O Ministério da Educação (MEC) tem resistido a homologar um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre o atendimento educacional de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). O motivo é que a pasta tem sofrido pressão de grupos da esquerda que são contra qualquer tipo de intervenção técnica quando se trata da educação de pessoas com deficiência, ainda que haja evidências científicas que mostrem o contrário.
O parecer nº 50/2023, aprovado por unanimidade pelo CNE, foi devolvido pelo MEC para uma nova rodada de discussões, como tentativa de diálogo, com os movimentos contrários. Os pontos que sofrem mais resistência incluem a necessidade de um acompanhante especializado em sala de aula e a elaboração de um plano educacional individualizado.
Embora o documento tenha caráter orientador e não estabeleça diretrizes obrigatórias, os consultores responsáveis afirmam que atualmente não há uma orientação mínima, por exemplo, sobre os critérios básicos que uma escola deve seguir para atender adequadamente uma criança autista. O movimento #homologaCamilo busca o MEC para trazer mais adesão ao documento. Uma foto da reunião sobre o parecer, publicada no Instagram do ministro da Educação, Camilo Santana, recebeu mais de 50 mil comentários com a hashtag.
Parâmetros de educação inclusiva baseada em evidências científicas
Lucelmo Lacerda, psicopedagogo e doutor em Educação pela PUC-SP, explica que algumas correntes educacionais que apoiam a inclusão total veem as intervenções como desrespeito às crianças com deficiência. Para esses grupos, não deve haver qualquer tipo de adaptação técnica, mas apenas um acolhimento respeitoso em sala de aula seria o necessário.
“Eles são contrários até mesmo ao fato de ser um documento direcionado ao autismo. Ao selecionar um público, nós olhamos para a especificidade e características daquele grupo. Como para eles basta apenas ser compreensivo e respeitoso, isso não dependeria do diagnóstico da criança”, complementa. Lacerda foi um dos consultores responsáveis pela elaboração do documento.
O parecer 50, como é conhecido informalmente, estabelece parâmetros básicos para garantir que pessoas com TEA tenham acesso, permanência, participação e aprendizagem em seu processo educacional. Com critérios objetivos, as partes envolvidas – como escolas, profissionais da educação e pais de crianças atípicas – podem avaliar se os serviços oferecidos estão de acordo com o esperado.
Os parâmetros foram estabelecidos com base nas evidências científicas disponíveis. “Por exemplo, uma escola que recusa um aluno com autismo severo já queimou na largada. Deve haver também critérios relacionados à aprendizagem que permitam avaliar se a criança está aprendendo ou está apenas frequentando a sala de aula”, esclarece Flávia Marçal, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará. Assim como Lacerda, Marçal também foi uma das responsáveis pela construção do documento.
Em 16 anos, os diagnósticos de autismo aumentaram 400% nos Estados Unidos. A medicina ainda não descobriu as razões exatas para essa explosão de diagnósticos nos últimos anos, o que dificulta a realização de pesquisas sobre o tema.
Educadores se opõe à construção de um plano educacional individualizado para alunos autistas
Uma sugestão presente no parecer 50 é a adoção do Plano Educacional Individualizado (PEI), que seria elaborado pelos responsáveis pela educação do aluno autista. Como o próprio nome sugere, a ideia é que cada estudante tenha descrito quais estratégias e recursos serão usados de acordo com as suas especificidades e, assim, maximizar seu aprendizado.
“A elaboração do PEI deverá considerar as habilidades, potencialidades e necessidades do estudante, para que tenham maiores chances de êxito e efetividade nas estratégias e recursos a serem utilizados. Além disso, o PEI deve ser dinâmico, flexível e acessível, considerando as condições e estágio de desenvolvimento do estudante”, aponta o documento.
A proposta do PEI não é uma inovação dos especialistas que elaboraram o parecer 50, mas uma sugestão do Comitê de Monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Se eu vou fazer um PEI, vou olhar pra esse indivíduo na sua especificidade, vou avaliá-lo na sua especificidade, e, portanto, entregar para ele as adaptações conforme a sua necessidade. Isso se opõe à ideia de que apenas ‘respeitar’ é suficiente”, explica Lucelmo Lacerda.
Presença de acompanhante especializado em sala de aula
A lei do autismo garante que os alunos tenham o apoio de um acompanhante especializado em TEA em sala de aula. A principal função desse acompanhante é auxiliar na aplicação do PEI. Com a ajuda individualizada, o aluno tem mais chances de assimilar as atividades apresentadas a ele.
Apesar de ser uma garantia legal, muitos alunos autistas não têm acesso a um acompanhante especializado. O parecer 50 visa reforçar a estrutura jurídica que assegura esse direito. No entanto, é um ponto que gera muito discordância, especialmente entre os defensores da “educação de inclusão total”.
Flávia Marçal releva que alguns grupos defendem que a presença de uma acompanhante causará discriminação ao aluno por parte dos colegas, o que seria um argumento perigoso, segundo a especialista. “É como dizer que o uso de uma ferramenta como um livro em braile ou uma cadeira de rodas vai gerar preconceito. Quando, na verdade, a origem do preconceito não está na presença do auxílio, mas na falta de capacidade do outro de entender as diferenças”, ilustra.
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