Aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal e agora nas mãos do presidente Lula para sanção, a Medida Provisória 1.165 de 2023, que retoma o Programa Mais Médicos, pode permitir que médicos com diploma no exterior atuem no SUS sem necessidade de revalidação ou prova de conhecimentos técnicos.
O Revalida é um exame aplicado para brasileiros e estrangeiros com graduação em medicina em outro país que desejam ter o CRM, registro médico, para atuar no Brasil. Porém, o texto da Medida Provisória permite que os médicos formados no exterior possam atuar por quatro anos sem a necessidade do registro. A dispensa só valerá para a atuação dos profissionais dentro do programa.
Perigos
O Conselho Federal de Medicina (CFM), que se posiciona contrário a atuação de médicos sem o diploma revalidado, informou que tenta marcar uma audiência com o presidente Lula para solicitar o veto do artigo. Salomão Rodrigues Filho, coordenador da Comissão de Assuntos Políticos do CFM, afirma que esse assunto é inegociável para o Conselho. “A pessoa que fez o curso em outro país e não passa no exame [Revalida], que é um exame extremamente simples, ela, seguramente, não tem a menor condição de exercer a Medicina no Brasil e estará colocando em risco a integridade de saúde da população brasileira”, afirma.
Em relação ao argumento que não há médicos interessados em trabalhar em regiões mais carentes e de difícil acesso no país, Dr. Salomão explica: “No último edital [do Programa Mais Médicos], foram abertas seis mil vagas e se inscreveram mais de 19 mil médicos registrados no CRM, mas existe uma pegadinha. O edital limita que os médicos marquem apenas dois municípios de uma lista imensa. Então, os médicos que têm CRM e estão melhores classificados, acabam escolhendo os melhores lugares. Tiraram do médico, na inscrição, a oportunidade de dizer ‘olha, eu vou para onde vocês designarem’.”
“O Brasil tem médicos em quantidades suficientes que teriam condições de ter uma assistência perfeita, mas falta separar a Medicina da política”, diz Salomão.
Logo após a aprovação da MP no Senado Federal, a Federação Médica Brasileira, junto aos sindicatos de base, manifestou-se através de uma nota. O texto se posiciona de maneira contrária à possibilidade de contratação de médicos formados no exterior sem revalidação. Em março, a entidade já tinha se manifestado afirmando que a prática “pode colocar em risco a qualidade da assistência médica prestada à população atendida.”
Em Rondônia, estado que faz fronteira com a Bolívia, o governo estadual chegou a sancionar a Lei Estadual nº 4988/2021, que permitia a contratação temporária de médicos com formação no exterior, sem a comprovação do Revalida, devido a pandemia da Covid-19. Na época, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero) e o Ministério Público do estado entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia julgou, em 2022, que a lei seria inconstitucional.
Exame Revalida
A prova para revalidação dos diplomas no exterior acontece em duas fases. A primeira é um exame de questões objetivas e discursivas da área de medicina. Já na fase seguinte, os inscritos passam por dez estações com simulações de atendimento. Em cada simulação, há um ator que apresenta um caso clínico de acordo com o roteiro preparado pelo Inep, autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC).
Durante a simulação, os médicos devem conversar com o ator para entender a queixa que ele apresenta, examiná-lo clinicamente, pedir exames laboratoriais e, ao final, dar o diagnóstico e as orientações devidas. O limite de tempo é de dez minutos em cada estação. Toda a prova é gravada para ser avaliada posteriormente pela banca. Ao passar na primeira fase, o médico tem três chances para fazer a segunda. O valor da primeira fase é de R$ 410,60, já a segunda custa, atualmente, R$ 4.106,09.
Em 2020, ano com maior procura pelo exame, houve 15.495 inscrições, porém, apenas 2.396 aprovações. Ou seja, 75% dos inscritos não conseguiram ser considerados aptos para atender no Brasil. Os médicos que realizaram o exame tinham diploma de origem principalmente da Bolívia, Cuba e Paraguai. A média de aprovação dos médicos formados nestes três países foi de 15% na primeira fase.
Em 2021, foram aprovados menos da metade dos inscritos (44%). Em 2022, considerando as duas edições, a aprovação foi de pouco mais de 10%. Em relação a nacionalidade dos médicos, a maioria é de brasileiros, seguidos de bolivianos e peruanos. Todos os dados estão disponíveis no Painel Revalida.
Críticas ao Revalida
Médicos formados no exterior reclamam do estilo da prova prática do Revalida, com um ator que simula ser um paciente. Para eles, o roteiro deveria ser divulgado após o exame para a possibilidade de recurso judicial, caso o médico acredite ter sido injustiçado na avaliação.
“Por exemplo, quando o ator se equivoca, o avaliador, ao ver o vídeo posteriormente, vai pontuar negativamente. O médico avaliador deveria considerar os erros do ator e não punir os candidatos”, afirma Adelicio Galvão, médico formado na Bolívia que conseguiu ser aprovado no Revalida e abriu um cursinho para médicos que desejam a aprovação no exame.
Outra reclamação é em relação ao engessamento da simulação da consulta, pois o profissional que não seguir exatamente a estrutura proposta (anamnese, exames clínicos, exames laboratoriais, diagnóstico e orientações) é penalizado.
Em nota, o Inep informou que os elaboradores da prova, bem como os responsáveis pela correção, são professores de cursos de medicina, os quais trabalham com base na Diretriz Curricular Nacional do Curso de Medicina.
“As questões da prova prática do Revalida não podem trazer tarefas ou instruções explícitas, pois isso afastaria o objetivo de avaliar a capacidade do participante de atuar num atendimento médico de forma autônoma, da maneira mais próxima possível de uma situação real. Em função disso, os enunciados não apresentam exatamente o que precisaria ser feito em uma situação hipotética pois, se fosse um caso real, o médico pode não receber instruções tão claras, afinal os pacientes são em sua maioria leigos da área da saúde”, afirmou o Inep.
Além disso, explica que o objetivo é avaliar se os candidatos estão adequados aos princípios e necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para completar, o órgão também afirma que a prova deve passar por possíveis alterações nos próximos anos: “Por fim, destaca-se que o Inep está promovendo estudos junto à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com o objetivo de desenvolver novo modelo de avaliação de habilidades clínicas, em formato virtual. Caso o trabalho conclua sobre a viabilidade do novo formato, a previsão é que a mudança seja aplicada a partir de 2024.”
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