Expansão
Formação a distância predomina
A melhoria na titulação dos professores brasileiros foi içada por um outro fenômeno educacional recente: a expansão do ensino a distância (EAD) no país. Entre 2000 e 2008, a quantidade de alunos nessa modalidade, em cursos de graduação e pós-graduação lato sensu, cresceu 45.000%, passando de 1.758 para 786.718 matriculados. No mesmo período, o número de cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação aumentou de 13 para 1.752, segundo a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
Os cursos relacionados ao magistério se tornaram os mais populares do EAD, e a graduação em Pedagogia é a que registrou o maior número de matrículas desde então. "Os cursos a distância não faziam parte da cultura nacional, mas, como foi implantada a obrigatoriedade de formação superior para os professores, quem mora em municípios sem a presença de faculdades optou por essa modalidade", relaciona Joana Romanowski, professora da pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A pesquisadora acredita que o EAD representou uma boa solução para complementar a formação dos docentes. "Eram professores com anos de prática em sala de aula e então adquiriram os conceitos para lecionar", aponta.
Ensino on-line
O consultor educacional Renato Casagrande compara o atual panorama dos cursos tradicionais com a educação a distância. Enquanto universidades não conseguem abrir graduações em Pedagogia por falta de alunos, lembra ele, a educação on-line vem ganhando espaço, principalmente pela facilidade com que alcança todos os municípios brasileiros. "O governo elegeu a graduação em Pedagogia como prioridade, por causa da demanda, e a opção vem dando resultados. Mas ainda há um grande caminho pela frente", alerta.
Pagar com trabalho
Casagrande também cita como ação positiva um modelo de financiamento em que o estudante recebe uma bolsa para a faculdade e, em contrapartida, se compromete a trabalhar em escola pública por um período após o término do curso. No Brasil, esse sistema é utilizado pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), do governo federal. Novas regras aprovadas em 2010 permitem que professores da rede pública que utilizaram o financiamento para se formar possam abater a dívida com o próprio trabalho.
A melhoria da educação brasileira na última década foi acompanhada pela evolução do grau de instrução dos professores. Ao longo dos últimos dez anos, a porcentagem de docentes com curso superior completo cresceu em todas as etapas da educação básica. O avanço mais expressivo ocorreu entre os profissionais que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental (da 1.ª à 5.ª série ou do 1.º ao 6.º ano no ensino de nove anos. Em 2001, menos de um terço desses professores (27%) tinha formação superior. Em 2010, essa porcentagem mais que dobrou, passando para 62,4%. O ensino infantil registrou a segunda evolução mais significativa, passando de 24,7% para 51,8% de graduados no período. Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e abrangem escolas públicas e particulares.
O principal motivador para esse crescimento foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), implantada em 1996. O texto legal determinou que todos os professores necessitam ter titulação em Pedagogia ou licenciatura, em substituição ao antigo curso técnico de magistério. Na época da promulgação da LDB, o governo havia definido um prazo de dez anos para que os docentes se adaptassem à norma o que ainda não ocorreu.
Profissionais ligados à formação de docentes avaliam que, para se adaptar à LDB, o governo priorizou a rapidez e a quantidade em detrimento da qualidade da preparação. Américo Walger, professor do departamento de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entende que a expansão rápida de vagas universitárias em cursos de formação de professores precarizou o ensino. "Nós temos mais professores graduados, mas o nível da formação caiu muito. Os professores não têm culpa. Acabaram sendo vítimas dessa situação", aponta.
Renato Casagrande, consultor educacional e articulista da Gazeta do Povo, percebe as dificuldades de atuação do professor recém-formado. "Os alunos das licenciaturas saem com grandes dificuldades pedagógicas. A carga horária dedicada ao ofício de professor é baixa, o que produz um efeito cascata, com professores reproduzindo uma formação ruim", relaciona.
Deixados para trás
Quatorze anos depois da promulgação da LDB, porém, 26,7% dos professores ainda não têm curso superior. Parte desses profissionais já trabalhava na rede de ensino antes da publicação da lei. Após 1996, as vagas criadas passaram a ser preenchidas necessariamente por profissionais graduados, exceto na educação infantil e nas séries iniciais do fundamental, que admitiram o curso técnico até 2007.
"Se o professor já estava no sistema quando a lei entrou em vigor, então o problema é do sistema, que precisa oferecer a qualificação ao docente para que ele possa se adequar", defende Joana Romanowski, professora da pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e pesquisadora do grupo de formação de professores da instituição.
Além da existência de professores sem graduação, Joana lembra que ainda há poucos profissionais com licenciatura atuando no Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e nos cursos profissionalizantes. "São pessoas que têm somente o conhecimento específico da disciplina, e não o conhecimento de como ministrar o conteúdo", aponta. A licenciatura é a modalidade de formação superior voltada à formação de docentes. Além de cursar as disciplinas de sua área específica de atuação, o licenciado estuda assuntos relacionados à didática.
Carreira ainda é pouco atrativa
Ser professor ainda é uma escolha pouco comum entre os estudantes universitários brasileiros. Uma pesquisa das fundações Carlos Chagas e Victor Civita realizada em 2010 mostrou que apenas 2% dos estudantes de ensino médio pretendem cursar Pedagogia ou alguma licenciatura. O índice traz uma perspectiva nada animadora para a educação do país, que tem déficit de 710 mil professores e taxa de ociosidade de 55% nos cursos da área, de acordo com o Censo da Educação Superior e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
O professor Américo Walger, do Departamento de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), relata que, mesmo dentro dos cursos de licenciatura, a docência não é o desejo da maior parte dos alunos. "A maioria da turma pretende atuar como pesquisador, e vê no magistério uma espécie de seguro-desemprego. Afinal, a educação estando bem ou mal oferece emprego garantido", conta.
A estudante de Ciências Sociais Gabrielle Demozzi, de 23 anos, se declara apaixonada pela sala de aula. Entretanto, por causa das condições de trabalho nas escolas, ela investe em outras opções. "Pretendo fazer mestrado e doutorado para lecionar também em universidades, porque o salário no ensino médio ainda é baixo. Além disso, a carga horária é alta e o professor não é valorizado", avalia.
Para os especialistas em educação, a questão salarial ainda é o principal fator a espantar profissionais, um problema que pouco mudou ao longo dos anos. "O jovem profissional não vê perspectivas de crescimento, e acaba encarando a docência como uma função transitória. A docência é atrativa apenas para a classe D, que tem poucas perspectivas de trabalho e consegue ver no cargo de professor uma ascensão social", destaca o consultor educacional Renato Casagrande.
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