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Estradas

Médico que mora no PR escapa da morte para virar herói

O começo da semana de Patrício Nascimento, 37 anos, foi atípico até mesmo para um médico socorrista que trabalha numa das regiões mais violentas do Brasil. No mesmo dia, ele escapou da morte, assistiu aos últimos momentos de vida de muitas pessoas, comunicou parentes sobre as mortes de familiares e ajudou a salvar 19 sobreviventes do acidente entre dois ônibus na rodovia Raposo Tavares, entre as cidades paulistas de Regente Feijó e Presidente Prudente. A colisão entre dois veículos da empresa Andorinha, nos últimos minutos do domingo, resultou em 32 mortes e 21 pessoas feridas.

Por pouco o médico escapou de ser mais uma vítima da tragédia. Sua vida sofreu uma reviravolta justamente quando se preparava para cumprir a rotina de todos os domingos: viajar para São Paulo, onde atua em duas cidades da região metropolitana. Ao chegar à rodoviária de Colorado – cidade no Norte do Paraná, onde mora com a esposa e os três filhos – foi informado pelo funcionário que embarcaria num ônibus extra porque a linha do horário estava lotada. "Não viajo em ônibus extra. É sempre um veículo secundário. E pedi para o agente de viagem me encaixar", conta. Só tinha a poltrona 42, mas o médico disse que não se importava em sentar ao lado do banheiro – a experiência como médico socorrista mostrou a ele que a traseira é o lugar onde as vítimas menos se machucam em acidentes. Menos de duas horas depois, o ônibus extra seria protagonista do acidente.

Doutor Patrício, como é chamado, acredita que escapou da colisão por obra do destino. Os dois veículos que saíram de Colorado percorreram boa parte do trecho juntos, mas depois de Presidente Prudente o carro em que viajava foi parado para inspeção da Polícia Rodoviária. "De todo o tempo em que viajo, foi a primeira vez que isso aconteceu."

O motorista Pedro Esmênio Carneiro, que faleceu no acidente, também não deveria estar ali. O médico já havia viajado com Esmênio, como é conhecido, várias vezes e assistiu, na garagem da empresa em Presidente Prudente, o desfecho do impasse do embarque. A casa do motorista ficou sem energia naquela noite e no atropelo para ir trabalhar, Esmênio esqueceu os documentos. Quando se deu conta, já na empresa, comunicou a chefia, que designou outro motorista para levar o carro lotado. Minutos antes da troca, a esposa do motorista chegou trazendo a carteira que ele havia esquecido. "Eu vi a conversa deles, o último abraço e beijo", relata o médico.

Socorro

O ônibus em que o médico seguia chegou ao acidente junto com as primeiras equipes de salvamento. Patrício ajudou sem sequer notar que se tratava do veículo em que deveria estar. Outros médicos que passavam pelo local também se somaram no atendimento. Por duas horas e meia, os passageiros do ônibus em estava Patrício aguardaram que as vítimas do outro veículo fossem socorridas. O médico verificou 31 óbitos e prestou atendimento a 19 feridos.

Ao chegar à rodoviária, ele ainda passaria por mais uma provação: contar para o pai de dois adolescentes que ambos haviam morrido. Na manhã de segunda, exausto e com a roupa ensangüentada, Patrício foi trabalhar no Hospital Municipal de Juquitiba, cidade da Grande São Paulo.

Foram fortes emoções até mesmo para alguém acostumado com as desgraças do cotidiano. O experiente socorrista – que já atuou em tragédias como o desabamento do telhado de um shopping em Osasco (SP) e em outro acidente com três dezenas de vítimas – confessa que se impressionou no domingo. Ao entrar nas ferragens de um dos veículos, ele viu uma mulher e um bebê, ambos mortos. Pela forma como segurava a criança, a mulher teria tentado protegê-la. "Isso me chocou, mas não podia parar naquele momento", explica. Foi o impacto da violência que afastou o médico do corre-corre das ambulâncias – era médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o equivalente paulista ao serviço do Siate no Paraná. Há três anos, tentou em vão salvar uma criança que sofrera um acidente de trânsito. A imagem do bebê morto – da mesma idade de seu filho – o traumatizou. Desde então, Patrício segue atuando no setor de emergência de hospitais, mas também se dedica à medicina estética.

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