A Controladoria Geral da União (CGU) anunciou na última semana que encontrou indícios de irregularidades em 14 licitações e obras realizadas pela Prefeitura de Maringá no ano passado. Os problemas causariam aos cofres públicos prejuízo superior a meio milhão de reais. A principal irregularidade foi a compra de materiais de construção com preço acima da média nacional, o que é proibido pela Lei. A Prefeitura nega as irregularidades (leia box abaixo).
Maringá foi uma das seis cidades paranaenses fiscalizadas pela CGU nas duas últimas edições do Programa de Fiscalização por Sorteios, que abrangeu 120 municípios de todo o país o órgão constatou irregularidades em 110, conforme relatório divulgado na sexta-feira (19).
Cada edição fiscalizou três municípios do estado. As outras cidades avaliadas foram Porto Vitória; perto de União da Vitória; Rancho Alegre, na região de Londrina; Balsa Nova, região metropolitana de Curitiba; Jardim Olinda, perto da divisa com São Paulo; e Ivaí, na região de Ponta Grossa.
Entre as licitações com problema em Maringá, estão as realizadas para a construção de dois Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Na creche Antônio Facci, situada no Jardim Quebec, houve um sobrepreço na compra de materiais de construção de R$ 82,9 mil. Para se ter ideia, a empresa que venceu a licitação pagou R$ 351,54 pelo metro quadrado de divisórias de granito, enquanto a lei permite gasto com esse item de R$ 212,50 60% a menos.
Na creche do bairro Jardim Licce, o sobrepreço na compra dos materiais somou R$ 78 mil. A empreiteira responsável pela obra gastou R$ 9,57 com o quilo de aço, enquanto o máximo permitido é R$ 6,95 diferença de R$ 2,62. Como a empresa comprou mais de mil quilos do produto, o prejuízo chegou a R$ 2,8 mil.
O caso mais grave, porém, diz respeito a obras de pavimentação asfáltica e construção de galerias pluviais nas Zonas 20 e 27 e nas Chácaras Alvorada. Os materiais que a empresa vencedora da licitação previa adquirir tinham sobrepreço total de R$ 150,2 mil. Somente nas Chácaras Alvorada, o gasto extra seria de R$ 100,8 mil, sendo R$ 73,7 mil apenas na compra de revestimento asfáltico.
O preço máximo permitido para a compra de cada item é baseado na tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil SINAPI, publicado mensalmente pela Caixa Econômica Federal. Para analisar as obras, o CGU geralmente trabalha com uma margem de 20% sobre o preço da tabela.
Os itens unitários não podem ultrapassar esse valor, a não ser que haja relatório técnico justificando o gasto extra - o que não ocorreu no caso de Maringá, segundo a CGU.
A fiscalização encontrou ainda sobrepreço no orçamento de obras de saneamento, pavimentação e construção de casas populares. No total, incluindo os gastos previstos nos orçamentos e os já executados, o prejuízo soma quase R$ 540 mil. Esse valor atinge tanto a Prefeitura quanto a União, já que as obras são custeadas com recursos municipais e federais.
Outros problemas
A CGU encontrou ainda problemas não na licitação, mas na execução de algumas obras, como a construção de seis casas geminadas no Gleba Ribeirão Morangueiro. O relatório constata, inclusive por meio de fotos, que a construção foi abandonada, o que provocou a depredação dos imóveis. "Constatou-se também que a obra, que não possui nenhum tapume de proteção, passou a ser alvo de furtos, como por exemplo, da tampa das fossas sépticas", diz o documento.
Há ainda dois casos que chamam a atenção. O primeiro é o gasto não comprovado de R$ 24,4 mil em um seminário sobre educação, realizado fora da cidade. O relatório informa que não havia, entre os documentos comprobatórios, uma relação nominal dos participantes que ficaram hospedados no hotel contratado, nem listas de presença assinadas pelos participantes do seminário. Isso impediu a comprovação de quantas pessoas participaram do evento com recursos públicos.
O outro caso é a falta de especificidade de dois editais, ambos para a execução de serviços como escavação e terraplanagem. Os editais eram muito genéricos na descrição dos serviços a serem prestados, o que impediu a CGU de avaliar se a proposta da empresa vencedora era compatível com os preços praticados pelo mercado.
Punição
Apesar de constatar as irregularidades, a CGU não tem poder para punir a Prefeitura pelas irregularidades. O relatório dos problemas é encaminhado para o Ministério que liberou os recursos, para o Ministério Público (MP), para a Advocacia Geral da União (AGU) e para o Tribunal de Contas da União (TCU), além do Legislativo municipal, a quem cabe a responsabilidade de eventuais punições.
A CGU fiscalizou, no total, 20 obras em Maringá, todas custeadas com recursos federais, além de contrapartida municipal. O trabalho foi feito entre 21 de maio e 14 de julho de 2009. A cidade foi escolhida no 28º sorteio, ao lado de Porto Vitória e Balsa Nova. No último sorteio, foram selecionados os municípios de Rancho Alegre, Jardim Olinda e Ivaí.
Observatório diz que falta gestão de qualidade
A gestão pública brasileira, apesar de adotar cada vez mais um discurso de transparência, ainda não tem a qualidade desejada. O diagnóstico é de Carlos Anselmo Corrêa, presidente do Observatório Social, ONG de Maringá que atua na fiscalização de recursos públicos.
Ele afirma que recebeu o relatório da CGU e que os indícios de irregularidade apontados causam preocupação. Ressalva, porém, que nem sempre esse tipo de problema ocorre por má fé do gestor público. "O poder público ainda adota processos antigos, que não se voltam para a economia e para a legalidade absoluta dos contratos, dois pilares da boa administração."
Corrêa acrescenta que mudar essa postura é uma obrigação dos poderes públicos. "Muitos fornecedores se aproveitam da fragilidade e vendem seus produtos pelo preço mais caro", pontua.
Ele esclarece que o Observatório não diagnosticou as irregularidades apontadas pela CGU porque foca seu trabalho em licitações de aquisição de serviços e produtos, já que não possui equipe capacitada para fiscalizar obras públicas.