Uma menina de 11 anos está grávida pela segunda vez, vítima de estupro, em Teresina (PI). A gestação foi descoberta enquanto a criança estava em um abrigo, onde foi acolhida pelo Conselho Tutelar, na última sexta-feira (9). A Polícia Civil foi acionada e a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) vai investigar, sob o comando da delegada Lucivânia Vidal.
Assim como em outros casos semelhantes, o aborto foi o primeiro tema suscitado por alguns formadores de opinião. "O discurso irresponsável de criminalizar todos os abortos está matando aos poucos uma criança de 11 anos", disse uma influenciadora, em postagem com milhares de curtidas. Em face da campanha pró-aborto, a discussão sobre o combate ao crime de estupro contra vulneráveis tem ficado, mais uma vez, em segundo plano.
A menina havia engravidado pela primeira vez aos dez anos, também por estupro, e a gestação foi levada até o fim. O suspeito do crime era um primo, que teria sido assassinado alguns meses depois da descoberta da gravidez, segundo o portal G1. Na segunda gestação, ainda de acordo com o G1, a família também não pretende abortar o bebê, e ainda não se sabe o autor do crime.
Para Mario Ribeiro, professor de Filosofia e mestre em Direito com ênfase em Ética e Filosofia do Direito, o “menoscabo jurídico-moral em relação à vida do nascituro” acaba favorecendo a falta da punição ao estuprador. Ele explica que há um movimento ideológico crescente que contraria as principais evidências da embriologia e genética, questionando o direito à vida desde a concepção.
“Isso, certamente, propicia brecha jurídicas que facilitam a liberdade do estuprador. Foca-se, primeiro, no ato de matar o bebê, e, depois, se possível, na punibilidade do malfeitor. Como pode verificar, há uma inversão”, critica Ribeiro. “O nascituro, por mais que resulte de uma violência, nada fez contra a sua mãe. Ele é inocente”, complementa.
Ribeiro aponta ainda que o Direito deve ser solidário à vítima de violência sexual, buscando resguardar a vida da mãe e do bebê e mirando a punição do agressor. “O Direito deve garantir aos seus cumpridores o estímulo de saberem que não estão à mercê de malfeitores e que estes malfeitores receberão a justa punição”.
Lenise Garcia, presidente do Movimento Brasil Sem Aborto e doutora em Microbiologia e Imunologia, critica o fato de que o discurso de incentivo ao aborto seja mais replicado que o da punição ao abusador. Ela destaca que casos de estupro de menores de 14 anos precisam ser analisados conforme as causas, mas, muitas vezes, não são sequer investigados.
Segundo Lenise, há dois motivos mais comuns de casos de estupro. O primeiro é a situação de abuso que, geralmente, acontece em casa, entre familiares e amigos próximos. Nestes casos, quando ocorre uma gravidez, é necessário que a investigação se centre em verificar quem é o pai. “Mesmo que seja algo difícil, ainda mais quando é intrafamiliar, precisa ser investigado, para que o abuso não aconteça novamente”, afirma.
Já o segundo caso mais comum é quando o pai do bebê é também uma criança ou adolescente, o que poderia ter relação com a tendência atual à sexualização precoce – como pode ter ocorrido no caso da menina de 11 anos de Santa Catarina. “Embora legalmente seja estupro, é uma relação consentida. Isso mostra uma sexualização precoce das crianças. As mesmas pessoas que se escandalizam com a gravidez precoce, geralmente, são grandes incentivadoras da sexualização precoce”, critica a presidente do Movimento Brasil Sem Aborto. Para Lenise, a educação das crianças é uma forma de evitar o problema da sexualização precoce, quando esse for o caso.
De todo modo, para ela, o aborto em caso de estupro não é uma solução. “Não se resolve um erro com outro erro. Não cabe o argumento da saúde da mãe. Há mais riscos em uma gravidez depois dos 40 anos do que antes dos 14. O caminho é a educação e o cuidado.”
O que é preciso saber para ajudar vítimas de estupro
Ellen Victer, delegada chefe do Nucria da Polícia Civil do Paraná, aponta uma das principais dificuldades relacionadas ao crime de estupro contra crianças: o menor de idade não consegue verbalizar ou não entende que aquilo é um abuso. “Verificamos que a maior parte [das crianças e adolescentes] não consegue entender o que é um abuso. O agressor fala que é um carinho, por exemplo. E o próprio abusador ameaça, ou faz uma ameaça velada. Coloca uma culpabilização na criança e, por isso, ela não reporta a violência ocorrida com ela”.
A delegada diz que quando a denúncia é imediata, a orientação da Polícia Civil é que a vítima não tome banho e não coloque a roupa para lavar, para que as roupas íntimas sejam levadas à perícia técnica. “Mas, para casos antigos, depois de 72 horas, a perícia não consegue encontrar vestígios nas roupas”, afirma. Em casos assim, as autoridades buscam outras formas de evidências, como testemunha ocular, observação da mudança de comportamento e a própria fala da vítima.
Outra dificuldade, segundo Ellen, é que em casos de violência intrafamiliar não costuma haver testemunha, já que o abusador procura um momento sozinho com a vítima. “Na maioria dos casos, não há nenhum tipo de penetração. Inclusive o laudo do IML vem negativo, como se não tivesse ocorrido nenhum abuso sexual. Mas sabemos que aconteceu, muitas vezes pela palavra da vítima”, diz.
A delegada ressalta ainda que atividades preventivas são muito importantes para evitar o abuso sexual, como informações à família e às crianças e adolescentes sobre violência sexual. “A parte preventiva é a que mais importa, pois [assim] o crime tende a não ocorrer.”
Ellen destaca que deve haver um acompanhamento da rede de proteção – principalmente do Conselho Tutelar, em visitas às famílias. A escola também pode ajudar sendo um meio de denúncia – educadores podem observar, por exemplo, as faltas escolares e mudanças de comportamento das crianças.
Outros casos
Em junho deste ano, outro caso veio a público de uma criança de 11 anos que teria sido estuprada em Santa Catarina. Com sete meses de gravidez, a família decidiu abortar o bebê. Nessa etapa, já é possível realizar um parto prematuro, e o manual sobre aborto do Ministério da Saúde orienta realizar um parto prematuro após a 22ª semana gestacional. Em meio à polêmica, um fato importante foi ocultado pelo jornal que tornou pública a história: o pai era um adolescente de 13 anos, filho do padrasto da criança, que morava na mesma casa.
Outro caso em que pouco se questionou quem seria o autor do crime foi o estupro relatado pela atriz Klara Castanho, de 21 anos. Em junho deste ano, a artista revelou que ficou grávida após ter sido estuprada e que decidiu entregar o bebê para doação legal após o parto. Abortistas criticaram a decisão da atriz de entregar o bebê para adoção – direito garantido pela lei brasileira.
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