Parlamentares, movimentos pró-vida, advogados e médicos que defendem a proibição do procedimento da assistolia fetal, método utilizado para o aborto após 22 semanas de gestação, participaram de uma sessão temática sobre o assunto, nesta segunda-feira (17), no plenário do Senado.
O debate foi requisitado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia o procedimento que consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto antes da sua retirada do útero.
A discussão sobre o aborto também se intensificou depois que a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei 1.904/24, também conhecido como o PL Antiaborto, que pretende equiparar a pena da realização de aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio. O prazo é definido pela condição da viabilidade fetal, quando o bebê já possui condição de sobrevivência fora do ambiente uterino.
O projeto tem sido combatido por defensores do aborto sob a alegação de que a proposta, se transformada em lei, punirá as mulheres.
"Não podemos fechar os olhos, porque este assunto tem mobilizado os brasileiros, e tem muita, repito, notícia fantasiosa, fugindo do tema, para levar as pessoas ao erro sobre do que se trata o projeto", disse o senador Girão, no início da sessão temática.
A sessão no Senado iniciou com a apresentação da contadora de história Nyedja Gennari encenando o relato de um bebê no ventre materno que "desejava viver e já havia resistido a três tentativas de aborto". "Me deixem nascer, por favor. Eu imploro. Se vocês não me quiserem, conseguirei outros pais. Eu prometo. Eles me adotarão com muita alegria. Tem tanta gente que sonha, deseja, espera um bebê para completar a sua existência!", relata.
Nyedja relatou a morte lenta e dolorosa do bebê com o seu "grito silencioso" em busca de um "raio de esperança". "A história do pequeno ser humano, frágil, indefeso, que lutou até o último momento, cuja vida foi tirada antes mesmo de começar, ecoou como um poderoso lembrete da fragilidade do valor inestimável da vida. Cada batida de um coração é um milagre e cada vida merece a chance de florescer", explica a contadora de história.
O deputado federal e médico Zacharias Calil (União-GO) falou sobre a formação do embrião e disse que a formação do coração começa na 3ª semana de gestação. "O coração começa como um tubo reto, aí ele começa a se desenvolver, ele vai se diferenciando e, no 16º dia de gestação, ele começa a se desenvolver mais ainda. E, na sexta semana, você já visualiza o coração através de um exame de ultrassom", explicou
Calil, que também é médico cirurgião pediátrico, exemplificou o procedimento da assistolia fetal com a réplica de uma barriga de gestante e ressaltou que trata-se de um método que, na pena de morte, é proibido, além de ser também proibido pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária.
"É inconcebível nós médicos aceitarmos essa suspensão da Resolução 2.378 do Conselho Federal de Medicina, que proíbe a assistolia fetal a partir da 22ª semana de gestação. Muita gente está confundindo que nós somos contra o aborto legal e tudo, mas não é isso: é o método que é utilizado, um método cruel, doloroso, extremamente doloroso", declarou.
Durante a sessão, o senador Eduardo Girão tentou passar um vídeo mostrando a realização de um aborto, mas o vídeo foi vetado pela TV Senado. Contrariado com a decisão da TV, o parlamentar disse que “não pode mostrar [o vídeo], mas pode matar [os bebês]”. Segundo o comunicado enviado pela TV à presidência da sessão, a preocupação seria com a “preservação da imagem, pois o bebê poderia ser identificado”.
CFM defende retomada da resolução
Representantes do CFM cobraram a retomada da resolução sobre o fim da assistolia fetal - derrubada por uma liminar do ministro Alexandre de Moraes - e reforçaram que o texto passou por uma discussão na Câmara Técnica de Bioética e Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. "Houve um processo longo de discussão técnica e ética, até que se passasse esse texto pela Coordenação Jurídica. Nossos normativos não podem afrontar a legislação vigente no país", explicou a conselheira e médica Rosylane Nascimento.
A médica também reforçou que o CFM conta com 15 conselheiras mulheres que são "defensoras dos direitos das mulheres". "Somos solidárias a todas que sofrem qualquer tipo de violência ou desrespeito, e essa normativa, de forma alguma, tentou vilipendiar os direitos dessas mulheres ou não atentou para a delicadeza, a gravidade dos traumas que essas mulheres sofrem. Somos a favor da vida e defendemos a vida também desde a concepção", disse.
