A educação sexual tem muito para avançar em Maringá. A constatação deriva do modo como o maringaense trata, em geral, questões relacionadas ao sexo. Para a pós-doutora em educação escolar Eliane Maio, para o pós-doutor em teologia Luiz Alexandre Solano Rossi e para a mestre em história da educação Roberta Stubs, o morador da cidade é conservador. Na rede estadual de ensino, nenhuma disciplina trata sobre sexualidade, a não ser ao acaso ou em eventos, segundo o Núcleo Regional de Educação (NRE). Já entre as instituições municipais, a assessoria de comunicação da Prefeitura disse que não iria se manifestar a respeito.
Com base na carreira profissional, Eliane Maio, que é também psicóloga, professora universitária e líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual (Nudisex) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), afirma que, apesar de Maringá ser nova, muitos moradores mantêm uma educação rígida e tradicional, mantida quase que intacta desde os anos 1940, quando os primeiros pioneiros chegaram. Isto, aliado à relação estreita com as religiões, especialmente as cristãs, faz com que o modelo de família heterossexual seja o único moralmente aceito.
Esse modelo é também machista, segundo Eliane. Nele, o homem ainda detém a figura do líder familiar e responsável por determinadas funções, como o sustento da casa; à mulher cabem tarefas consideradas secundárias, como cuidar da casa e dos filhos. Esse comportamento é perpetuado na educação sexual das crianças propiciada pelos pais. "O menino, desde pequeno, é incentivado a ser viril, a trazer a namoradinha para casa. Já a menina não tem seus desejos incentivados. Ao contrário, tem de reprimi-los para ser considerada digna."
O machismo, incentivado na educação e pela religião, estimula o preconceito, considera Eliane. O exemplo que a estudiosa utiliza é o da homofobia. "Fico muito triste quando uma pessoa que diz que segue os ensinamentos de Deus exclui alguém por conta da sua orientação sexual. Acho que o ensinamento mais importante, em qualquer religião, é respeitar o próximo." Por isso, o lema que defende nas palestras que ministra pelo país é: "gente que gosta de gente".
Diferentemente do que diz o senso comum, esse conservadorismo também está enraizado no meio acadêmico. Segundo a psicóloga, apesar de existirem grupos que discutem essas questões nas universidades, existem outros que se mostram receosos. Ela lembra que, recentemente, um colega de trabalho, também professor, falou, em tom preconceituoso, que "ser gay é uma questão que está na moda e que, antigamente, não era assim".
Sobre a homossexualidade, Eliane destaca que não se trata de uma opção pessoal consciente e reta. "Muitas vezes, as pessoas têm a 'curiosidade' de saber quando o gay se descobriu. Essa questão não é diferente para o hetero. Por acaso alguém pergunta para um homem heterossexual quando ele descobriu que gostava de mulher? Não pergunta, porque considera que isso seja natural daquela pessoa."
O perfil preconceituoso é perigoso e, segundo a estudiosa, pode culminar em violência. É por esse motivo que ela defende a ampliação e o investimento na educação sexual nas escolas. "Esse comportamento [o preconceito] ocorre por falta de conhecimento, propagado de geração em geração. Se ensinarmos as crianças que o desejo é uma questão natural ao ser humano, independentemente da forma como isso é expresso, estamos promovendo a compreensão e aceitação na sociedade também."
Mulheres continuam fixadas em padrões seguidos pelas mães, diz Roberta Stubs
Roberta Stubs, também psicóloga, professora universitária na UEM e doutoranda em arte, gênero e psicologia, compartilha a mesma opinião de Eliane. Para ela, muitas mulheres continuam fixadas à ideia de que precisam seguir os padrões que as mães seguiram, o que gera submissão. "Mesmo com toda a mudança da sociedade, com a mulher saindo para trabalhar, e estando, muitas vezes, nas mesmas condições mercadológicas do homem, ela se obriga a voltar para casa e preparar a comida para o marido."
O preconceito em torno de questões da sexualidade também é permeado de contradições. Segundo Roberta, a discriminação existe até dentro de grupos que lutam por respeito e por aceitação. A explicação é de que, mesmo querendo fugir das amarras conservadoras, alguns grupos acabam enlaçados pela ideia de padrão. Para exemplificar, ela cita o grupo LGBT, no qual algumas pessoas pensam de modo individualista. "Que fique claro, isso não representa todos, mas existe, lá no meio, quem luta pelos direitos, mas que afasta os direitos do outro. Defende o homossexual, mas exclui o travesti. Essa é a reprodução da exclusão."
Quanto à religião, a doutoranda é enfática ao dizer que não existe preconceito velado. É, sim, escancarado. "Tivemos um exemplo em Maringá há tempos. Quando fizeram um cartaz da Parada Gay com as cores do arco-íris saindo da catedral, a Igreja Católica deixou bem claro seu posicionamento. Foi contrária. Isso mostra o domínio da religião como sendo um dos pontos de conservadorismo quando se fala em sexualidade."
Roberta também defende que a educação sexual é importante, não para promover a tolerância, termo que ela julga inadequado, pois demarca posição de poder, mas, sim, para a aceitação das diferenças. "Desde cedo, a criança precisa ter intimidade com a diferença", diz. "Se a gente limpasse a moralidade do certo e do errado e incorporasse isso à educação das crianças, tudo ficaria mais simples."
Religiões não podem carregar fardo do conservadorismo sozinhas
O pós-doutor em teologia e professor Luiz Alexandre Solano Rossi concorda que o maringaense é, de modo geral, conservador. No entanto, ressalta que as religiões, notadamente as cristãs, não podem, sozinhas, carregar o fardo dessa característica. Apesar de muitos enxergarem as religiões de modo negativo nesse aspecto, há líderes religiosos e fiéis que criam espaço para discussões e reflexões, lançando um outro olhar sobre a atualidade, na cidade.
Rossi garante que a religião pode servir como instrumento de libertação. O exemplo que utiliza é o do Grupo de Diálogo Inter-religioso (GDI), que une oito diferentes religiões. O grupo, criado em 1997 pelo Movimento Ecumênico do Município, busca estabelecer relações de amizade e fraternidade entre as crenças e discutir, a partir disso, cenários do cotidiano. "São bispos, pastores, muçulmanos, entre outros, que convivem fraternalmente. É a prova de que não é preciso afirmar a própria identidade religiosa ou negar a do outro para viver e conviver em sociedade."
Entre as questões mais polêmicas dentro do universo da sexualidade, Rossi cita a união civil entre pessoas do mesmo sexo, autorizadas no Paraná. Na previsão dele, neste ponto, as religiões permanecerão conservadoras. "O casamento religioso entre homem e mulher já é um padrão enraizado na sociedade, e não somente no catolicismo. A Igreja Católica não vai mudar, porém [a Igreja] não vai deixar de acolher e amar as pessoas que a sociedade apresenta como diferente."
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