Pela primeira vez em 19 anos, o empresário Hamilton Kirchner viu as portas de seu restaurante fechadas em pleno sábado – dia de movimento certo para ele e outros proprietários da região de Cabaraquara, em Guaratuba, no Litoral do Paraná. A decisão não foi fácil, mas tornou-se praticamente a única opção diante de um cenário lesado pelo avanço da maré vermelha, que desde meados de junho tem afetado a vida de famílias que lidam diretamente com o cultivo e a comercialização de ostras na costa paranaense.
Fenômeno que se caracteriza pela proliferação intensa de uma determinada espécie de microalga tóxica, a maré vermelha acertou em cheio o estado de Santa Catarina em maio e, no mesmo mês, levou o governo chileno a declarar emergência ambiental. Conseguiu chegar ao Paraná trazida pelas correntes marítimas e avançou pelas baías do estado com a ajuda dos ventos.
Mas, embora o governo estadual tenha estabelecido a suspensão preventiva da venda e do consumo de ostras, mariscos, berbigões e vieiras procedentes das águas do Paraná apenas na última quarta-feira (29), produtores dos moluscos garantem que as algas tóxicas deram as caras bem antes, com os primeiros indícios sendo registrados a partir do dia 12 de junho.
“Aos poucos, a gente foi percebendo que alguma coisa não estava certa. E alertamos quem deveria nos alertar”, relatou Kirchner, que também cultiva as ostras consumidas em seu restaurante. “Ficamos assustados. Quando achamos que as coisas aqui poderiam melhorar, porque vínhamos de praticamente cinco finais de semana com chuva, aí aconteceu isso. Aquela perspectiva de que a gente iria ter um ano bom e conseguir até guardar um dinheiro se foi”, completou.
O advogado Nereu de Oliveira, que tem cada vez mais deixado de lado a burocracia do judiciário para se dedicar ao cultivo de ostras em Guaratuba, também viu o movimento do seu restaurante ser engolido pela maré vermelha. Das 30 mesas que serve, em média, durante sábados e domingos, apenas três juntaram famílias e amigos para boas refeições no fim de semana passado. “Clientes chegavam, mas, sem ostras, eles preferiam ir comer barreado”, conta o advogado.
Ele afirmou ainda que se não houver resposta rápida do estado quanto à introdução de práticas de monitoramento dos moluscos na região, deve seguir a onda e fechar o restaurante temporariamente. “Embora o estado não tenha feito a parte dele, nós temos que nos preocupar”.
Já os que apostam na variedade do cardápio para manter seus estabelecimentos abertos estão tendo que, ao menos, rever logísticas. Foi o que fez Marcelo Ferraz Monteiro, 30, que toca um dos cinco tradicionais restaurantes de Cabaraquara. Para não deixar na mão clientes fiéis, ele encurtou o horário de atendimento no local, além de dispensar temporariamente três funcionários da casa.
“A gente tem que se virar. Uma alternativa foi diminuir em quatro horas o funcionamento do restaurante. Antes, era do meio-dia às dez [da noite]. Agora, faço do meio-dia às seis”, comentou.
Castelo de areia
Elvisley José Rocha Ferreira, o Belém, saiu do Noroeste do estado para viver no Litoral. Não teve dúvidas na hora de começar a trabalhar com o cultivo de ostras e há 18 anos faz de tudo para manter restaurantes da costa abastecidos com o molusco. É um trabalho árduo, como a construção de um castelo de areia cheio de detalhes. Agora, o medo é que este castelo desmorone.
“Não tem acompanhamento. Se a gente não está antenado acaba prejudicando o próprio comércio. Para perder cliente é rapidinho; para ganhar, não”, lamenta.
E se depender das projeções que apontam a ciência, não é pra já que a situação deve se reverter no Litoral. O professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Paraná UFPR Luciano Fernandes explica que a comercialização dos moluscos atingidos só voltará a ocorrer quando a curva de toxina vinculada ao fenômeno diminuir. Em geral, isso ocorre entre 20 e 40 dias a partir da floração das algas, mas depende da espécie do molusco e da toxina que há nele.
“Está ocorrendo no Paraná uma proliferação muito intensa, na ordem que chega até cinco milhões de células por litro de água do mar. A mancha da maré que atingiu o estado chegou a mais de dez quilômetros de comprimento. É muito grande”.
Fernandes e o também professor da UFPR Luis Mafra, do Centro de Estudos do Mar, explicam ainda que, apesar de pegar muita gente de surpresa, o fenômeno não é raro no Paraná.
“Nós temos tido florações regulares, só que em lugar que não tem cultura de moluscos. Praticamente temos percebido essa floração todos os anos”, aponta Fernandes.