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Enquanto trabalha, Márcia reza por ela, pela família e pelos mortos enterrados no cemitério | Walter Fernandes / Gazeta Maringá
Enquanto trabalha, Márcia reza por ela, pela família e pelos mortos enterrados no cemitério| Foto: Walter Fernandes / Gazeta Maringá

Cabelo escovado, batom retocado de hora em hora e perfume que se mistura ao cheiro das coroas de flores. A vaidade é o que, de imediato, chama a atenção em Márcia Maria de Souza, 40 anos. Há dois anos, ela trabalha no Cemitério Municipal de Maringá e há 12 meses é a única mulher que trabalha como coveira do local. À reportagem, confessou que morria de medo dessa função antes de, literalmente, colocar a mão na massa, enterrando e exumando corpos.

Há 19 anos, Márcia saiu de Umuarama, no Noroeste do Paraná, e veio para Maringá. Casou-se, teve dois filhos e seguiu a vida. No trabalho, ela começou como doméstica e babá, funções que intercalou por mais de uma década. Há dois anos, depois de ler um edital de concurso público de Maringá para serviços gerais, resolveu investir e fazer as provas: passou. A partir daí, tudo mudou.

No primeiro dia de trabalho, o peito estufava com um misto de ansiedade e alegria, mas, assim que recebeu o crachá, o uniforme azul e foi direcionada ao endereço, o desespero entrou em cena: a nova servidora de Maringá trabalharia no Cemitério Municipal. "Liguei para minha mãe, disse que não queria trabalhar. Imagine, eu, trabalhando dentro de cemitério, jamais", lembrou. Naquela época, nem sequer visitava os jazigos, por temer o ambiente.

Ela confessou que, por semanas, pensou em abandonar o cargo, mas as contas amontoadas a impediram. Além disso, a quietude do ambiente de trabalho foi, aos poucos, amansando o medo. O serviço de limpeza se tornou rotineiro, e, depois de acompanhar o serviço dos sepultadores, hoje ainda conhecido como coveiros, decidiu procurar a administração do cemitério e pedir transferência para a função, notoriamente masculina. "Foi um espanto para todos, mas tinha certeza do que queria fazer."

Além de manter a limpeza do local, Márcia passou a enterrar e a exumar os corpos. No primeiro trabalho na nova função, ela tremeu quando, ao abrir uma sepultura, viu uma família de baratas saindo lá de dentro. "Respirei e respiro até hoje quando isso acontece, não tenho problema em demonstrar medo, mas não dá para largar as coisas e sair correndo", brincou. Em momentos como esse, de terror, ela disse contar com uma ajuda: Chico Corvo, o pássaro morador do cemitério, que acompanha os coveiros em todos os jazigos, voa da árvore e vai limpando o chão, bicando o maior número de baratas possível.

Coveira?

A admiração e o espanto fazem parte do cotidiano. Márcia comentou que não existe um único dia sem que alguém a aborde no interior do cemitério para questionar se ela, de fato, é coveira. Na maioria dos casos, a resposta positiva causa admiração. "Recebo os parabéns e isso me anima a trabalhar mais a cada dia."

Aos finais de semana, a sepultadora ainda tem disposição para fazer bicos de garçonete em um salão de festas de Maringá. Lá, segundo ela, é conhecida pelos colegas como "Marcinha coveira", apelido que acha graça e tem orgulho em carregar.

Serviço de homem

Márcia não escondeu que sofreu preconceito por conta da profissão. Ela lembrou que os colegas torceram o nariz quando a viram pela primeira vez. "Mulher, por natureza, é mais frágil, e claro que não vou conseguir levantar um tampão de quase 100 quilos sozinha. Peço ajuda e não tenho vergonha disso."

A servidora afirmou que, com jeitinho, foi cativando até os mais durões. Hoje, em vez de piadinhas, ela ouve frases de ajuda.

O melhor lugar para trabalhar

O silêncio proporciona à Márcia um ritual diário. "Enquanto trabalho, minha mente vive em oração. Peço por mim, pela família e por aqueles que estão enterrados no cemitério."

O pensamento ganha trilha sonora com o barulho do vento nas árvores e com o canto dos passarinhos. "É o melhor lugar para se trabalhar, não penso em abandonar a profissão."

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