A publicidade voltada para crianças, com mensagens atrativas e o incentivo ao consumo, principalmente o de alimentos calóricos, está no radar de pais, especialistas e legisladores no Brasil. O modo como os anúncios se comunicam com as crianças e os impactos dessa ação têm gerado críticas, sugestões de adequações e até propostas no Congresso para que esse tipo de propaganda seja proibida no país.
De um lado estão estudiosos que elencam os malefícios deste tipo de anúncio, como consumismo, obesidade e enfraquecimento de relações familiares. Na outra ponta estão empresários que acreditam no monitoramento por meio da regulamentação publicitária, que fixa regras e normas para a proteção da infância. No meio disso estão os pais, muitas vezes em dúvidas sobre como lidar com a questão.
Essa é uma preocupação constante na casa da pedagoga Cláudia Miranda, mãe de Isabela, 12 anos, e Alexandre, 5 anos. Quando a filha era mais nova, a mãe chegou a contar 11 comerciais voltados às crianças no intervalo do desenho na tevê aberta. "Aquilo me chocou. É um bombardeio na questão do consumo", diz.
Cláudia observa nas salas de aula que as crianças repetem as falas de comerciais, têm desejo em consumir os produtos e deixam de valorizar presentes simples. "Às vezes, nós adultos nos desligamos no momento do comercial, mas a criança está o tempo inteirinho prestando atenção em tudo." Dentro de casa, ela tenta impor limites claros e mostrar o valor real dos produtos, distinguindo o que é necessidade do que é capricho.
A advogada especialista em Direito do Consumidor Isabella Vieira Machado Henriques explica que a criança, por estar em fase de desenvolvimento, acredita na mensagem publicitária sem fazer uma análise crítica. Segundo ela, a criança não consegue distinguir a mensagem publicitária do entretenimento, situação que começa a mudar, em média, a partir dos 10 anos. Aos 12, elas já têm uma análise crítica.
De acordo com Isabella, a publicidade e o consumo contribuem para o enfraquecimento das relações familiares, pois os pais muitas vezes não têm condição de arcar com aquele gasto; com a erotização precoce, quando a criança começa a agir como "miniadulta"; e com o aumento da obesidade infantil. Para ela, falta um dispositivo legal que trate da publicidade infantil.
Legislação
Em 2001, o então deputado paranaense Luiz Carlos Hauly apresentou um projeto de lei para proibir a publicidade de produtos infantis voltados a crianças de até 12 anos. "Defendo uma regulamentação nesse tema porque o Brasil é um dos poucos países que não a possui", diz. A proposta tramita na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e o relator, deputado Salvador Zimbaldi, deve apresentar seu parecer em agosto.
Para a Associação Brasileira de Anunciantes, o projeto original e seu substitutivo "são um total exagero, que terão consequências bastante ruins para os meios de comunicação e a comunicação comercial". Já a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos se posiciona contra a interferência do Estado. O presidente da entidade, Synésio Batista da Costa, lembra que são as mães que compram 70% dos brinquedos no Brasil. "A mãe sabe muito bem o que está fazendo. Eu prefiro confiar na mãe do que na ação do Estado para regular o que a família deve fazer", afirma, em nota.
Apelo de consumo gera mais punição
Atualmente, a publicidade infantil é regulamentada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). O órgão é responsável por avaliar se as peças publicitárias seguem as normas previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, atualizadas em 2006 com o objetivo de dar maior proteção às crianças. Desde 1.º de setembro de 2006, o Conar abriu 300 representações, metade delas oriundas de denúncias. Do total, 185 terminaram com penalizações, que incluem alterações ou retirada do ar do material. A maioria das irregularidades envolvia apelo imperativo de consumo.
O Conar considera que o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já contêm elementos que garantam ampla defesa aos consumidores e que a autorregulamentação complementa a lei de forma eficiente, aponta a assessoria de imprensa do órgão.
Já para o procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná Olympio de Sá Sotto Maior, que participou da elaboração do ECA, o país carece, sim, de uma regulamentação. "O modelo no Brasil é criticável por deixar expostas as crianças a esse bombardeio de propaganda", diz. Ele explica que muitos países têm regulação sobre o assunto e cita a Alemanha e a Suécia, onde há restrição de horário para a publicidade infantil. Para o Brasil, o procurador também defende a restrição de horário para a veiculação das peças publicitárias ao público infanto-juvenil e uma especial preocupação voltada à propaganda de alimentos calóricos.