As ruas e as calçadas de Maringá fervem durante o dia. Pessoas apressadas caminham e dirigem sempre em direção a um destino. Quando anoitece, a maioria delas já voltou o lar. Mas outros passeantes que também dividem espaço nas vias públicas continuam perambulando, sem saber ao certo onde se acomodar. São cães e gatos abandonados, que vão se apinhando nas ruas e avenidas e revelando o problema social causado, na maioria das vezes, pela falta de consciência dos ex-donos.
No Brasil, estima-se que haja ao menos 2,5 milhões de animais domésticos abandonados, segundo a WSPA (sigla em inglês para Sociedade Mundial de Proteção Animal). Em Maringá, porém, não existe uma estimativa. O Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) local recolhe os animais que apresentam algum tipo de risco à população, seja pela agressividade ou por terem alguma doença. O espaço do CCZ, no entanto, não é suficiente para dar conta de todos. Para se ter uma ideia, de janeiro a setembro deste ano, 190 animais, entre cães e gatos, foram retirados das ruas.
Depois de recolhidos pelo CCZ, os animais são cuidados e colocados para adoção. No local, existem 16 baias. Nove delas alojam, no máximo, três cães de pequeno e médio porte prontos para adoção. Outras seis baias são destinadas aos cães que apresentam raiva ou sarna e que ainda estão em tratamento. Por fim, há um gatil, espaço que se torna a morada provisória dos gatos, que chegam ao centro em menor número.
As entidades sem fins lucrativos também encabeçam o cuidado aos animais abandonados. Há, na cidade, 10 Organizações Não Governamentais (ONG) que realizam o trabalho e esse número só tende a crescer, já que a quantidade de cães e gatos largados não para de aumentar. A ONG Anjos dos Animais de Maringá é um exemplo. Dez voluntários trabalham até durante as madrugadas, na tentativa de diminuir a dor dos bichinhos sem lar.
De acordo com a organização, eles chegam a receber 50 ligações por dia, informando casos de maus tratos e de abandono, mas que, pela falta de recursos, apenas alguns conseguem ser solucionados. A entidade, assim como as outras, sobrevive de doações. Aos finais de semana, os animais tratados são expostos em feiras de adoções, montadas em estacionamentos de shoppings e supermercadoss de Maringá.
A empresária Eloísa Murta é voluntária na ONG Anjos dos Animais e conta que já presenciou as formas mais cruéis de abandono. Segundo ela, muitas vezes, ao comprar ou adotar um cão ou um gato, a pessoa não reflete sobre as responsabilidades que passará a ter. "O comprador precisa entender que o animal precisa de cuidados, não é um retalho que pode ser descartado em qualquer esquina."
Eloísa acrescenta que fica chocada ao se deparar com algumas situações. "Na semana passada, atendi um caso em que uma cadelinha da raça pinscher, com roupinhas e até lacinho na cabeça, foi arremessada de um carro em movimento. Ela chegou à ONG e morreu duas horas depois."
É comum que os cães e gatos sejam jogados ao léu pelos próprios donos. Há quem use de uma artimanha muito desonesta: levar os animais de estimação à clínica veterinária, para algum atendimento, e não voltar para buscá-los. Eloísa relembra que, no ano passado, um casal foi até uma clinica que tem parceria com a ONG, com o cão da família, que havia sido atropelado. Os dias se passaram e ninguém procurou mais pelo bicho. A clínica tentou contato com a família e foi informada de que eles não queriam mais o animal.
Abandonar ou maltratar animais é crime, mas muitas pessoas não se importam com as consequências. A denúncia de maus tratos é legitimada pelo Artigo 32 da Lei Federal n° 9.605 de 1998. O ato é enquadrado como contravenção penal, considerado delito de baixo potencial ofensivo, que pode ser punido com prisão de dois meses a um ano ou multa.
Adotar faz bem Eram quase 20 horas de uma sexta-feira de verão quando Maria José Rocha saía de casa para ir a uma lanchonete em Maringá. Quando a funcionária pública, de 47 anos, apertou o cadeado e garantiu a segurança de casa, olhou para o céu e viu que as nuvens se juntavam numa cor escura. Ela resolveu se apressar para não tomar um banho inesperado. Mas antes mesmo do primeiro passo, se espantou com um saco de estopa amontoado na calçada. Apertou os olhos e viu uma bolinha branca se mexendo. "Abandonaram um cachorro", pensou.
