As histórias
Quase tão bom quanto ouvir um disco de André Christovam é ouvir suas histórias. Sem a verve e a descontração de uma conversa, tento aqui reproduzir algumas delas:
André morava em uma pequena vila na Pompeia, em São Paulo, e tinha como vizinhos próximos, de infância, Luiz Sérgio Carlini (guitarrista e compositor das bandas Tutti Frutti e Camisa de Vênus) e dos irmãos Sérgio e Arnaldo, que na adolescência, junto com Rita Lee, formaram a banda Os Mutantes.
Em 1974, André estudava violão clássico e regência, quando, vitorioso em uma aposta, ganhou como prêmio o disco The London Howlin Wolf Sessions. Por causa desse disco e, mais precisamente, da guitarra de Hubert Sumlin, decidiu tocar blues.
No show com Taj Mahal, o americano foi passar o som e, após algum tempo, pediu para tocarem um calipso. Tocaram. Exigiu que a música tivesse os arranjos escritos. Mahal então perguntou se a banda costumava tocar muitos calipsos e ouviu como resposta que aquela havia sido a primeira vez. O americano saiu de forma ríspida e passou a discutir fortemente com seu agente. Christovam ficou preocupado e pensou que ele não tinha gostado da banda. Depois, o americano explicou que há tempos tentava tocar o calipso com sua própria banda e ninguém conseguia.
Nos shows pelo Brasil, Hubert Sumlin não cansava de elogiar Christovam e banda e queria tocar com eles no exterior. Um dia, Christovam recebeu um telefonema de Hubert, falando com um estranho eco ao fundo da ligação. Voltou a convidar os brasileiros para tocarem com ele no Japão e avisou que faria um show naquela noite no Garden. "Eu não me liguei que bar era aquele do Garden, então perguntei se era um bar novo, que eu não conhecia. Ele falou que era no Madison Square Garden, o tradicional local de Nova York, que o show seria com os Rolling Stones e que, na verdade, estava falando do telefone da limusine do Keith Richards."
Em 2002, em um 25 de abril outonal em Porto Alegre, o guitarrista brasileiro André Christovam subia ao palco com seu ídolo, Hubert Sumlin, o lendário guitarrista da banda do bluesman norte-americano Howlin Wolf. No ensaio anterior ao show, Sumlin tinha se mostrado um tanto tímido e tocado tão baixo que toda a banda também se viu obrigada a baixar o som dos instrumentos. Christovam lembra de como foi o início da apresentação: "Ficamos um pouco preocupados, pois ele parecia distante, na dele. Eu falei para o Fábio [Zaganin, baixista, que, junto com o baterista Mario Fabre, formava a banda de apoio] para ficarmos tranquilos, começar com calma que o show iria engrenar. Subimos ao palco e, na primeira música, o Hubert colocou o amplificador dele no 10 [volume máximo]. Nossos instrumentos soaram baixo e então, todo mundo teve de pôr o volume também no máximo. Ficou um som muito alto. Na terceira música eu já estava rouco. Mas foi incrível."
Agora, 11 anos depois, esse show finalmente chega ao público. Faz parte de um pacote de cinco discos que devem ser lançados por Christovam até o final do ano. Até aqui, além do Live in POA, também foram relançados Mandinga (1989), The 2120 Sessions (1991) e Banzo (2002). Todos estavam fora de catálogo, foram remasterizados e chegam às lojas pelo novo selo paulistano Substancial Music.
Também deve ser lançado mais um álbum inédito de um show com o guitarrista Taj Mahal, no Heineken Concerts, gravado em 2000, no Bourbon Street, em São Paulo e reedições de A Touch of Glass (1990) e Catharsis (1996).
Os discos
Mandinga é a estreia em disco do guitarrista e foi, talvez, o álbum de blues mais vendido no Brasil em todos os tempos. Nesse relançamento, há a faixa bônus "Legítimo Pedaço de Cristo", com interpretação de Lenine. Em The 2120 Sessions, Christovam reuniu, em sessões de gravação no estúdio que dá nome ao disco, em Chicago (EUA), os músicos Jerry Porter (bateria) e J. W. Williams (baixo e vocal), que eram a "cozinha" da banda de Buddy Guy, além de B. B. Odon nos vocais.
Banzo é o preferido do guitarrista e marcou uma mudança em sua carreira: a adição de influências de jazz e música brasileira à pegada blues. Já Live in POA traz um repertório de clássicos, em especial do disco The London Howlin Wolf Sessions (1970), obra que fez André se interessar pelo blues, particularmente pelo jeito que Hubert Sumlin tocava guitarra. "As primeiras músicas que eu tirei foram dele", revela o bluesman brasileiro, completando o elogio: "O Hubert inventou tudo o que se precisa saber para tocar blues, todos os riffs são dele."
Relançamentos
Mandinga, The 2120 Session, Live in POA with Hubert Sumlin e Banzo. André Christovam. Substancial Music, R$ 29,90 (cada). Blues.
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