A máxima de que não existem vitórias ou derrotas definitivas se aplica bem à causa pró-vida. Mas, de forma geral, é possível dizer que 2021 foi um ano com mais sucessos do que fracassos para aqueles que se opõem ao aborto e atuam em defesa da vida.
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Os Estados Unidos são o palco dos principais debates sobre o tema. Dentre outras razões, porque o sistema federalista do país dá grande liberdade para que os estados definam suas próprias leis. É uma dos raros países onde existe essa possibilidade (ao lado de México, Suíça e Austrália). Lá, o aborto é tema constante, já que sempre há algum dos 50 estados debatendo mudanças na legislação - em uma direção ou em outra.
Ainda assim, 2021 teve um marco significativo, que pode ser definido como o avanço mais importante da causa pró-vida nos últimos anos. O Texas - segundo estado mais populoso do país - adotou uma lei que restringe significativamente a possibilidade de realização de abortos. A novidade é que, em vez de simplesmente banir o aborto (o que outros estados tentaram e a Suprema Corte derrubou), a norma usou uma solução engenhosa: ela permite que cidadãos privados processem médicos e clínicas que realizarem abortos, com indenizações a partir de US$ 10.000 para cada pessoa (qualquer pessoa) que processar os responsáveis por um aborto. Na prática, isso torna a prática quase inviável. Uma brecha foi aberta pela Suprema Corte, que manteve a lei, mas permitiu que as clínicas abortistas sigam com a contestação em instâncias inferiores. A norma se aplica a gestações a partir da sexta semana.
Embora pareça extravagante, a lei foi desenhada desta forma porque, assim, pode contornar a decisão da Roe x Wade Suprema Corte - que, em 1973, impediu os estados de criarem normas mais rígidas contra o aborto.
Mas também a decisão Roe x Wade está mais perto de ser revista. Agora com uma maioria conservadora graças aos dois novos membros indicados durante o governo de Donald Trump, a Suprema Corte iniciou nos últimos dias a análise de uma lei do Mississippi que proíbe os abortos depois das 15 semanas de gestação. E, no início da análise, quatro membros da Suprema Corte (que tem nove no total) deram sinais de que defendem a revogação, ou uma revisão significativa, da decisão Roe x Wade. Um quinto juiz (John Roberts) adotou uma postura intermediária (ainda que favorável à lei do Mississippi), enquanto os outros quatro magistrados devem manter uma postura contrária à lei.
Se a decisão Roe x Wade for revogada, as regras sobre o aborto ficarão completamente a cargo dos estados. A estimativa é de que 26 estados passarão imediatamente a ter normas que banem ou restringem significativamente o aborto. São dispositivos já aprovados, mas que haviam sido anulados por causa da Roe X Wade.
Embora a situação seja complexa, com estados liberais se movendo para ampliar as possibilidades de aborto - em 2019, por exemplo, Nova York liberou a prática até 24 semanas de gestação, quando o bebê já tem possibilidade de sobreviver fora do útero -, o movimento pró-vida parece estar em vantagem nos Estados Unidos.
O Centro pelo Progresso Americano, um dos principais think tanks de esquerda do país, contabilizou 97 regras que restringem o aborto aprovadas até agosto deste ano. O Instituto Guttmacher, também alinhado com as causas “progressistas”, classificou 2021 como “o pior ano da história” para o que militam pela liberação do aborto.
Vitória estreita no Chile
O Chile foi outro país onde a causa pró-vida prevaleceu em 2021. Por uma margem estreita, os parlamentares do Chile rejeitaram em 30 de novembro uma lei que tornaria o aborto legal - por qualquer motivo - até 14 semanas de gestação. A lei atual, aprovada em 2017, permite a prática apenas em casos excepcionais - e nunca depois das 12 semanas. Em uma primeira votação, a nova proposta havia sido aprovada por 75 a 68. Na segunda análise, no entanto, os parlamentares rejeitaram o texto por 65 votos a 62.
O debate deve permanecer na pauta nacional chilena, principalmente com a eleição do candidato da esquerda na eleição presidencial. Gabriel Boric, o presidente eleito, adota uma posição favorável ao aborto.
Já o candidato derrotado no segundo turno das eleições presidenciais chilenas, José Antonio Kast, tem um discurso firmemente pró-vida.
Mudança na China
Embora discretamente, o país mais populoso do mundo também indicou uma mudança de postura em relação ao tema do aborto. Do seu jeito - ou seja, por meio de uma diretriz elaborada pela elite do Partido Comunista, a China parece ter adotado uma postura mais cautelosa sobre o tema. O documento - que trata de políticas para as mulheres chinesas - foi publicado em setembro, e contém uma frase curta que estabelece a meta de reduzir o número de abortos “medicamente desnecessários”.