Soltou um suspiro e resolveu deixar para lá. Caminhou até à lanchonete e lá permaneceu com o pensamento na calçada de casa. Pouco mais de uma hora depois voltou e lá continuava o saco de estopa com o pequenino. Dessa vez o suspiro foi pesado. Aproximou-se e percebeu que o animal estava amarrado com cordas. Sem pensar muito e prevendo o temporal que cairia em poucos minutos, envolveu as mãos no pano áspero e correu com o bichinho para dentro de casa.
Lá, já moravam outros dois vira-latas também adotados mas, estes, vieram de feira de animais. Maria conta que a nova integrante de pelos brancos e olhos amendoados, batizada de Branquinha, logo ganhou o carinho de todos, mas sofria pelo abandono.
"Tive de colocar uma proteção na grade do portão para que ela não passasse. Quando me distraía, ela corria para a calçada, no lugar exato onde foi abandonada, e lá ficava, chorando e cheirando o chão", lembra.
Há cerca de três meses, quando voltava do trabalho, ouviu um choro em um fundo de vale próximo a sua casa. Foi até lá e avistou um casal de cachorros. O macho, espoleta, ainda era filhote. A fêmea aparentava ter vivido mais. Ela conta que olhou e empalideceu. A vontade primária foi recolhê-los e levá-los para casa, mas já havia ouvido uma advertência do marido, que não queria mais cachorros por lá.
Na tentativa de fazer algo, juntamente com algumas vizinhas, por cerca de dois meses ela levou água e comida para os moradores do terreno. O cuidado passou a fazer parte da rotina de Maria, até que um temporal ameaçou assolar a tranquilidade dos bichinhos. "Quando vi o tempo de chuva, nem quis saber se meu marido iria reclamar, busquei os dois, coloquei em casa e disse que no outro dia pensaria no que ia fazer."
No outro dia, ao contar a história para uma amiga do trabalho, foi aconselhada a levar o casal até uma ONG que promove adoções no Município. "Por um minuto cogitei que seria uma boa ideia, mas aí bateu a dúvida: será que eles serão adotados juntos?" Para não correr o risco de separá-los, Maria deu voz ao coração e, mais uma vez, fez imperar a bonomia, adotou Nina e Mug. Hoje mora com o marido, o casal de filhos e os cinco cachorros. "Todos na minha casa amam os cachorros. E quem é meu amigo já aviso que quando visitar minha casa precisa estar consciente que tenho um minicanil e que respeite isso."
A poucos metros da casa de Maria, mora a estudante Fernanda Leonel, 25 anos. Além de dividirem os finais de tarde tomando cervejas na varanda da casa da jovem, elas também dividem o mesmo carinho pelos animais e até os sacos de ração.
Fernanda conta que aos 12 anos adotou o primeiro cachorro abandonado, um filhote que foi batizado de Duque. Cerca de três anos depois, também adotada, veio Princesa, metade pinscher, metade vira-lata. Há dois anos Duque morreu e, segundo a dona, a cadelinha enlutou. Não comia, não bebia, nem sequer brincava. "Por conta disso, adotamos outro cachorro para fazer companhia a ela. O pug [raça do cachorro] da vizinha cruzou com uma poodle que vivia na rua. Os filhotinhos nasceram e ninguém queria. Foi quando adotamos um, o Bradock."
No ano passado, a família aumentou. Vieram Bela e Pingo mãe e filho. Uma cadela cega de um olho, com pelos arrepiados e que, por isso, aparenta estar sempre brava, e um cãozinho magrelo, miúdo, que quase não late.
Uma vizinha que morava sozinha morreu e deixou os bichinhos sem ninguém. Os vira-latas tomaram conta da casa por um tempo, à espera que alguém os resgatasse, mas ninguém apareceu. "Eu ia até à casa todos os dias para dar comida aos dois, até que decidi levá-los para casa. Meu quintal é enorme, não tinha porque deixá-los sozinhos".
Este ano, segundo Fernanda, Pingo não aguentou ficar sem a verdadeira dona e morreu. "A Bela [cadela] passa em frente a antiga casa e fica resmungando, fica olhando para dentro, como se aguardando a volta da dona."
Fernanda enfatiza que nunca comprou um cachorro, que prefere adotar, já que são tantos espalhados pelas ruas precisando de cuidados. Ela também diz que, no bairro onde vive, a cena de pessoas abrindo a porta dos carros e abandonando os animais não é rara. Ela, a mãe e a vizinha Maria, tentam acudir o máximo possível. Compram ração juntas, alimentam os cães na rua, encaminham alguns para as ONGs.