira de MMA (CBMMA).

De acordo com a entidade, eventos da modalidade devem contar com dois médicos especialistas – um traumatolo­­gista e um neurologista –, uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Móvel, no mínimo um socorrista e kit de primeiros socorros, com itens como cilindro de oxigênio. Além disso, os lutadores devem fazer exames antes dos combates, como o de HIV e de hepatite.

A Gazeta do Povo visitou quatro desses eventos nos últimos dois meses e encontrou problemas em três deles. Na Competição Amadora UDL (Universidade da Luta), cuja quinta edição foi disputada em maio deste ano, não havia médico nem UTI móvel, apenas kit de primeiros socorros e um socorrista. O Evolution Fight Combat 5 e a Copa Stricker’s House contavam com um clínico geral, mas não tinham ambulância. Já no Golden Girls, evento feminino de muay thai, havia UTI móvel e um clínico geral.

Emergência

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Em pelo menos dois casos, os lutadores precisaram de atendimento médico especializado. Em um dos eventos da UDL, o socorrista Antônio Leite relatou que um lutador teve choque térmico ao sair com o corpo quente do octógono direto para a rua. "Ele teve uma arritmia acelerada, e tive de usar o oxigênio para controlar a situação. Mas sempre deixamos um hospital próximo do evento de sobreaviso, caso haja necessidade de remoção", afirmou.

Já no Evolution Fight Com­­bat 5, disputado no último fim de semana dentro da balada sertaneja Rancho Brasil, havia um clínico geral, mas isso não foi suficiente para resguardar a saúde dos competidores. De acordo com Guilherme de Carvalho, diretor-executivo da Federação Paranaense de MMA, familiares de um atleta que teve um sangramento no nariz reclamaram que o médico não conseguiu estancar o corte e não havia ambulância para levá-lo ao hospital. "Mas não pudemos intervir, pois o evento ocorreu sem a nossa chancela", explicou Carvalho.

Alan Marques, 16 anos, lu­­tou no evento na categoria Muay Thai, mas perdeu por decisão médica, após levar uma cotovelada no olho e correr o risco de ter sua retina descolada. Ele confirmou o sangramento do colega e criticou a estrutura médica do evento. "Tinha médico, mas não tinha ambulância. Fiquei assustado. Nunca mais participo de competições desse tipo", afirmou.

Risco calculado

Mesmo cientes dos riscos, lutadores em início de carreira acabam entrando no octógono em busca de projeção no esporte. Esse é o caso do curitibano Fernando Carlos Brasil Cabral Filho, 24 anos, o "Marrentinho", que tem quatro lutas no cartel, todas vencidas por finalização. "Infelizmente ainda não estamos preocupados com a segurança. Eu mesmo lutaria [sem médicos], pois tenho de pagar minhas contas, e uma luta surge a cada seis meses", afirmou o lutador, que se mantém dando cinco aulas diárias em academias curitibanas.

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O cirurgião dentista Luciano Del San­­to, diretor do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial, alerta para os riscos de combates sem estrutura médica. "O MMA demanda médicos especializados, como um traumatologista e um neurologista. Com esses profissionais no local da luta, intercorrências podem ser diagnosticadas de forma mais precoce. Além disso, uma remoção para um hospital será realizada de forma adequada, evitando novas lesões", afirma.

Federações de MMA culpam o amadorismo

Diferentemente da estrutura em torno de esportes tradicionais do país, como o futebol, em que cada estado é representado por uma única federação, um emaranhado de federações estaduais e até duas confederações no país se valem de uma prerrogativa da Lei Pelé para difundir o MMA. No Paraná, a reportagem ouviu representantes de duas delas: a Federação Paranaense de MMA (FPMMA) e a Federação Para­naen­se de Boxe Tailandês e MMA (FPBT e MMA).

De acordo com Lauro Gus­tavo de Carvalho, presidente da FPMMA, a estrutura médica é tão importante quanto a arbitragem. "[A equipe médica] é fundamental para preservar a integridade do atleta, pois eles saberão quando parar uma luta em caso de necessidade. Nos nossos eventos, colocamos uma equipe de oito pessoas, inclusive dois médicos especialistas, e UTI móvel para dar o suporte necessário ao atleta", afirmou.

Na mesma linha, Júlio Bor­­ges, vice-presidente da FPBT e MMA, chega a estipular o porcentual de ilegalidade em Curitiba. "Acredito que tenhamos 90% dos eventos na clandestinidade, sem médicos e ambulâncias para garantir a segurança dos lutadores."

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Licenças

A prefeitura de Curitiba informou não ter sido procurada por nenhum dos eventos citados na reportagem. Segundo a administração municipal, mesmo que a academia já tenha alvará de funcionamento, ela precisa solicitar uma nova autorização porque há cobrança de ingresso e precisa incidir o Imposto sobre Serviço (ISS). Já o Corpo de Bombeiros afirmou que não emitiu nenhum laudo liberando a realização de eventos de MMA em 2012.

MMA em Curitiba