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Concentração de riqueza na região Norte atrasa crescimento de cidades pequenas

A PR-445, que liga Londrina à BR-376: precariedade das rodovias do Norte do estado prejudica o escoamento da safra | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
A PR-445, que liga Londrina à BR-376: precariedade das rodovias do Norte do estado prejudica o escoamento da safra (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)
A dona de casa Cleusa Viana Pires e os cinco filhos: apesar de morar em Londrina, a segunda maior cidade e uma das mais ricas do estado, família convive com a falta de perspectivas e o futuro incerto |

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A dona de casa Cleusa Viana Pires e os cinco filhos: apesar de morar em Londrina, a segunda maior cidade e uma das mais ricas do estado, família convive com a falta de perspectivas e o futuro incerto

A família de Edna Mendonça Lima só consegue se reunir em Sabáudia nos fins de semana. Falta de oportunidades de estudo e trabalho na cidade fez com que filhos e sobrinhos se mudassem para centros maiores |

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A família de Edna Mendonça Lima só consegue se reunir em Sabáudia nos fins de semana. Falta de oportunidades de estudo e trabalho na cidade fez com que filhos e sobrinhos se mudassem para centros maiores

Veja o perfil da região |

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Veja o perfil da região

As donas de casa Edna Mendonça Lima, 53 anos, e Cleusa Viana Pires, 30 anos, não se conhecem. Mo­­­­ram em cidades diferentes, têm cotidianos diversos e expectativas de futuro distintas. Aos domingos, porém, as duas são mais felizes. Edna gosta de oferecer o tradicional almoço e reunir os filhos e parentes em Sa­­­báudia, cidade de 5 mil habitantes entre Maringá e Lon­­­drina. Já Cleusa tem o marido mais tempo em casa, descansando da cansativa rotina de servente de pedreiro. No domingo ele pega no violão, o que a faz esquecer um pouco a pobreza que cerca a família em Londrina.

A importância dos fins de semana para as duas donas de casa é o reflexo da divisão econômica da Região Norte do estado, que concentra a população, a riqueza e o desenvolvimento – bem como os problemas típicos dos grandes centros – em duas cidades: Londrina e Ma­­ringá. Essa divisão acaba afogando o potencial dos pequenos municípios, que veem a população jovem migrar atrás de oportunidades e têm dificuldades para atrair investimentos. Edna só tem a família reunida nos domingos, pois as oportunidades de trabalho e estudo são escassas em Sabáudia. Já Cleusa procura esquecer o futuro incerto: a pobreza acaba afastando a família dos possíveis benefícios de viver na segunda maior cidade do estado.

Um plano para desenvolver econômica e socialmente a região passa por uma mudança de cultura e um processo de planejamento regional, com as duas cidades-polo atuando em conjunto e integrando os municípios pequenos na atração de investimentos. "Os localismos e os bairrismos são muito fortes e arraigados e por isso não se conseguiu até hoje fazer nada regional", acredita a coordenadora do Observatório das Metrópoles Ana Lúcia Ro­­drigues, professora de Ciências Sociais da Uni­­­versidade Es­­­tadual de Maringá (UEM).

Oportunidades distintas

Moradora do Morro do Carra­­­pato, em Londrina, Cleusa é um exemplo de que a concentração leva à exclusão. Ela luta contra uma depressão há anos, depois de ver o primeiro dos cinco filhos com fome, e teme pelo futuro dos dois meninos e três meninas com idades entre 6 e 14 anos. "As crianças choravam de fome. Não tinha nem feijão", lembra.

Hoje, a fome não é o problema mais grave. É o futuro que preocupa. Com os bicos do marido na construção civil e os R$ 162 do Bolsa Família, Cleusa se vira. "Dá para comprar comida para menos de um mês e comprar o material escolar, porque sem o material escolar não dá para ficar", diz. Ela torce para que os filhos estudem e mudem a perspectiva de vida. Apesar do esforço, Cleusa tem consciência de que a riqueza e as oportunidades que Londrina oferece não chegam à família.

A Universidade Estadual de Londrina (UEL), por exemplo, uma das mais importantes universidades públicas estaduais, está perto da família, mas Cleusa não imagina seus filhos estudando lá. A universidade acaba sendo uma chance de qualificação para jovens de outras cidades, que deixam família e amigos. A concentração de emprego e renda em Londrina também atrai moradores de cidades próximas, o que diminuiu as chances da família de Cleusa.

É o caso da família de Edna. A filha dela, Francine, de 27 anos, se formou em Farmácia em Londrina e conseguiu seu primeiro emprego em Maringá. Atualmente trabalha em Ara­­­pongas, mas sonha voltar a morar perto da família, em Sabáudia, que tem apenas duas farmácias. "Aqui não tem campo. Se tivesse oportunidade, eu voltaria", diz Francine. O primo dela, Henrique, está em Londrina para estudar Zootec­­­nia e sabe que dificilmente voltará a morar perto da família. "Para mim as oportunidades estão em São Paulo", afirma.

O outro filho de Edna, Charles, faz malabarismo para não deixar Sabáudia. Ele é vendedor e a maioria dos clientes está em Londrina, mas prefere encarar a estrada todos os dias a fazer com que a mulher e o filho de 3 anos encarem a violência de uma cidade grande. "Aqui tem como acompanhar a educação dele mais de perto", diz Charles. Ele não está errado. O número de homicídios coloca a região de Londrina como uma das mais violentas do estado, com 221 mortes no ano passado, 35% acima de 2007. Os dados levam em conta o número de assassinatos dos municípios do entorno, mas eles se concentram na cidade-polo (veja abaixo).

