Outro lado
Quatro Barras nega ter destinado lugares de bebês a crianças
A prefeitura de Quatro Barras informou, por meio de nota, que não existe determinação para a recusa de matrículas de crianças entre 4 meses e 1 ano como forma de viabilizar a aplicação da Emenda Constitucional 59, que determina a universalização do ensino para crianças com mais de 4 anos.
O município, entretanto, confirmou que não foram abertas novas matrículas para essa faixa etária inicial em agosto. Isso teria ocorrido porque todas as vagas já estão preenchidas e esses bebês estarão no maternal em 2015. A prefeitura garantiu que, para a segunda quinzena de novembro, serão abertas novas vagas inclusive para o berçário.
Sobre a universalização do atendimento para crianças com mais de 4 anos, a gestão municipal disse que vem realizando estudos sobre o assunto. Hoje, a fila de espera na cidade é de 197 crianças. Para aumentar a oferta, um Cmei foi inaugurado, neste ano, com capacidade para 90 crianças (50 vagas destinadas a bebês), e uma nova unidade está sendo construída no bairro Jardim São Pedro. Além disso, outras unidades estão passando por reestruturação para aumentar suas capacidades.
Foz
A prefeitura de Foz do Iguaçu também confirmou parte das reclamações dos conselheiros tutelares. De acordo com o município, as crianças de 4 a 5 anos frequentavam o mesmo espaço que os alunos do ensino fundamental em alguns casos em turno integral. Desde 2009, porém, esses alunos passaram para os Cmeis municipais, que funcionam com turmas em meio período. A prefeitura disse, por fim, que não entende a mudança como uma interrupção do serviço, e sim como um ajuste.
Direito
Constituição garante oferta na educação básica
A Emenda Constitucional 59/2009 determina que seja assegurada a oferta gratuita da educação básica a todos os brasileiros com idades entre 4 e 17 anos. O texto diz que os municípios devem implantar as medidas, progressivamente, até 2016. Quatro anos depois, a Lei 12.796 estabeleceu mudanças na Lei de Diretrizes e Bases prevendo o atendimento nas chamadas pré-escolas, fase anterior ao ensino fundamental. Já o artigo 54 do ECA garante o atendimento gratuito em creche e pré-escola a crianças de 0 a 6 anos. Na prática, isso quer dizer que o poder público tem o dever de, ao menos, oferecer o serviço, mesmo que não haja vagas disponíveis.
Conselhos
A reportagem procurou os conselhos tutelares de outros dez municípios paranaenses para checar se a situação se repetia. Em nove deles, a despeito da falta generalizada de vagas, os conselheiros disseram nunca ter visto reclamações como a de Quatro Barras. Mas em Foz do Iguaçu, eles reclamam do fechamento de vagas em período integral para ampliar o meio período. Ação que também é ilegal, segundo o MP-PR. "Atenta contra o princípio da proibição do retrocesso social", explica a promotora Hirmínia, que teme a repetição dessas práticas.
Déficit
A falta de vagas públicas na educação infantil é generalizada no país. Dados de 2012 coletados pelo MP-PR mostram que, naquele ano, esse déficit no Paraná era de 72% para até 3 anos e 30% para crianças com idades entre 4 e 5 anos. Para aumentar a oferta, a União prometeu investir R$ 7,6 bilhões na construção de 6 mil unidades até este ano. Até semana passada, porém, só 25% dos 8.801 projetos aprovados haviam sido concluídos. Outros 20% estão em obras. Segundo especialistas do setor, os municípios têm dificuldades para conseguir terrenos e os prefeitos relutam em assumir os custos de manutenção dessas novas unidades devido a restrições orçamentárias.
Obrigados a universalizar o ensino para crianças com mais de 4 anos até 2016, os municípios brasileiros lutam para cumprir a meta no prazo. No entanto, duas prefeituras do Paraná estão sendo acusadas de adotar ações questionáveis para alcançar o objetivo. Em Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba, a denúncia é de fechamento de vagas para bebês com menos de 1 ano. Já em Foz do Iguaçu, no Oeste, a reclamação é de que a cidade estaria "quebrando" o turno integral para aumentar as matrículas em meio período.
