Dra. Ana trocou Jacarezinho por Curitiba
Maiores oportunidades de aperfeiçoamento e a segurança de receber o salário integralmente e no prazo todo mês fizeram com que a médica Ana Helena Bessa Gonçalves Vieira (foto acima), de 26 anos, optasse por trabalhar em Curitiba, em vez de voltar para Jacarezinho, cidade onde nasceu.
Recém-formada pela Universidade Federal de Pelotas (ela concluiu o curso em julho de 2012), Ana tinha bons motivos para voltar para o interior: muitos membros da família são médicos, o avô é um profissional conhecido, com vários contatos, e os pais e o namorado ainda vivem lá. Mas teve medo da instabilidade de trabalhar em Jacarezinho.
"A capital também possui problemas de infraestrutura, mas no interior essa dificuldade é potencializada. As prefeituras não têm condições de pagar um bom salário, muitas vezes atrasam até quatro meses, ou pagam em parcelas. E aqui eu posso fazer residência em um hospital de grande porte e ter estabilidade. Trabalho com carteira assinada e tenho benefícios como férias, décimo-terceiro, vale-transporte", diz ela, que trabalha em uma unidade 24 horas do Boqueirão.
Ivaí
Na "contramão", dr. Techy se adapta às condições do interior
Lauro Barreto Neto, médico que atua há três anos em um posto de saúde no distrito de Caetano Mendes, em Tibagi, cidade de 19 mil habitantes, é um dos cada vez mais raros profissionais que optam pelo interior. "A maioria dos médicos vê o interior como algo temporário. Há vantagens também, como a tranquilidade na questão da violência, mas os salários precisam ser mais atrativos", conta.
No ano passado, Neto chegou a se inscrever no Provab, mas acabou desistindo da bolsa. "O local de trabalho era muito afastado, de difícil acesso. A bolsa dura apenas um ano, sem garantia de contratação. O Programa é melhor para profissionais recém-formados", diz.
Também na contramão dessa resistência, o médico Dionísio Techy tem, por opção, uma carreira extensa em cidades do interior: são 36 anos de profissão. Atualmente ele atende em um posto de saúde em Ivaí. "Cada localidade apresenta características próprias: ou é apenas um posto de saúde, ou um pequeno hospital, geralmente distante dos centros de maiores recursos. Aí o profissional tem de se adaptar às condições e limitações".
Cubanos
No início de maio, o governo brasileiro anunciou a decisão de "importar" 6 mil médicos de Cuba para trabalhar no interior do país. A intenção é que os cubanos venham sob contratos temporários com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) para ocupar vagas em cidades brasileiras que até hoje não conseguem contar com atendimento de saúde. O Conselho Federal de Medicina (CFM) repudia a decisão e questiona a qualidade dos médicos estrangeiros.
Os baixos salários, a falta de um plano de carreira e uma infraestrutura deficiente da rede pública de saúde fazem com que municípios do interior do Paraná estejam constantemente em busca de médicos que nunca chegam, ou chegam em número insuficiente para dar conta da demanda da população pelos serviços, mesmo os mais básicos. Iniciativas de nível federal, como o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), que busca fixar os profissionais no interior mediante incentivos como bolsas de especialização e bônus para concursos de residência, também não conseguiram atrair os profissionais da saúde. Dos 399 municípios do estado, apenas 191 aderiram ao programa. Desses, 34 efetivamente contam com os profissionais 77 médicos ao todo, muito aquém do necessário.
Diante do fracasso do programa, entidades médicas afirmam que a solução passa por uma total revisão do modelo de saúde hoje em vigor no país. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Alexandre Bley, que na semana passada esteve na Assembleia Legislativa do Paraná para denunciar a precariedade, afirma que o Provab nunca foi uma boa solução. Para o médico, de nada adianta levar recém-formados para o interior se eles não estão amparados por boas condições de trabalho. "O médico é colocado na linha de frente em um ambiente hostil, num posto de saúde com estetoscópio e aparelho de pressão e só. Quando recebe um paciente grave, fica horas ao telefone implorando para que arranjem um leito. E se algo de errado ocorre, ele é que é processado".
Plano de carreira
Tão premente quanto as condições de trabalho é a urgência da criação de um plano de carreira para a categoria, de acordo com o diretor da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Mario Antônio Ferrari. Aos moldes dos planos de carreira do Judiciário, das Forças Armadas e da Diplomacia, por exemplo, o plano permitiria que o médico fizesse um concurso, iniciasse a carreira no interior (suprindo a falta de oferta nessas regiões) e fosse galgando postos e maiores salários ao longo do tempo, podendo escolher onde atuar depois. "Os referenciais são os mesmos para as carreiras de estado, onde o profissional faz concurso, se profissionaliza e tem uma progressão na carreira, com perspectiva futura de promoção e aposentadoria", defende Ferrari.
O coordenador adjunto do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Victor Horacio de Souza Costa Junior, afirma que tem visto um aumento no número de alunos que vão atuar no interior nos últimos anos, mas que sempre há uma reviravolta. "Depois de três ou quatro anos, eles voltam. Não há estrutura nem para fazer um exame básico. Os alunos vão motivados, mas falta investimento. Eles voltam e os hospitais ficam sem médicos", completa.
Concursos públicos oferecem baixos salários
As dificuldades financeiras pelas quais passam os municípios fazem com que algumas cidades abram concurso público oferecendo baixos salários e, pior, nenhum médico se candidate. Foi o caso de Tomazina e Ribeirão do Pinhal, no Norte Pioneiro do Paraná. Mesmo oferecendo salários que variavam em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil para uma carga horária de 20 horas semanais para dar atendimento em unidades básicas de saúde, não apareceu um médico sequer interessado nos cargos. A última tentativa das duas prefeituras em contratar médicos por concursos foi em 2011. Desde então não foram mais abertos editais.
O desinteresse é justificável: R$ 3 mil é o que ganha em média um profissional experiente em dois dias clinicando em seu consultório. Aqueles que estão começando na carreira preferem atuar como plantonistas em prontos-socorros, onde 24 horas de trabalho seguidas chegam a valer R$ 2 mil. Como solução, muitas prefeituras optam por realizar parcerias com entidades privadas, que podem pagar mais, mas que, por outro lado, não oferecem direitos trabalhistas básicos previsto em lei, como décimo-terceiro ou férias.
Na opinião do professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo e autor do livro Participação Privada no Serviço de Saúde, Fernando Borges Mânica, criar um plano de carreira para a categoria é parte da solução. A falta de oferta de exames básicos e de inovação tecnológica também desestimulam o recém-formado.
Além disso, Mânica afirma que outra parte da solução passa por uma parceria entre estado e iniciativa privada para garantir o direito constitucional à saúde, já que muitos municípios têm limitações orçamentárias. "O serviço continua sendo público, via SUS, mas a administração seria privada. Isso é importante porque a Medicina gera muitos custos, a inovação é constante. O investimento em saúde tem de virar uma política de estado".
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