Rio – Vinte anos de violência no Rio separam as duas tragédias que marcaram a vida de Maria do Carmo Moreira da Silva. Mãe de Luiz Carlos Moreira da Silva, alvejado por balas ao sair de uma delegacia na madrugada de terror no Rio, ela espelhava ontem a dor dos inocentes que perderam pessoas queridas nos ataques. Em 1986, ela perdeu outro filho, também perfurado por balas partidas de desconhecidos na calada da noite.

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Luiz Carlos saiu de casa no início da madrugada de quinta-feira para registrar queixa na 28.ª Delegacia Policial (Campinho), com o objetivo de colocar fim, sem partir para a violência, às brigas crescentes que mantinha com um vizinho por causa de um vazamento. Ao sair do local, foi surpreendido pelo ataque de bandidos que estavam numa picape e dispararam mais de cem tiros em direção à delegacia, um deles atingindo a cabeça do filho de Maria do Carmo, que morreu na hora.

O desespero da mãe a impediu de falar algo além de "por que, por quê?", mas a irmã de Luiz Carlos, Carmem Lúcia, contou a triste história da família antes do enterro realizado na tarde de ontem no Cemitério de Inhaúma, na zona norte. O irmão, de 48 anos, o primogênito de sete filhos, era pacífico e trabalhava há quatro meses como motorista numa empresa de gás. Era separado e deixou uma filha, Luíza, de 24 anos.

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Carmem disse que vai lutar por justiça e pretende processar o Estado, já que Luiz Carlos morreu dentro de uma delegacia, mas reconhece que não tem esperança. Sua família conhece bem a impunidade que acompanha a violência carioca. Em fevereiro de 1986, um irmão de 22 anos chegava em casa acompanhado de uma turma do bairro, após um baile de carnaval. Um grupo passou atirando e ele morreu na hora, sem que o motivo do assassinato ou seus autores tenham sido esclarecidos até hoje.

"Estamos num Iraque no Brasil", resumiu Carmem. Ela conta que Luiz Carlos era católico praticante, pacato e vivia sozinho em Cascadura, na zona norte da cidade. "Eu sempre quis sair do Rio, agora mais ainda, essa violência não pára", desabafou Carmen.

Trabalho fixo

O perfil pacífico de Luiz Carlos foi confirmado por colegas de trabalho que compareceram ao enterro. Marcelo Ferreira, também motorista, disse que a morte trágica do colega não combina com a tranqüilidade que ele apresentava no dia-a-dia. "Ele foi à delegacia porque acreditava na Justiça e olha no que deu", disse. Ele contou que Luiz Carlos estava muito satisfeito por ter conseguido emprego com carteira assinada após um longo tempo procurando trabalho fixo. "Ele dizia que agradecia a Deus todos os dias".

Enquanto o sepultamento de Luiz Carlos ocorria, alguns tiros eram ouvidos ao longe. Um curioso que estava no cemitério disse que o barulho vinha do morro da Fazendinha, que fica ali perto. "Começou cedo hoje", constatou com naturalidade.

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