Fernanda Joly e seu bebê, Yago, na Maternidade do Bairro Novo| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

No extremo sul de Curitiba, o Sistema Único de Saúde (SUS) se aproxima de uma revolução no parto. Nos últimos dois anos, a Maternidade do Bairro Novo atingiu a taxa de 75% de partos normais, a dez pontos de atingir a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS). O segredo do sucesso não é nenhum aparato tecnológico de ponta; e sim o capital humano. Medidas simples ajudam a “humanizar” o nascimento, com o auxílio das próprias gestantes e de seus acompanhantes.

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10% a 15%

É a taxa ideal de cesárea considerada consenso na comunidade científica nas últimas três décadas. A proporção foi estimada em um congresso da Organização Mundial de Saúde realizado no Brasil, em 1985. No entanto, no ano passado a OMS posicionou-se pela revisão do dado para baixo. No Brasil, a média de cesáreas chegou a 55,4% em 2013, segundo informações do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos sistematizadas pela Coordenação de Epidemiologia e Informação (CEInfo) de São Paulo.

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É o caso da ocitocina (hormônio que estimula contrações), aplicado em forma de soro somente em casos em que é realmente necessário. No lugar do medicamento, enfermeiras e técnicas orientam a paciente em técnicas de relaxamento. Além de estimular a produção natural do hormônio, ajuda a minimizar a dor.

“O que você precisa no parto é de cuidado, porque o bebê nasce sozinho”, resume Marcelexandra Rabelo (conhecida como Marcele), uma das seis enfermeiras obstétricas do Bairro Novo, hoje coordenadora da equipe.

O centro cirúrgico fica na penumbra, com luz reduzida e sons de relaxamento. A mãe é instruída a caminhar, não ficar de jejum e aprende posições que aliviam a dor, como o quatro apoios. O acompanhante é incentivado a participar de todo o processo e até ajuda na hora de fazer massagem, se a mãe quiser.

Apenas 11% dos partos normais na Maternidade do Bairro Novo são em litotomia (posição em que a mulher fica deitada de costas, com as pernas em 90º). Os outros 89% são em posições verticalizadas. A episiotomia –corte vaginal para facilitar a passagem do bebê – ficou restrita, no ano passado, a 9% dos partos normais realizados.

O médico só é convocado nos casos em que pode haver algum tipo de complicação clínica. Por lei, enfermeiras podem ser responsáveis pelo parto, desde que tenham formação em obstetrícia.

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Doulas comunitárias acompanham na hora do parto

Além do acompanhante e da equipe médica, as mães contam com o apoio de doulas. São mulheres da comunidade, que se revezam para orientar as mães na hora do parto. Ajudam tranquilizando a gestante e fazendo massagens para alívio da dor, por exemplo. Por estar vinculada ao SUS, a maternidade não permite a presença de doulas particulares, contratadas pela mãe. Para 2016, o plano é formar novas doulas comunitárias e expandir o serviço.

Após o nascimento, o bebê é levado imediatamente ao colo da mãe. O contato “pele a pele” dura cerca de uma hora, e neste período há o incentivo à amamentação. O cordão umbilical é cortado entre o 1.º e 3.º minuto de vida, e não imediatamente após o nascimento. Após quatro horas, o primeiro banho, em um balde. Nas 48 horas que se seguem até a alta, o recém-nascido fica no quarto.

Essas medidas não foram inventadas no Bairro Novo. São parte de uma cartilha de “boas práticas para o parto e nascimento”, preconizada pela OMS, e adotada pelo Ministério da Saúde, no Brasil, em especial após a implantação da Rede Cegonha, em 2011.

Um dos desafios da equipe é a conscientização. Por regra, o pré-natal pelo SUS é feito na Unidade Básica de Saúde (UBS), e muitas mães desconhecem os princípios da “humanização”. A maternidade faz uma consulta na 37.ª semana de gestação, em que a paciente conhece o local e monta o plano de parto, documento em que lista o que gostaria ou não que ocorra na hora do nascimento.

Entre outubro e novembro do ano passado, as residentes de enfermagem fizeram um mutirão nas UBS do Boqueirão, Pinheirinho, Bairro Novo e Sítio Cercado, bairros atendidos. O objetivo era ter um papo “olho no olho” com as profissionais que acompanham a gestante no pré-natal, explicar “a filosofia voltada ao atendimento humanizado, que na verdade é o parto respeitoso”, explica Marcele.

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“Muito bem tratada”

 

Fernanda Joly chegou às 2h da madrugada na Maternidade do Novo Mundo. Era o dia 13 de janeiro, que seria coroado com a chegada de Yago, seis horas depois. No tempo em que esperou (já meio impaciente, “queria que ele nascesse logo”), Fernanda ganhou massagem, tomou banho, caminhou. E esperou. Não tinha ideia do que era “parto humanizado”, mas resumiu nas suas palavras: “fui muito bem tratada”. Michael Carvalho, o pai, ficou junto o tempo o todo. E descobriu que, mesmo como acompanhante, podia participar de tudo. E não ficar só aguardando na sala de espera. Atleticano, Yago nasceu com 52 cm e 3,9 kg. É o primeiro filho do casal.

Histórico

Construído pela Prefeitura de Curitiba em 1996, o Centro Comunitário Bairro Novo era administrado pelo Hospital Evangélico quando passou para as mãos do município, em março de 2013. A Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde (Feaes) assumiu a gestão e contratou as primeiras enfermeiras obstétricas no final de 2013. Os métodos humanizados começaram a ser implantados em 2014. De lá para cá, a média de partos normais é de 75%, e chegou a passar de 80% em maio de 2014 e agosto de 2015.