O presidente do CFM, José Hiran, rebateu algumas críticas que foram feitas ao Conselho de que ele estariam barrando o aborto permitido em alguns casos - como risco de vida mãe, estupro e anencefalia. "E evidente que culpar o CFM e a resolução pelos problemas do aborto legal no Brasil configura uma falácia e uma forma de lançar cortina de fumaça sobre um debate que tem como foco principal a proteção dos direitos da mulher e do nascituro", declarou.
O Dr. Hiran ainda informou que a resolução do CFM traz à tona a "crueldade implicada na assistolia fetal" em uma gestação com 22 semanas com um ser humano formado, que viabilidade de vida fora do útero, .
"Até que ponto a prática da assistolia fetal em gestação acima de 22 semanas traz benefício e não causa malefício? Esta é a pergunta. Só causa malefício. Nesse campo, o direito à autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós de proteger a vida de qualquer um, mesmo um ser humano formado com 22 semanas", explicou o Dr. Hiran.
"Mentiras da esquerda"
Na sessão, os parlamentares rebateram a declaração do presidente Lula em que ele diz "ser contra o aborto" e a tentativa da esquerda de impor que o PL 1904/24 se trata do PL do Estupro e que visa beneficiar o estuprador.
O senador Eduardo Girão lembrou que a esquerda votou contra a alguns projetos que penalizam crimes sexuais e que eles ainda atuaram para derrubar portarias contra estupradores. "Não interessa combater o crime de estupro e avançar na legalização do hediondo assassinato de bebês que é o aborto. Aliás, na votação dessa questão da castração química, do tratamento hormonal, eu já disse aqui, foi o PT que votou contra. Então, quem é mesmo que defende estuprador? E eu repito: a resolução que foi revogada do governo anterior, em que se precisava de boletim de ocorrência para ir atrás do estuprador, foi revogado isso... Em que governo foi? Neste Governo", declarou.
A presidente do movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, defendeu a aprovação do PL antiaborto com algumas ressalvas. Para ela, a proposta é importante porque impede a realização de um "aborto tardio" e em uma gestação com mais de 22 semanas já deve ser considerado um "infanticídio", tendo em vista a viabilidade fetal.
"O nosso Código Penal não coloca um limite de até quantas semanas ou até que idade, porque a própria palavra aborto se refere a antes de que haja viabilidade fetal. Depois disso, é um parto prematuro. E exatamente porque é um parto prematuro é que, para quem quer efetivamente acabar com a vida desse filho, dessa criança, é necessário fazer algum procedimento, intraútero, que tire a vida, porque vai nascer vivo", disse.
Lenise também comentou sobre a relação do estupro de meninas vulneráveis e o aborto. Ela reconheceu que, infelizmente, muitas meninas acabam descobrindo que estão grávidas "tardiamente", mas criticou o fato de quererem impor o "aborto extremamente traumático" como solução para uma criança sem identificar o verdadeiro abusador.
"O que precisamos é, necessariamente, identificar quem é o abusador, punir essa pessoa, porque dizem: "Ah, é uma pena maior, é uma pena menor", mas quem defende um aborto está defendendo que não tem a pena nenhuma, porque não quer boletim de ocorrência. Então, temos que ter boletim de ocorrência, temos que verificar quem está fazendo isso e temos que tirar essa menina desse ambiente em que ela é abusada", declarou.
Para a deputada federal Bia Kicia (PL-DF), o debate sobre o PL Antiaborto tem sido "absolutamente desonesto" e feito a base de "slogans". "Estamos vivendo, sim, um movimento antidemocrático quando somos cerceados, quando querem nos calar, quando aqueles que não concordam conosco derrubam, por exemplo, os nossos sites", criticou.
Com o intuito de garantir a defesa do nascituro, a deputada defendeu um debate mais amplo e a possibilidade de revisar o texto da proposta. "A gente concorda em debater, em alterar o texto, em buscar um texto que cause menos polêmica, inclusive aumentando a pena do estuprador. A única coisa que não pode ser revista, a única coisa que não pode ser negociada é a vida", disse.
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