Os magistrados brasileiros não querem expor as razões pelas quais declaram-se suspeitos para julgar determinados casos por motivo de "foro íntimo". É o que indica enquete realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), cujo resultado foi divulgado nesta semana. Lançada no portal da entidade na internet (www.amb.com.br) em junho de 2009 e encerrada na última segunda-feira, a pesquisa mostra que 71,32% dos 1.384 votantes não concordam com a norma que exige do magistrado a exposição de motivos para a declaração de suspeição por razão de foro íntimo.
A exigência da justificativa por parte de juízes e desembargadores foi determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Resolução n.º 82, em junho do ano passado. Em agosto, contudo, ao analisar Mandado de Segurança (n.º 28.089) impetrado por um desembargador do Distrito Federal, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu liminarmente a Resolução o processo segue em trâmite.
Na decisão liminar, o ministro cita dados da Corregedoria Nacional de Justiça, segundo os quais "a declaração de suspeição revelou-se um mecanismo utilizado por alguns magistrados para evitar o aumento de processos a eles distribuídos, ou mesmo direcionar a distribuição, ferindo o princípio do Juiz Natural". Ainda assim, para Barbosa, a norma do CNJ pode "mitigar a independência do julgador".
Para o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), desembargador Miguel Kfouri Neto, o motivo de foro íntimo diz respeito à privacidade do juiz e não deve ser declarado. Em relação à possibilidade de algum magistrado se utilizar desse mecanismo para se esquivar de processos e ter menos trabalho, Kfouri Neto afirma que é o tribunal quem deve tomar medidas ao constatar a prática reiterada. "No Paraná não há esse problema: quando o magistrado se dá por suspeito em um processo, recebe outro para julgar", explica.
"Confessionário"
Segundo o presidente da Comissão de Prerrogativas da AMB, Jorge Massad, a Resolução do CNJ afronta a legislação. "Na medida em que o CNJ vai contra o Código de Processo Civil e contra regras que garantem o bom exercício da atividade judicante, não hesitaremos em assumir um posicionamento combativo", disse. De fato, a magistratura vem se mostrando resistente à norma do Conselho Nacional de Justiça desde que ela foi editada.
Em agosto do ano passado, ao lado da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a AMB impetrou outro Mandado de Segurança (n.º 28.215), também pendente de decisão final, contra a norma do CNJ, alegando que ela "viola direitos líquidos e certos dos magistrados".
A exposição de motivos determinada pelo Conselho não seria aberta ao público, mas sigilosa, direcionada exclusivamente à Corregedoria de Justiça ou ao próprio CNJ. Ainda assim, nos termos do MS impetrado pelas entidades de magistrados, a Resolução ofende várias das garantias constitucionais dos juízes e desembargadores, "uma vez que impõe aos magistrados de primeira e segunda instâncias espécie de confessionário dos motivos de foro íntimo que os levam, eventualmente, a declarar suspeição para julgar determinados feitos".