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Na medida em que as empresas abraçam cada vez mais a agenda da esquerda, muitos conservadores têm duvidado do poder do livre mercado para impedir a degradação social.
Na medida em que as empresas abraçam cada vez mais a agenda da esquerda, muitos conservadores têm duvidado do poder do livre mercado para impedir a degradação social.| Foto: Reprodução / EPPC

O chamado conservadorismo contemporâneo americano, que emergiu na segunda metade do século XX para lutar, dentre outras coisas, contra a influência do socialismo, tinha dois pilares claros. Um, a adesão ao liberalismo econômico. O outro, a defesa de valores tradicionais oriundos da filosofia ocidental e da cultura cristã, como o papel primordial das família na sociedade. Cada vez mais, essa coalizão está se desfazendo.

Ao passo que as empresas privadas abraçam cada vez mais a agenda cultural da esquerda progressista, o número de divórcios aumenta e a taxa de natalidade decai, muitos conservadores têm se tornado mais reticentes sobre o poder do livre mercado para impedir a degradação do tecido social.

Nesta semana, o Centro de Ética e Políticas Públicas (EPPC), um think tank com perfil ideológico à direita e sede em Washington, lançou um manifesto em defesa de políticas pró-família. O texto é assinado Ryan T. Anderson, doutor pela Universidade de Princeton, e Robert P. George, professor da mesma universidade, e Helen Alvaré, professor da universidade George Mason, além de pesquisadores de outras instituições e jornalistas.

O documento sustenta que, “em sua forma ideal, a família é a instituição social por meio da qual as crianças são trazidas à existência, criadas, e preparadas para assumir responsabilidades conformem elas atingem a maturidade.” O texto propõe aos agentes públicos dez medidas para fortalecer as famílias. Algumas são as que se esperariam de uma entidade conservadora, como o apoio aos “laços duradouros” entre membros de uma família e a proteção às crianças desde o período da gestação. Outras podem surpreender quem se acostumou a associar a direita com a defesa do Estado mínimo na economia.

Um dos itens da lista pede que o Estado “busque abordagens à licença remunerada que forneçam uma proteção básica para novos pais diante das demandas do local de trabalho”. Outra solicita que o Estado “desenvolva políticas trabalhistas que criem flexibilidade para os pais sem comprometer sua segurança financeira, permitindo que mais famílias encontrem o equilíbrio entre vida profissional e pessoal adequado para elas.” Uma terceira é a promoção de políticas que tornem a maternidade (ou paternidade) mais barata.

À Gazeta do Povo, um dos signatários da carta explica que a ideia não é romper com as ideias de livre mercado, defendidas com entusiasmo pelos liberais, mas readequar as prioridades para que as famílias sejam tratadas com mais atenção. Patrick T. Brown, pesquisador do EPPC, afirma que o mero cálculo econômico não basta. “Nas últimas décadas, os conservadores aceitaram muito facilmente que a abordagem liberal assumisse o controle na formulação de políticas econômicas. Não que não haja ideias importantes na tradição liberal”, ele diz, “mas a perspectiva econômica não pode ser a única maneira de olharmos para as políticas públicas; precisamos pensar sobre o impacto de longo prazo para trabalhadores, famílias e comunidades.”

Brown admite que algumas das políticas propostas na lista podem ir contra as premissas do livre mercado puro e simples, mas afirma que o preço a ser pago pela desestruturação das famílias é muito maior. Em outras palavras: toda sociedade precisa de crianças para continuar existindo, e as famílias cumprem um papel social ao gerar filhos e cuidar deles. “Como os custos diretos e os custos de oportunidade de ter um filho continuam a aumentar, a sociedade tem a obrigação de garantir que os pais não sejam excessivamente sobrecarregados com as despesas associadas a ter um filho e criar uma família. A questão não é se podemos dar passos modestos em direção a mais políticas pró-família; é o que acontecerá se não o fizermos”, ele justifica.

A redefinição do conservadorismo americano 

A iniciativa do EPPC é parte de um movimento mais amplo e que rejeita a adesão automática a pautas do liberalismo econômico.

Nos últimos anos, autores como o professor Patrick Deneen, da Universidade de Notre Dame, têm questionado a visão liberal clássica. Em 2018, Deneen publicou um livro cujo título vai direto ao ponto: “Por que o Liberalismo Fracassou”. A própria vitória de Donald Trump em 2016, em uma plataforma mais protecionista que seus concorrentes republicanos, também tem sido interpretada como um sinal nessa direção.

O nome mais forte dentro do Partido Republicano para as eleições presidenciais de 2026, o governador da Flórida, Ron DeSantis, também deixou de lado o manual tradicional do conservadorismo americano ao comprar uma briga com uma grande corporação por motivos ideológicos. Por iniciativa dele, a Flórida removeu no ano passado boa parte dos privilégios fiscais da Disney World, em Orlando, depois que a companhia se posicionou contra uma lei que tinha como objetivo impedir o ensino de educação sexual a crianças nas séries escolares iniciais.

O novo conservadorismo – mais nacionalista e menos preocupado em defender o capitalismo – tem até um nome: “conservadorismo nacional”. Em uma das convenções periódicas do movimento, que costumam reunir políticos republicanos de primeira grandeza, é possível ver intelectuais defendendo alianças dos conservadores com sindicatos para derrotar a aliança entre as elites progressistas entrincheiradas nas universidades, nos meios de comunicação e cada vez mais nas grandes empresas. É uma mudança significativa. Resta saber se vai dar frutos.

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