Um projeto de lei que está em via de tramitar no Congresso Nacional pretende endurecer as sanções contra a clandestinidade no serviço de segurança privada em todo o país. Batizado de Estatuto da Segurança Privada, o texto prevê a criminalização das empresas e dos agentes que atuarem na atividade irregularmente, sem cadastro e sem acompanhamento da Polícia Federal (PF). Quem contratar grupos clandestinos também será penalizado, com multas e interdição do estabelecimento. Estima-se que mais de 1,5 milhão de agentes de segurança atuem de maneira irregular no Brasil, o dobro do número de profissionais legalizados.
A discussão se acentua no momento em que o setor de segurança privada se expande, na esteira do medo da população: o segmento cresceu 14% em 2012, faturando R$ 25 bilhões em todo o Brasil. No Paraná, o número de vigilantes legalizados em ação aumentou 20% em um ano, chegando a 27 mil agentes privados.
No encalço dos legalizados, a clandestinidade avança na mesma proporção. Entre as hipóteses para explicar o crescimento estão a falta de efetivo para fiscalização e as leis brandas. Hoje, as sanções às empresas de segurança clandestinas são meramente administrativas. Os vigilantes irregulares a não ser que portem armas e as pessoas que contratam os serviços não sofrem qualquer tipo de pena. "Os instrumentos que existem hoje não coíbem as ações, porque não há um crime específico para isso", avalia o procurador Raphael Otávio Bueno dos Santos, do Ministério Público Federal (MPF) de Paranavaí.
A atuação dos clandestinos não se restringe a pequenos eventos e estabelecimentos. Exemplos não faltam. Em fevereiro, a PF flagrou seis vigilantes não cadastrados atuando em estandes do Show Rural, uma grande feira agropecuária realizada em Cascavel. Em Paranavaí, o MPF chegou a atuar para garantir que prefeituras da região contratassem apenas empresas legalizadas para trabalhar em eventos municipais.
Prisão
O Estatuto da Segurança Privada prevê multas de até R$ 30 mil para quem contratar segurança clandestina e pena de até quatro anos de reclusão para empresas de segurança irregulares. Para os agentes que atuam ilegalmente, a previsão é de até dois anos de detenção. Elaborado por uma comissão tripartite (formada por membros do Ministério da Justiça, de sindicatos de vigilantes e de empresas do setor), o projeto passa pela última revisão, na Casa Civil. De lá, deve seguir para o Congresso, com expectativa de aprovação no início do segundo semestre.
Responsável por fiscalizar o setor, a PF considera que o estatuto ajudará a coibir a atuação ilegal. "Quem contrata deve se preocupar em procurar uma empresa legalizada", avalia o agente Wilson Ferreira Bonfim, chefe da Delegacia de Segurança Privada da PF no estado.
Processo de formação está mais rigoroso
Desde o fim do ano passado, com a Portaria n.º 3.233 da Polícia Federal (PF), o processo de formação dos vigilantes está mais rigoroso. O curso básico, que era de 160 horas, passou a ter 200 horas. As disciplinas também foram atualizadas, principalmente com enfoque em crime organizado e sistemas eletrônicos de segurança. Os cursos de reciclagem que os profissionais têm de frequentar a cada dois anos também foram ampliados.
"Com o aumento do rigor, vamos ter uma categoria mais profissionalizada. Todas as exigências garantem não só um serviço de qualidade, mas que o contratante leve para a empresa um profissional de confiança.", afirma o presidente do Sindicato dos Vigilantes de Curitiba e Região, João Soares.
Para exercer a profissão, além de passar pelo curso básico, os vigilantes precisam ser cadastrados pela PF. Para isso, não podem ter antecedentes criminais. As empresas também necessitam de autorização da PF para funcionar. Há cursos de extensão específicos para atuarem em transporte de valores, escolta armada, segurança pessoal, agente de grandes eventos e para portar armas não letais.
Contraponto
Para coronel, é exagero criminalizar se não houver alternativas
O ex-secretário nacional de Segurança Pública coronel José Vicente da Silva vê com ressalvas alguns pontos do Estatuto da Segurança Privada. Ele critica o fato de o projeto restringir a segurança privada à figura do vigilante, sem prever um profissional intermediário, como um auxiliar de segurança pública. Silva menciona os casos de Londres e Nova York, onde universitários e aposentados atuam como agentes complementares.
"Em estádios, escolas e clubes, por exemplo, não precisa ter um vigilante. Você poderia contar com auxiliares de segurança treinados, cadastrados pelo poder público local e conectados à autoridade policial. É um exagero criminalizar a clandestinidade se não houver alternativas", ponderou.
Londres desenvolveu um modelo que foi bem avaliado e que vem sendo incorporado por outras cidades do mundo. Os auxiliares de segurança chamados de "stewards" são cadastrados pela prefeitura e passam por um treinamento rápido. São identificados por um colete colorido e se notabilizaram por sua atuação em estádios de futebol.
"Você não precisa pôr um policial para revistar mochilas na entrada de estádios. É um trabalho de orientação. Coloca-se um steward, que resolve. O custo é um terço de um vigilante. Mas, infelizmente, o Estatuto está focado no interesse das empresas do setor", disse. Vicente da Silva revela ainda que é preciso melhorar a fiscalização do setor privado de segurança, considerada por ele "precária". Ao mesmo tempo, ele entende que é preciso minimizar o número de vigilantes armados. "Mais de 20% das armas nas mãos de bandidos foram furtadas ou roubadas de agentes privados de segurança. Parte-se do pressuposto equivocado de que os agentes privados aumentam a segurança, quando não é nada disso", criticou.
Copa do Mundo
Vigilantes terão treinamento especial para grandes eventos
De olho na Copa das Confederações e na Copa do Mundo, o Brasil também começou a definir padrões para a segurança privada em grandes eventos. A resolução 3.233, editada pela Polícia Federal (PF) em dezembro do ano passado, determina que os vigilantes passem por um curso complementar para atuar nos estádios, em shows, apresentações e feiras agropecuárias.
A nova regra considera grandes eventos aqueles com público superior a 3 mil pessoas. O curso de extensão tem carga de 50 horas e aborda disciplinas como gerenciamento de público, gestão de multidões e situações emergenciais.
"Esse preparo é fundamental, principalmente quando se pensa nos grandes eventos internacionais que o país vai receber", define o presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Paraná, Maurício Smaniotto.
A portaria da PF também regulamenta o segmento de sistemas eletrônicos de segurança. A norma determina que os equipamentos sejam instalados por empresas especializadas. Os sistemas não podem ser vendidos, mas fornecidos pelas empresas por comodato. "Segurança eletrônica não se compra em balcão. É preciso uma profunda análise do local para que a cobertura seja garantida", avalia a presidente da Associação Brasileira de Empresas de Segurança Eletrônica, Selma Migliori.
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