Em oito anos do programa Bolsa Família, 5 milhões de famílias deixaram o programa, que hoje atende 12 milhões de lares em todo o país. A parcela beneficiárias que abriu mão do auxílio porque efetivamente melhorou de renda e deixou de fazer parte do público-alvo, porém, não chega à metade. A estimativa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) mostra que apenas parte dos objetivos do Bolsa Família são cumpridos. Apesar das prerrogativas do programa incluírem o desenvolvimento das famílias e a superação da situação de vulnerabilidade social, o alívio imediato da pobreza, por meio da transferência de renda, ainda permanece como o principal eixo do Bolsa Família. Hoje, os valores mensais pagos variam de R$ 32 a R$ 242, dependendo da renda da família e do número de crianças e adolescentes em casa.
Como contrapartida, as famílias devem assumir compromissos, garantindo a presença das crianças e jovens na escola e acompanhando a saúde infantil de perto. São essas condições que acabam por retirar algumas famílias do programa em julho, 15 mil tiveram os repasses cancelados porque os filhos são reincidentes em ausências à escola. Mesmo os impactos dessas condições, porém, são colocados em xeque por pesquisadores.
Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Eliana Magalhães, apesar de o Ministério do Desenvolvimento Social pregar a emancipação das famílias por meio do programa, o resultado do Bolsa Família neste quesito "ainda é uma incógnita". "Como meio de transferir renda para suprir as necessidades básicas das famílias, o Bolsa Família cumpre seu papel. Agora, não se pode cobrar mais nada dele. A integração de políticas públicas para alavancar o desenvolvimento das famílias não se fez presente nesses oito anos", avalia a pesquisadora.
Função
O economista Rodrigo Coelho, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), reforça que só se pode cobrar do Bolsa Família "aquilo a que o programa se propõe e está organizado para dar". Nesse sentido, na visão do pesquisador, o benefício atinge seu objetivo, considerando que o programa tem como fim oferecer recursos para as famílias mais pobres sobreviverem. "Quando você fala em pobreza, não fala só da emancipação financeira", defende Coelho. "Para a família conseguir sair dessa condição, é preciso atingir níveis adequados de saúde, moradia e educação, questões que não se pode cobrar do Bolsa Família, que é um programa que transfere dinheiro para as pessoas".
Para pesquisadores da área, é consenso que a transferência de renda por si só, apesar de necessária, precisa ser integrada por serviços oferecidos pelos próprios municípios, principalmente na área assistencial. A mestre em Sociologia Jucimeri Isolda Silveira, professora do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), lembra que é preciso resistir à tentação de promover uma "gestão da pobreza", ao acreditar que repasses financeiros, sozinhos, resolvem o problema do Brasil. "Sem políticas de desenvolvimento sociais efetivas o Bolsa Família deixa de ser potencializado. O fato de o Brasil ter reduzido a pobreza não significa que estamos dando saltos significativos na redução da desigualdade", afirma.
Projeto prevê trabalho voluntário para bolsista
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira o projeto de lei que condiciona o recebimento do Bolsa Família à prestação de trabalho voluntário. Segundo a proposta do deputado Lincoln Portela (PR-MG), ao menos uma pessoa da família deverá se engajar em projetos sociais. O objetivo, de acordo com o parlamentar, é "estimular a solidariedade e a consciência de cidadania".
O projeto, aprovado em caráter conclusivo, passará por votação agora no Senado. O Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) afirma que vai acompanhar a tramitação do projeto, mas já adianta que é contra a proposta. O ministério avalia que as condições devem ser universais e que o fato de nem todos os municípios oferecerem trabalhos voluntários dificulta a aplicação da proposta.
A obrigatoriedade do trabalho voluntário também encontra resistência de profissionais que atuam em entidades assistenciais sem fins lucrativos e ONGs. Advogado especializado em Direito Público e Tributário e Terceiro Setor, Arcênio Rodrigues da Silva afirma que, caso seja aprovado no Senado, o projeto será mais uma lei sem aplicação prática. "O voluntariado, pelo seu próprio conceito, não pode ser uma obrigatoriedade. O trabalho voluntário parte de uma decisão tomada de livre e espontânea vontade", defende. "O governo não terá como cobrar essa obrigação dessa família, multá-la ou retirá-la do programa".
A crítica é compartilhada pela analista do Centro de Ação Voluntária (CAV) de Curitiba Maria de Lourdes Peixoto Drabik, que há 13 anos intermedia a ação de voluntários junto a entidades sem fins lucrativos. "Antes, teria que haver uma conscientização, um trabalho mais profundo com essas pessoas. O voluntário não pode ver sua atuação como uma obrigação, mas sim como algo prazeroso."