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Reino de Deus na universidade

Curso de Medicina: docente da UFRN é criticado por atividade que discute preceitos cristãos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) oferece atividade de extensão sobre “Construção do Reino de Deus”. Ação está vinculada ao Curso de Medicina da instituição. (Foto: Divulgação/UFRN)

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A “Construção do Reino de Deus” pode parecer um tema restrito a igrejas e templos cristãos, mas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ele também é uma atividade de extensão vinculado ao Departamento de Medicina. A ideia, segundo a ementa da atividade, seria “aprofundar o conhecimento da proposta da construção do Reino de Deus, para verificar sua aplicabilidade no meio social, com a contribuição de várias fontes de saber que sintonizam com a proposta”.

Oferecido tanto a alunos quanto não alunos, a atividade começou em junho e deve ser concluída em 15 de dezembro. No total, o curso prevê carga horária de 30 horas, usadas para a apresentação de trabalhos e debates. Todos os encontros são virtuais. Agora, praticamente no fim a atividade, surgiram nas redes sociais alguns questionamentos sobre a proposta. Alguns estudantes da instituição fizeram postagens afirmando que a ideia feriria o princípio de laicidade do Estado. Como a UFRN é uma universidade pública, ela deve se ater à laicidade.

De fato, conforme o artigo 19 da Constituição Federal, no capítulo que trata da organização político administrativa do Estado brasileiro, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Isso significa que o Estado – e as instituições públicas – realmente não podem promover, adotar ou financiar uma determinada religião; nem submeter os assuntos públicos à aprovação prévia ou aos interesses de determinada religião ou igreja. Por outro lado, isso não significa que discussões a respeito de temas relacionados à religião e moral não possam ocorrer dentro de ambientes públicos.

Pluralismo dentro da universidade

Por meio de nota, a UFRN respondeu às críticas lembrando que a atividade de extensão “Construção do Reino de Deus” foi aprovada pelo Departamento de Medicina Clínica (DMC) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e está inserida no contexto da disciplina optativa Medicina, Saúde e Espiritualidade. A universidade também ressaltou que a liberdade de ensino é protegida no Brasil. “A Constituição Federal, no seu artigo 206, estabelece que o ensino será ministrado com base nos princípios da ‘liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber’, além do ‘pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas’”, disse a universidade.

Na avaliação do professor responsável pela atividade de extensão, o médico psiquiatra Francisco das Chagas Rodrigues, a polêmica em torno da proposta foi motivada por desconhecimento. Ele afirma que alguns estudantes, sem participar da optativa, acharam que se tratava de uma forma de “proselitismo religioso”.

“Caso o aluno se aproximasse do conteúdo ofertado, iria perceber que, pelo contrário, a fé estaria sendo testada pela razão, e cada religião – ou não religião – do participante do evento seria respeitada, e incentivada a livre crítica sobre a aplicabilidade pragmática desses ensinamentos na nossa atual circunstância de vida”, explicou o professor, que também é o titular da disciplina optativa Medicina, Saúde e Espiritualidade, em entrevista à reportagem.

De acordo com o docente, desde 2016 o Departamento de Medicina Clínica da UFRN oferece o curso de Medicina, Saúde e Espiritualidade, voltado aos estudantes da área de Saúde. A ideia, segundo o professor, seria oferecer uma disciplina para complementar o lado humanista da formação técnica dos estudantes de cursos como Medicina, Farmácia, Nutrição, entre outros. Posteriormente, em 2019, surgiu a ideia de criar um evento de extensão, aberto também para comunidade externa, para “estudar de forma crítica os ensinamentos de Jesus Cristo, que dizia ser possível a construção de uma sociedade com mais harmonia e justiça social”, conforme consta na página da atividade.

Tratamento mais humano

“Sou defensor da condição de liberdade de pensamento dentro da universidade, que não pode se alinhar a nenhuma forma de pensamento e passar a doutrinar os alunos pela ideologia da moda”, diz o professor. Ele argumenta que o ambiente universitário deve mesmo ser laico, “para não defender a bandeira de nenhuma igreja, da mesma forma que não deve defender a bandeira de nenhum partido político”, acrescenta.

Por isso, o professor avalia que as atividades de extensão que promove estão alinhadas com esses princípios. “Todo tipo de pensamento deve ter o seu ingresso garantido na universidade para ser debatido à luz da razão e assim podermos avaliar sua procedência benéfica ou maléfica, aceitar ou repudiar usando a lógica e a coerência”, diz.

Conforme Rodrigues, a discussão sobre os ensinamentos espirituais tem impacto na formação dos futuros profissionais, que poderão tratar dos pacientes com uma visão ampliada. “Para além do maquinismo biológico/materialista, que privilegia o egoísmo que origina as iniquidades do comportamento humano”, defende o professor.

Além disso, segundo ele, o estudo da espiritualidade é um fator decisivo para a consolidação dos valores éticos e morais na formação profissional, mesmo que a pessoa não pertença a nenhuma igreja de qualquer denominação.

Outras atividades

Além da atividade “Construção do Reino de Deus”, ele já desenvolveu outros projetos de extensão ligados à espiritualidade. Em 2009, por exemplo, ele foi responsável pelo projeto “Espiritualidade, Dependência Química e Reforma Íntima”, voltado para dependentes químicos e codependentes. Propostas semelhantes foram feitas em 2016 (Autodescobrimento e Dependência Química - A cura interior) e 2020 (Medicina, Saúde, Espiritualidade e Reforma Íntima).

Já a expressão “Reino de Deus” aparece em pelo menos três outras atividades de extensão, além da desenvolvida este ano, 2014 (Nova Ordem Social – Reino de Deus), 2019 (Reino de Deus - Construção Possível?) e 2020 (Reino de Deus, uma utopia social?). O professor também é responsável pelo projeto Foco de Luz, desenvolvido em 2014, 2015, 2016 e 2019, e que realizou encontros e ações para “oferecer suporte acadêmico, profissional, espiritual e fraterno à comunidade como forma de diminuir a violência através do processo educativo para o bem-estar da saúde mental”.

Todas essas atividades de extensão, de acordo com dados da universidade, foram feitas com recursos financeiros do próprio docente responsável. Não houve aplicação dinheiro público externo nem da própria universidade.

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