INFOGRÁFICO: Confira o número de vagas em creches no Paraná
Na prática, com essas medidas, os municípios poderiam destinar uma fatia maior das vagas totais em creches para crianças com mais de 4 anos, facilitando o cumprimento da meta. Por exemplo: se uma prefeitura dispõe de 500 vagas em creches, sendo cem para crianças de 0 a 1 ano e outras 400 para os maiores de 4 anos, poderia, bloqueando novas inscrições, usar todas as vagas para suprir a demanda obrigatória. No caso de transformar o turno integral em dois turnos menores, o número de vagas disponíveis poderia dobrar, sem precisar construir novas unidades.
Demissão
Flaviane Garcia, 29 anos, mora em Quatro Barras e diz não ter nem conseguido inscrever seu bebê, de 4 meses, na fila de espera. "Dizem que só há vagas para crianças com mais de 4 anos e me mandam embora", reclama a assistente de recursos humanos, que corre o risco de ter que se demitir do emprego. "Não tenho como pagar uma creche particular", lamenta.
De acordo com o Conselho Tutelar local, outras três mães relataram histórias semelhantes à de Flaviane. Uma delas é Thais Augusta, 34 anos. "Não coloquei filho no mundo para a prefeitura cuidar, mas preciso trabalhar para ajudar meu marido e é um direito nosso", reclama. Para Hirmínia Dorigan Matos Diniz, da Promotoria de Justiça da Educação de Curitiba, a ação da prefeitura de Quatro Barras é inconstitucional. "A obrigação de ofertar a vaga vem desde a promulgação da Constituição [em 1988]. Não inscrever a criança é uma forma de maquiar a demanda para dificultar o controle pelos órgãos competentes", diz.
Obrigatoriedade
A Constituição estabelece que os municípios são obrigados a ofertar vagas na educação infantil, ou seja, são obrigados ao menos a inscrever as crianças em uma lista de espera. A partir de 2016, porém, toda criança com mais de 4 anos deverá ter vaga assegurada, ou seja, ela precisará ser matriculada. Hoje, a criança fica na fila de espera até conseguir vaga. O recém-aprovado Plano Nacional de Educação (PNE) também obriga o atendimento mínimo de 50% para menores de 3 anos a partir de 2024. Com isso, segundo especialistas do setor, os gestores estão apenas adiando a solução definitiva do problema e desassistindo uma parcela da sociedade.
Justiça determina ampliação do ensino infantil
No dia 5 de agosto, a Justiça determinou que a prefeitura de Curitiba crie 9.696 vagas para educação infantil até o fim de 2015. A medida tem caráter liminar e é uma reposta à ação civil pública movida pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). A decisão proferida é da 2.ª Vara da Infância e da Juventude e Adoção, e fixa multa diária de R$ 10 mil caso seja descumprida.
A prefeitura anunciou que vai recorrer. Mas, caso não consiga reverter a decisão, terá de criar, até o início do ano letivo de 2015, 1.938 vagas sendo 1.783 para a faixa etária entre 0 e 3 anos e 155 para crianças com mais de 4 anos. As outras 7.758 vagas deverão ser criadas até dezembro de 2015 (7.136 de 0 a 3 anos e 622 para crianças entre 4 e 5 anos). As vagas poderão vir por meio de construção de novas unidades, ampliação das já existentes ou convênios com unidades particulares.
Demanda
Inicialmente, a ação do MP-PR pedia que fossem criadas 10 mil vagas no início do próximo ano letivo em Curitiba e outras 14 mil até 2016. No último dia 28 de junho, a prefeitura havia anunciado que pretende construir 46 Cmeis até 2016. Desses, 24 já teriam recursos assegurados. Todos eles, porém, já não são suficientes para atender sequer a demanda total de 2013. A prefeitura informou que vai apresentar recurso contra a decisão judicial e que está em curso um plano de expansão de oferta de vagas. Segundo a gestão municipal, nove Cmeis estão em obras e sete serão inaugurados no início de 2015.
Orçamento
Em reportagem publicada pela Gazeta do Povo em26 de julho, a prefeitura informou que teria de acrescer R$ 419 milhões ao orçamento municipal para atender as 24 mil vagas pleiteadas pelo MP-PR. Na ocasião, a gestão municipal repassou cálculos indicando que orçamento atual é de R$ 316,5 milhões e atende 43,1 mil crianças.
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