Importância
Não registro dificulta planejamento
O registro de Boletim de Ocorrência é fundamental para aprimorar as políticas públicas na área de segurança, como explica Pedro Bodê, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFPR. "O registro mostra a quantidade de crimes que ocorrem no estado, o que fundamenta planos de ação", diz ele.
Segundo o delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Vinicius Michelotto, os registros só irão aumentar quando a credibilidade da polícia for resgatada. "Mesmo assim é preciso que a populaçãos se conscientize da importância de fazer o B.O.", explica.
Sobre o fato de a polícia não investigar todos os boletins registrados, ele ressalta que os investigadores vão, sim, atrás dos casos. De acordo com o delegado, muitas vezes um bandido preso significa a resolução de diversos crimes. "Procurem a polícia e registrem os crimes: isso é o que vai melhorar o planejamento policial e aprimorar a qualidade da segurança."
"Dê graças a Deus que você está viva". Foi com essa frase que um policial atendeu, em maio deste ano, a funcionária de uma escola de Curitiba, Rosane*, 32 anos, ao chegar à delegacia. Ela havia acabado de sofrer um assalto seguido de tentativa de homicídio quando esperava o ônibus no bairro Campo Comprido.
Além do trauma físico e psicológico, a funcionária convive até hoje com a sensação de que fazer o Boletim de Ocorrência (B.O.)não tem a mínima importância quando não há interesse da polícia em investigar. O pensamento de Rosane representa a ideia de pelo menos 3 em cada 4 paranaenses vítimas de crime, segundo recente levantamento do Paraná Pesquisas. Entre os 1.505 entrevistados em todo o estado, 20% já foram vítimas de furtos e roubos. Desse total, em Curitiba, 76% não registraram o boletim. No interior, essa cultura é ainda mais arraigada. Segundo o estudo, 81,5% das vítimas não foram até a delegacia registrar o caso.
Para o coordenador do Núcleo de Estudos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, a questão só será resolvida quando a polícia ganhar a confiança da população. "O número de não registros é inversamente proporcional à crença das pessoas de que o boletim possa fazer alguma diferença", explica. "Nos casos de registro criminal, as pessoas têm ainda mais resistência para se relacionar com os órgãos. Eles não se aventuram a fazer os boletins porque têm de enfrentar burocracia demais ou recebe um péssimo tratamento."
A explicação do especialista vai ao encontro do que ocorreu com Rosane: o pouco caso e a falta de respeito são os principais fatores que levam os cidadãos a não registrarem B.O. quando são vítimas de crime.
Ao chegar no distrito, após a frase nada receptiva do policial, ela informou que teria condições de fazer um retrato falado, além de fornecer o número da placa do carro usado pelo criminoso na fuga. Mesmo assim, o policial não deu qualquer indicativo de que o caso seria investigado.
Segundo ela, a violência do ato e o descaso da polícia deixaram marcas que dificilmente serão superadas. O criminoso a espancou depois de ouvi-la gritar e os passageiros do ônibus não reagiram diante da cena. A polícia também ficou inerte.
Sem esperanças de que o criminoso será realmente impedido de cometer a mesma brutalidade com outras vítimas, ela divide sua rotina de trabalho com sessões de terapia psicológica. Rosane tem pânico de sair às ruas e um trauma causado pela facada que levou no pescoço durante o assalto, que resultou em 15 pontos. "Por dois centímetros poderia não estar viva hoje. E ele simplesmente queria levar minha bolsa", diz revoltada.
Burocracia na delegacia atrapalha notificação
Diferentemente do caso de Rosane, a nutricionista Flaviani Andrade de Lara, 27 anos, não procurou a delegacia depois da violência sofrida simplesmente porque acreditou que "não ia dar em nada". Porém hoje afirma que gostaria de que os casos fizessem parte das estatísticas da violência e que as informações pudessem servir à polícia para confirmar a vulnerabilidade de determinados pontos da cidade.
Ela teve o carro arrombado próximo à Praça do Japão, no Batel, em 2010. O registro do B.O. não foi feito ao perceber a fechadura danificada e a bagunça no interior do veículo porque já era tarde da noite. No entanto, ligou para o 190 para informar o ocorrido. Para sua surpresa, ao procurar um distrito, soube que o registro teria de ser feito na Delegacia de Furtos e Roubos ou no 1.º Distrito, na região central, em Curitiba. Flaviane mora em Almirante Tamandaré. "Se qualquer delegacia civil pudesse receber as informações seria mais prático."
Criminalidade baixa
Paulo* tem um sítio no município de Campo Magro, na região metropolitana, e já viu o sofrimento de vizinhos quando o assunto é procurar a delegacia. Segundo ele, o bairro Boa Vista é um dos mais populosos da cidade, porém o distrito policial mais próximo fica distante em torno de 30 quilômetros. "O índice de criminalidade lá é baixo e será por toda a vida porque as pessoas nem sempre tem condições de se deslocar até o distrito".
*nome fictício.
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