Os baixos salários, a falta de um plano de carreira e uma infraestrutura deficiente da rede pública de saúde fazem com que municípios do interior do Paraná estejam constantemente em busca de médicos que nunca chegam, ou chegam em número insuficiente para dar conta da demanda da população pelos serviços, mesmo os mais básicos. Iniciativas de nível federal, como o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que busca fixar os profissionais no interior mediante incentivos como bolsas de especialização e bônus para concursos de residência, também não conseguiram atrair os profissionais da saúde. Dos 399 municípios do estado, apenas 191 aderiram ao programa. Desses, 34 efetivamente contam com os profissionais 77 médicos ao todo, muito aquém do necessário.
Diante do fracasso do programa, entidades médicas afirmam que a solução passa por uma total revisão do modelo de saúde hoje em vigor no país. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Alexandre Bley, que na semana passada esteve na Assembleia Legislativa do Paraná para denunciar a precariedade, afirma que o Provab nunca foi uma boa solução. Para o médico, de nada adianta levar recém-formados para o interior se eles não estão amparados por boas condições de trabalho. "O médico é colocado na linha de frente em um ambiente hostil, num posto de saúde com estetoscópio e aparelho de pressão e só. Quando recebe um paciente grave, fica horas ao telefone implorando para que arranjem um leito. E se algo de errado ocorre, ele é que é processado".
Plano de carreira
Tão premente quanto as condições de trabalho é a urgência da criação de um plano de carreira para a categoria, de acordo com o diretor da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Mario Antônio Ferrari. Aos moldes dos planos de carreira do Judiciário, das Forças Armadas e da Diplomacia, por exemplo, o plano permitiria que o médico fizesse um concurso, iniciasse a carreira no interior (suprindo a falta de oferta nessas regiões) e fosse galgando postos e maiores salários ao longo do tempo, podendo escolher onde atuar depois. "Os referenciais são os mesmos para as carreiras de estado, onde o profissional faz concurso, se profissionaliza e tem uma progressão na carreira, com perspectiva futura de promoção e aposentadoria", defende Ferrari.
O coordenador adjunto do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Victor Horacio de Souza Costa Junior, afirma que tem visto um aumento no número de alunos que vão atuar no interior nos últimos anos, mas que sempre há uma reviravolta. "Depois de três ou quatro anos, eles voltam. Não há estrutura nem para fazer um exame básico. Os alunos vão motivados, mas falta investimento. Eles voltam e os hospitais ficam sem médicos", completa.
Concursos públicos oferecem baixos salários
As dificuldades financeiras pelas quais passam os municípios fazem com que algumas cidades abram concurso público oferecendo baixos salários e, pior, nenhum médico se candidate. Foi o caso de Tomazina e Ribeirão do Pinhal, no Norte Pioneiro do Paraná. Mesmo oferecendo salários que variavam em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil para uma carga horária de 20 horas semanais para dar atendimento em unidades básicas de saúde, não apareceu um médico sequer interessado nos cargos. A última tentativa das duas prefeituras em contratar médicos por concursos foi em 2011. Desde então não foram mais abertos editais.
O desinteresse é justificável: R$ 3 mil é o que ganha em média um profissional experiente em dois dias clinicando em seu consultório. Aqueles que estão começando na carreira preferem atuar como plantonistas em prontos-socorros, onde 24 horas de trabalho seguidas chegam a valer R$ 2 mil. Como solução, muitas prefeituras optam por realizar parcerias com entidades privadas, que podem pagar mais, mas que, por outro lado, não oferecem direitos trabalhistas básicos previsto em lei, como décimo-terceiro ou férias.
Na opinião do professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo e autor do livro Participação Privada no Serviço de Saúde, Fernando Borges Mânica, criar um plano de carreira para a categoria é parte da solução. A falta de oferta de exames básicos e de inovação tecnológica também desestimulam o recém-formado.
Além disso, Mânica afirma que outra parte da solução passa por uma parceria entre estado e iniciativa privada para garantir o direito constitucional à saúde, já que muitos municípios têm limitações orçamentárias. "O serviço continua sendo público, via SUS, mas a administração seria privada. Isso é importante porque a Medicina gera muitos custos, a inovação é constante. O investimento em saúde tem de virar uma política de estado".