A mudança de postura é atribuída ao desequilíbrio demográfico gerado pela política do filho único, que incluiu aborto e esterilizações forçadas. Mas, como quase tudo que envolve o regime chinês, será preciso tempo para se avaliarem as consequências da nova política.
Derrotas na Europa e no México
Em 2021, alguns países caminharam na direção oposta e ampliaram as possibilidades de aborto. Um dos últimos países da Europa a manter o aborto ilegal sucumbiu: San Marino - uma minúscula nação independente encravada no norte da Itália, aprovou a liberação do aborto por meio de um referendo. A regra permite o aborto por qualquer causa até as 12 semanas, e depois disso quando houver risco para a saúde física ou psicológica da mãe - o que, por ser uma expressão vaga, pode facilitar a interrupção da gravidez em qualquer momento.
Na Alemanha, também é possível que a legislação sobre o aborto passe por uma mudança em breve. O novo chanceler do país, Olaf Scholz, é parte de uma coalizão de centro-esquerda que pretende expandir o acesso ao aborto no país. Atualmente, a regra permite o aborto até as 12 semanas de gestação, mas estabelece uma série de critérios e barreiras que, na visão dos ativistas pró-aborto, prejudicam as mulheres. Com maioria no Parlamento, a nova coalizão tem grandes chances de sair vencedora nessa empreitada.
Ainda mais preocupante é o caso do México, onde a aprovação do aborto foi imposta por uma decisão da Suprema Corte. Em setembro, o tribunal derrubou uma lei adotada pelo estado de Coahuila - que vetava o aborto após a sexta semana de gravidez. Essa decisão pode abrir as portas para a legalização do aborto no país todo. Em 2021, outros dois estados mexicanos já haviam aprovado leis que liberam o aborto até as 12 semanas: Veracruz e Hidalgo.
A decisão da Suprema Corte foi tomada por unanimidade. O alcance da decisão ainda será colocado à prova conforme novos casos surgirem. O que se sabe é que leis que proíbem o aborto totalmente ou de forma muito rígida perderam o efeito.
A decisão estabelece: “A partir de agora, todos os casos futuros, (os juízes) deverão considerar que são inconstitucionais as normas penais dos entes federativos que criminalizem o aborto de maneira absoluta, como o fazem os tipos penais que não contemplam a possibilidade de interromper a gestação em um período próximo à concepção, ou as normas que só prevejam a possibilidade de abortar por meio de escusas absolutórias (exceções)”.
Brasil: Estatuto do Nascituro e André Mendonça
No Brasil, houve poucas mudanças significativas envolvendo as normas sobre o aborto em 2021, tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal.
Um pequeno avanço foi o fato de que o Estatuto do Nascituro voltou a estar em pauta na Câmara dos Deputados - com a realização de audiência pública - o que pode permitir que o texto seja votado logo na Comissão da Mulher, onde tramita atualmente.
A proposta define os direitos do nascituro desde a concepção, e dá proteção jurídica a eles. Mesmo que avance na comissão, entretanto, o texto deve enfrentar forte resistência nas outras etapas do processo legislativo na Câmara e no Senado. A situação fica ainda mais difícil pelo fato de 2022 ser ano eleitoral.
Talvez a maior novidade de 2021 tenha sido a aprovação do nome de André Mendonça para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Em ocasiões anteriores, ele se manifestou contra a legalização do aborto no país.
“Eu considero a confirmação dele no STF bastante positiva. Ele tem tido um posicionamento pró-vida bastante claro, mas é preciso esperar para ver como se concretiza a atuação dele”, afirma Lenise Garcia, coordenadora do Movimento Brasil Sem Aborto.
Embora o cômputo geral traga razões para otimismo aos militantes pró-vida, é pouco provável que uma tendência global se consolide em um sentido ou em outro. E mesmo as vitórias podem ser temporárias.
“Eu acho muito difícil prever algum tipo de tendência, porque em todos os países nós temos uma polarização muito grande. Tanto aqueles que querem legalizar o aborto quanto os movimentos pró-vida são muito atuantes”, diz Lenise.
Ainda assim, ela destaca que o rumo a ser tomado pela Suprema Corte americana - cuja decisão sobre a lei do Mississippi é esperada para 2022 - pode influenciar outros países. “O que será decidido lá será muito importante”, salienta.
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