E a violência, normalmente, explode nas áreas onde faltam oportunidades e sobra pobreza. É o caso de Londrina, terceira cidade do Paraná em renda per capita (R$ 439,35) – atrás apenas de Maringá (R$ 465,39) e Curitiba (619,82) –, mas que tem inúmeros bairros pobres, como o Morro do Carrapato. A falta de estudo e emprego para a população dessas áreas aumenta as chances de os jo­­vens se envolverem com o crime. Ao lado das filhas e algumas sobrinhas, Cleusa não sabe dizer onde estão os dois filhos mais velhos. "Estão por aí, tentando trabalho."

Trem e investimentos

Uma das maneiras de criar mais oportunidades de desenvolvimento para a região é integrar Londrina e Maringá. Um meio para isso, segundo especialistas, é melhorar a mobilidade entre as duas cidades. Depois, começar a planejar o futuro em conjunto.

Por isso a região espera que seja tirado do papel o antigo projeto de ligar as duas cidades por uma linha de trem de passageiros. Hoje, a ligação principal é pelas rodovias BR-369, BR-376 e PR-444, com duas praças de pedágio. "De carro temos pedágio. O ônibus é caro e demorado. Não temos uma grande circulação de pessoas entre as cidades. O trem daria uma melhor mobilidade entre os dois polos", defende a professora Ana Lúcia Rodrigues.

A melhoria do transporte rodoviário (leia na página seguinte), com a duplicação de alguns trechos de rodovia e a recuperação das estradas ligando os municípios pequenos às cidades polo, também são prioridades. A ideia é que, com uma mobilidade maior na região, as trocas comerciais sejam facilitadas, o que incentivaria novos investimentos nos municípios menores.

Com forte característica agrícola, a Região Norte se consolidou também como polo industrial no estado com a produção de alimentos, açúcar e álcool. Apenas Apucarana e Arapongas conseguiram quebrar a hegemonia de Londrina e Maringá e se consolidaram como polos têxtil e moveleiro, respectivamente. Porém a região quer e precisa de mais. "Os Estados Unidos fazem 92 produtos do milho. Nós pegamos o milho em um caminhão e levamos para o Porto de Para­­naguá para ser mandado para fora", reclama o prefeito de Sa­­báudia e presidente da Asso­­ciação dos Municípios do Médio Paranapanema, Almir Batista dos Santos.

Segunda região mais rica do estado tem rodovias simples

Região Norte é a segunda mais rica do Paraná, concentra um diversificado parque industrial, uma forte produção agrícola, quase um quarto da população do estado, é rota de passagem da soja e do milho produzidos no Centro-Oeste e tem um fortíssimo setor de prestação de serviços. Porém a ligação com Curitiba e o Porto de Paranaguá depende de rodovias em pista simples até Ponta Grossa. As duas principais estradas – BR-376 (Maringá/Apucarana – Ponta Grossa) e PR-445 (Londrina até a BR-376) – têm um tráfico intenso de caminhões, filas no perío­­do de safra e pedágios em alguns pontos. O único trecho duplicado é o da Serra do Cadeado, na BR-376.

Os motoristas pedem a duplicação, mas já se sentiram mais seguros com a revitalização de alguns pontos. Com 25 anos de experiência, o caminhoneiro Luiz Carlos de Almeida acredita que a ampliação dos trechos com terceira faixa na na PR-445 melhorariam as condições de segurança. "Na subida, demora para passar um caminhão pesado. A terceira faixa evitaria que carros pequenos arriscassem para podar", afirma.

A PR-445 é de responsabilidade do governo do estado. Já a BR-376 é administrada pela Rodonorte e tem um movimento médio de 6,3 mil veículos por dia (com um movimento acima de 6 mil, a duplicação já é indicada). A concessionária informou que já investiu R$ 60 milhões na duplicação no trecho da Serra do Cadeado, em 2001, e que construiu 53 km em terceiras faixas. Sobre a duplicação dos 230 km entre Apucarana e Ponta Grossa, a empresa informou que o contrato prevê que a obra seja feita entre 2015 a 2021 – na época da concessão, o custo era estimado em R$ 834 milhões.

Em uma área agrícola, o prefeito de Sabáudia, Almir Batista dos Santos, também reclama. "O governo estadual recuperou recentemente o asfalto da PR-444 (ligação de Arapongas a Maringá), mas a estrada não tem acostamento, não tem trevo, não tem viaduto, não tem área de aceleração. Imagine um caminhão bitrem com 40 toneladas entrando numa pista sem área de aceleração."

E não são poucos os caminhões bitrens que circulam no Norte paranaense. Ali são colhidas 3,6 milhões de toneladas de soja, em 1,1 milhão de hectares. Isso significa 26% de toda a produção do principal grão da pauta de exportação do Paraná. E a maioria sai de caminhão por causa do alto preço do transporte ferroviário.

Retirar a produção também é difícil. Prefeituras de municípios pequenos, com baixa arrecadação, têm dificuldade para manter as estradas rurais, o que acaba encarecendo os produtos agrícolas. "Uma máquina custa R$ 300 mil, R$ 400 mil. É [o equivalente] à arrecadação de um ou dois meses inteiros. Não tem como comprar. Precisamos da ajuda do governo federal ou do governo estadual", diz o o prefeito de Mandaguari, Cyllênio Pessoa Pereira Júnior.

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