Adolescente não pode ficar na delegacia por mais de cinco dias
Adolescentes podem ficar reclusos em delegacias por um prazo máximo de cinco dias. E preferencialmente em unidades especializadas. É o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 185. O desrespeito a essa norma, segundo a lei, configura conduta passível de punição nas esferas civil, administrativa e até mesmo criminal.
No fim do ano passado, o promotor de Justiça Felipe Lamarão de Paula Soares ajuizou uma ação civil pública obrigando o Estado do Paraná a transferir dois adolescentes da delegacia de Marechal Cândido Rondon para unidades socioeducativas. Um dos jovens estava no distrito policial há quase um mês.
Em Maringá, de acordo com o delegado Márcio Amaro, o tempo médio de reclusão dos adolescentes levados para a 9 ª SDP é de uma semana. Atualmente, porém, a delegacia abriga um jovem desde o início de fevereiro, além de outros quatro, reclusos há menos tempo. Eles ficam em uma ala intermediária entre a carceragem e administração, separados dos presos adultos, conforme exige o ECA.
O curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM) se esforça para contornar o problema. A universidade mantém um núcleo dedicado à defesa dos direitos da infância e adolescência, o Nedij, cujo trabalho inclui a impetração de pedidos de habeas-corpus para adolescentes presos irregularmente. "Somos uma espécie de defensoria pública em defesa dos jovens sem condiçôes de contratar um advogado", explica a coordenadora do núcleo, Amália Regina Donegá.
Após um início de ano marcado por fugas, rebeliões e ameaças de greve, o sistema prisional do Paraná tem ao menos um motivo para comemorar: a presença permanente de adolescentes em delegacias, que fere a Lei e compromete a recuperação dos jovens, está perto do fim. Pelo menos por enquanto, já que, alertam especialistas, não há solução definitiva para o problema.
A mudança será provocada, segundo a Secretaria de Estado da Criança e da Juventude (Secj), pela inauguração do Centro de Socioeducação (Cense) de Maringá, prevista para o fim deste mês. A unidade terá capacidade para abrigar 48 adolescentes já sentenciados, o que é suficiente para zerar a demanda atual, de cerca de 30 jovens cumprindo medidas judiciais em distritos policiais há outros 50 nas carceragens, mas em internação provisória.
Os números, bem como a previsão otimista, são do diretor de socioeducação da Secj, Roberto Peixoto. Ele aponta que o problema vem se reduzindo ano a ano: em 2004, havia 300 adolescentes em delegacias. Dois anos depois, esse número havia baixado para 180. O Ministério Público do Paraná (MP-PR) não dispõe de dados sobre a questão, mas considera legítimo o cálculo do governo.
O que provoca essa redução é a queda na demanda por internação aliada à construção de novas unidades. Há cerca de dois anos, a criação dos Censes de Ponta Grossa, Cascavel e Laranjeiras do Sul ampliou a capacidade de atendimento em 234 vagas. Para este ano, além da unidade de Maringá, também deve ficar pronta uma em Piraquara, com mais 78 leitos. Com isso, o número de jovens atendidos vai, segundo a secretaria, dobrar na comparação com o início da década.
Em relação aos jovens em internação temporária, a presença nas delegacias não deve ser totalmente eliminada, prevê Peixoto. A demanda atual, de 50 adolescentes, não será suprida com a unidade maringaense, que oferecerá 30 vagas para esse fim. "A internação temporária é cíclica. Há épocas de maior ou menor demanda. Mas o período de permanência dificilmente passa de 15 dias, o que torna o problema menos grave", diz.
Mudança é fundamental
Para especialistas, tirar os jovens das carceragens é um passo decisivo para o sucesso da internação. "A delegacia é um ambiente degradante. A maioria está superlotada. É um lugar em que se violam não só os direitos das crianças e adolescentes, mas os próprios direitos humanos. Quem está lá se submete a situações terríveis", diz o promotor de Justiça Murillo José Digiácomo, que integra o Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (Caopca).
A diferença principal é que os centros de socioeducação são equipados e estruturados exclusivamente para receber os adolescentes. Por isso, oferecem salas de aula e espaços para lazer e cultura. Possuem, quase sempre, uma arquitetura menos agressiva que a das cadeias.E os profissionais são capacitados para acompanhar individualmente os jovens, de forma a estimulá-los à reflexão.
É tudo que não se encontra em uma cadeia. "A intenção da lei é permitir que o menor tenha acompanhamento adequado, que se recupere. Mas, no ambiente da delegacia, isso não é possível", reconhece o delegado-chefe da 9ª Subdivisão Policial (SDP), de Maringá, Márcio Amaro. O distrito abriga atualmente cinco jovens, em celas separadas das de adultos.
Solução nunca é definitiva
Apesar de boa, a notícia do fim de adolescentes sentenciados nas carceragens deve ser vista com ressalva. Primeiro porque o volume de internações é flutuante e pode crescer repentinamente. É um fator, portanto, difícil de ser controlado. E depois porque a criação de novos Censes, embora necessária, é capaz provocar um efeito colateral perverso.
"Quando você tem uma nova unidade e ela é boa, o juiz [que define se o jovem ficará privado de liberdade ou não] tende a querer internar o menino, porque sabe que a estrutura tem qualidade. Isso faz com que haja privação de liberdade mesmo em casos desnecessários, como no de jovens envolvidos com o consumo de drogas", explica o promotor Digiácomo.
Além disso, acrescenta, há juízes extremamente conservadores, que internam jovens baseados em critérios inadequados para a decisão, como a condição financeira da família, o que contribui para afogar o sistema. A solução, assim, nunca é definitiva.
O caminho mais frutífero é investir em políticas públicas que afastem os jovens da criminalidade. "A solução não se dá através da pura e simples repressão. Ela é necessária e faz parte do processo, mas o que resolve são políticas de prevenção e proteção", diz o promotor. Como exemplo, ele cita a oferta de educação de qualidade, iniciativas de combate à drogadição e a criação de espaços esportivos e culturais.
A responsabilidade cabe à União e ao Estado, mas principalmente aos municípios, aponta Digiácomo. "Os prefeitos têm a faca e o queijo na mão. Eles dominam orçamento local e, até por força de Lei, tem a obrigação de agir."
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