Os passos se arrastam em meio à escuridão. Mas a dor irreparável ainda faz Inês Moraes levantar da cama no meio da madrugada à procura do filho, sepultado no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Igor tinha 13 anos quando tudo aconteceu. Queria ser jogador de futebol, mas teve sua vida interrompida por Wellington Menezes de Oliveira, que invadiu seu colégio e cometeu o crime que ficou conhecido como o Massacre de Realengo.
Em 7 de abril de 2011, doze crianças foram mortas dentro da Escola Municipal Tasso da Silveira. Outras 12 ficaram feridas. Passados cinco anos da tragédia, que serão lembrados nesta quinta-feira (7) com ato ecumênico, a falta de segurança nas escolas ainda preocupa pais e alunos da rede pública, e entristece quem perdeu parentes no episódio que chocou o país.
“Nada foi feito, nada mudou. O verdadeiro culpado é o poder público, que não tomou providências antes nem depois. Dentro das escolas as crianças têm que estar seguras. Minha filha pagou com a vida. Para mim, não foi fatalidade. Quantas crianças terão que pagar com a vida para que haja mudanças?”, questiona Adriana Machado, presidente da Associação Anjos de Realengo, que reúne parentes das vítimas do massacre.
Para Adriana, mãe de Luiza Paula, a falta de porteiros deixa as escolas mais vulneráveis. Hoje, nas unidades municipais e estaduais, não há profissional para vigiar o entra e sai. Na Tasso da Silveira, porém, um guarda municipal toma conta do portão.
A prefeitura chegou a contratar porteiros para todas as escolas após o massacre, mas o contrato com a empresa terceirizada terminou há dois anos. Desde então, merendeiras, professores e até pais de alunos já tiveram que vigiar a entrada das unidades. Segundo a Secretaria de Educação, foram montadas estratégias para garantir o serviço na portaria, sem contratar empresa terceirizada. O órgão diz que, além de comprar porteiros eletrônicos e programar a ronda escolar feita pela Guarda, profissionais tiveram que passar por readaptação.
Colégios sem porteiros
Nas escolas estaduais, a situação é praticamente a mesma. Segundo a Secretaria estadual de Educação, o contrato com a empresa que fazia o serviço venceu pouco antes do início deste ano letivo, deixando vagos os postos de 2.225 porteiros. De acordo com o órgão, enquanto a nova licitação não é realizada, outros profissionais estão sendo remanejados para a função. Diante da grave crise financeira do estado, informou também que aguarda a disponibilidade de recursos para dar início à concorrência pública.
“Os portões estão abertos para qualquer um. É tudo fácil demais”, lamenta Adriana.
Hoje, Adriana não se cansa de repetir o lema da associação: “Lembrar é reagir; esquecer é permitir”. Nesta quinta-feira (7), o ato ecumênico ao lado da escola começará às 8h10, horário em que o assassino deu início ao massacre. Durante quase 12 minutos, fez 66 disparos, com um revólver em cada mão. Wellington acabou baleado por um policial na barriga e, caído no chão, se matou com um tiro na cabeça.
Inês ainda mal consegue falar sobre a tragédia. Ela olha para cima e respira fundo. Com depressão, reclama da dificuldade para conseguir acompanhamento de saúde:
“A Clínica da Família (em Realengo) e o posto de saúde (em Sulacap) não têm psiquiatras. Também faltam medicamentos”.
Entre os sobreviventes, Thayane Tavares ficou paraplégica, Luan Pereira perdeu a visão do olho direito e outros ainda lidam com doenças, como transtorno do estresse pós-traumático. Há casos como o de Brenda, que, aos 18 anos, está no primeiro período de educação física. Ela sobreviveu ao se fingir de morta. Mas sua família acabou devastada: a irmã gêmea, Bianca, não escapou de Wellington; a mãe, afundou-se nas drogas; o pai, morreu em acidente de moto em 2014 e, menos de um mês depois, o irmão mais novo, de 10 anos, teve um infarto fulminante.
Um filho para amenizar a dor
Hoje, Brenda mora com o filho de dois anos, em Realengo, em uma casa comprada com a indenização dada pela prefeitura:
“Mesmo sendo nova, resolvi engravidar. Eu me sentia muito sozinha. Achava que ele poderia amenizar minha dor. Meu filho é minha maior alegria. Acho que é a única coisa que tenho na vida. Se não fosse por ele, não suportaria tudo o que passei”.
Ao passar pela frente da escola, Thayane, que ficou paraplégica, suspira. Assim como Brenda, ela estava na segunda sala em que o atirador entrou. Hoje, aos 18 anos, Thayane cursa o primeiro período de Direito, pratica canoagem e sonha em ser delegada.
“Passa um filme na minha cabeça. Não dá para esquecer. Não conseguia acreditar que aquilo era verdade. Todos os anos, na madrugada do dia 7, choro tudo o que tenho para chorar. Preciso chorar, me libertar e pronto. Depois, continuo seguindo minha vida normal”, afirma a jovem, que faz tratamento para sair da cadeira de rodas.
Na tentativa de ajudar alunos e professores a superarem o trauma, a Tasso da Silveira foi transformada em uma nova escola. Seis meses após o massacre, passou por uma reforma de R$ 8,7 milhões. A entrada do prédio, que ganhou um anexo e uma nova fachada, também mudou de rua. Em setembro do ano passado, as doze crianças mortas foram representadas em estátuas instaladas ao lado do colégio, numa praça batizada de Anjos de Realengo.
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