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Educação

Mal nas notas, escolas culpam avaliação

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A julgar pelas notas nas provas aplicadas pelo governo, boa parte das escolas brasileiras teria de ajoelhar no milho. Em nada menos do que mil municípios elas tiraram nota vermelha na Prova Brasil e só em 200 passaram de ano com folga. Nos outros 4.300 municípios, a média geral mal deu para escapar do exame final. Mas se o boletim das escolas públicas e privadas que em 2005 fizeram a prova do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) parecia desolador, as notas daquelas que no ano seguinte fariam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seriam ainda piores. Onde está o problema? Na qualidade do ensino ou na forma de avaliar as escolas?

Há um consenso no Brasil de que a educação precisa melhorar, mas os métodos avaliativos são postos em xeque por quem ensina e por quem dirige o setor. Discussão das boas surgiu na semana passada, em Curitiba, durante palestra do presidente da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), José Francisco Soares. Doutor em Estatística pela Universidade de Wisconsin (EUA), Soares usa o mesmo sistema adotado pelo Saeb para avaliar o ensino de Língua Portuguesa e Matemática. Na avaliação de 2005, a Prova Brasil envolveu 3,3 milhões de alunos da 4.ª à 8.ª série de 41 mil escolas públicas de todo o país.

Estudo do Saeb feito entre 1995 e 2003 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revela homogeneidade nos índices de avaliação das escolas públicas e oscilação entre as particulares. Soares explica que a oscilação acontece porque há escolas privadas muito boas e outras muito ruins, enquanto as escolas públicas são homogêneas porque na média são muito ruins. Na platéia, ao lado de uns 200 professores no auditório do Museu Oscar Niemeyer, o secretário estadual da Educação, Maurício Requião, apontou sua inquietação com as avaliações.

Para o secretário, há um "furor pesquisandis" que deve ser submetido à avaliação crítica. Ele vê todos os dias as mazelas do ensino, mas lamenta tanto tempo e dinheiro gastos com avaliações sem que nada mude entre uma consulta e outra, como se não ocorressem avanços. Em um falso paradoxo, Maurício Requião entende que o próprio instrumento de avaliação deve passar por uma avaliação. Para o secretário, deve-se antes de tudo informar à escola e ao aluno como e porque estão sendo avaliados e o que se espera deles.

As escolas públicas apontam uma certa injustiça nas avaliações quando comparadas às particulares. Como comparar universos tão diferentes? Na rede pública paranaense, por exemplo, estudam 80 mil crianças e adolescentes com necessidades especiais, além de quilombolas, indígenas. Soares reconhece as diferenças, mas insiste que não se pode aceitar muita gente com baixa qualidade de ensino. "Não estou preocupado com as avaliações, estou preocupado com os resultados."

Os métodos desagradam também ao setor privado. O diretor do curitibano Colégio Martinus, Marcos Meier, tem um caso esclarecedor. Certa vez, um aluno saiu da instituição seduzido pela publicidade de outro colégio que dizia garantir vaga na Universidade Federal do Paraná. Lá, quando ajudava um colega em um cálculo, um professor pôs-lhe a mão no ombro e disse: "Ajudando a concorrência. Ele vai roubar a tua vaga." O jovem percebeu que ali só ensinavam um único valor: a nota. E voltou para o Martinus, onde são ensinados valores humanos. "Este aprendizado não se mede nas avaliações", diz Meier.

Investimento

Quantidade versus qualidade, eis a crítica aos métodos de avaliação. Mas como avaliar um universo tão grande? Segundo o Censo Escolar 2006, da creche ao ensino médio o Brasil tem 55,9 milhões de alunos, 86,5% deles na rede pública. Soares não duvida da metodologia do Saeb e avisa: "avaliação não é ensino". Ou seja, não basta constatar que os alunos estão com dificuldades se não houver políticas públicas para mudar essa realidade. A grande novidade, segundo ele, é o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), anunciado em março.

O PDE prevê ações do ensino básico ao pós-doutorado. Entre as medidas está a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira, com notas de 0 a 10 aos estados e municípios, a partir dos resultados da Prova Brasil e dos números de repetência e evasão. O índice norteará os repasses de recursos. Outras medidas são a criação de avaliações como a Provinha Brasil, a ser aplicada a crianças entre 6 e 8 anos. O PDE prevê o investimento de cerca de R$ 8 bilhões até 2010.

Soares entende o Brasil no estágio inicial, tentando saber a quantas anda seu ensino. E com um triplo desafio: levar o aluno para a escola, mantê-lo lá e oferecer uma boa educação. Só o primeiro foi relativamente cumprido, na década de 1990, quando quase toda a população em idade escolar foi para a sala de aula. Contudo, cerca de 16% dos estudantes abandonam os estudos ao concluir o ensino fundamental, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004. Ainda há muita coisa errada. Dos 10,7 milhões de adolescentes entre 15 e 17 anos, 18% estão fora das salas.

A escola acaba levando a culpa, mesmo sem dever tanto. Ela responde por menos de um terço do aprendizado de uma criança. A maior parte se dá pela história prévia do aluno, por seus talentos e motivações e pelo capital econômico, cultural e social da família. Segundo José Francisco Soares, portanto, os fatores extra-escolares determinam 70% da aprendizagem.

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