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Quando começaram os julgamentos dos réus do 8 de janeiro, após os polêmicos embates entre advogados de defesa e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou um ofício ao STF manifestando sua solidariedade aos magistrados pela "incompreensão" que os têm levado a sofrer "ataques".
"O discurso de ódio não se coaduna com o necessário equilíbrio que deve pautar a atuação dos Poderes e de todos em sociedade. O respeito às instituições é fulcral, quanto mais em tempos de crise", disse a Ordem.
A mesma OAB tem sido criticada por não defender da forma devida as prerrogativas das defesas dos presos do 8 de janeiro. Advogados reclamam de diversas violações ao devido processo legal, como a falta de acesso aos autos do processo, a impossibilidade de falarem reservadamente com seus clientes e a falta de individualização das condutas.
Na opinião de juristas consultados pela Gazeta do Povo, essa diferença do tratamento dispensado pela OAB aos advogados dos presos do 8/1 e aos ministros do STF tem dois motivos principais: o medo de retaliações do Poder Judiciário e os interesses profissionais e de poder que movem parte da cúpula da entidade.
"É interessante que em nenhum momento houve um desagravo, ou uma carta, ou um comunicado público [do Conselho Federal] da Ordem dos Advogados do Brasil falando dos abusos das prerrogativas dos advogados durante todo esse período. E, no momento em que um advogado faz uma fala – uma fala! – um pouco mais dura e absolutamente merecida, a OAB se manifesta", critica Rodrigo Marinho, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor).
Para ele, muito mais graves do que certas falas de advogados durante o julgamento que transcorre no STF foram as violações às prerrogativas da advocacia por parte do tribunal.
"Os advogados não tiveram acesso aos autos do processo. Isso é crime na Lei do Abuso de Autoridade. Os advogados não tiveram a possibilidade de falar reservadamente com o seu cliente. Isso também é crime na Lei do Abuso de Autoridade. E aqui eu estou só descrevendo fatos", diz. "A OAB é uma entidade de classe. Ela representa os advogados. Então, em tese, ela deveria estar sempre na defesa dos advogados e nunca dos juízes. Não cabe à OAB fazer desagravo ou fazer cartinha defendendo o juiz. Não é papel dela. Eventualmente o que ela poderia fazer é punir o advogado, mas nunca defender o juiz", complementa.
A advogada e consultora jurídica Katia Magalhães recorda que "há um princípio consagrado no próprio estatuto da OAB de que não existe hierarquia entre advogados, juízes e promotores". Para ela, a manifestação do presidente da OAB soa "extremamente servil".
"Trata-se de um presidente que falha ao seu dever institucional, que não está protegendo as pessoas que pagam muito caro para sustentar a corporação que ele representa. Ele não está patrocinando os interesses dessas pessoas, mas, pelo contrário, está patrocinando interesses de certos juízes que estão podando a liberdade de expressão do causídico, inclusive na tribuna", observa.
Katia ressalta que a manifestação do advogado Sebastião Coelho sobre os ministros do STF serem "as pessoas mais odiadas do país" não representa nenhuma ofensa aos magistrados, ainda que, na opinião de alguns, a afirmação possa ser vista como exagerada.
"O que o CPC [Código de Processo Civil] proíbe é o uso de expressões ofensivas. Se essas tais ofensas forem proferidas verbalmente na tribuna, em uma sustentação oral, o juiz tem o dever de advertir o advogado e de dizer: 'Senhor advogado, por favor, o senhor se abstenha de usar este tipo de expressão. Caso contrário, vou ter que cassar sua palavra'. Nada disso foi feito. E, pode haver uma polêmica a respeito, mas eu não enxergo na frase do advogado Sebastião Coelho, desembargador aposentado, nenhuma ofensa", diz.
Após as polêmicas com os advogados, o ministro Alexandre de Moraes, relator dos julgamentos do 8 de janeiro, definiu que as próximas sessões serão feitas em plenário virtual. Para Marinho, tudo leva a crer que o ministro pretende, com isso, evitar o constrangimento das últimas sessões presenciais. "Isso viola claramente a ampla defesa do contraditório. Aquilo que já estava presumido que seria votado agora vai ser votado sem reação, sem ninguém para criticar", diz.
Neste caso em particular, a OAB se manifestou, em 18 de setembro, contra a decisão do ministro. "Diante da relevância e excepcionalidade das ações penais ora em análise por essa Corte, o julgamento presencial reveste-se de um valor inestimável em prestígio à garantia da ampla defesa", afirmou a entidade. Moraes não mudou de ideia após a manifestação.
Regra facilita promiscuidade entre advocacia e magistratura
A presidente do STF, Rosa Weber, antes de se aposentar do tribunal, foi homenageada duas vezes pelo Conselho Federal da OAB nos últimos três meses. Em julho, ela recebeu uma placa em homenagem por sua atuação "em defesa da democracia", de acordo com a OAB.
Em 18 de setembro, Rosa recebeu a maior honraria da Ordem, a Medalha Raymundo Faoro. Um dos motivos para a premiação, de acordo com Beto Simonetti, presidente da OAB, foi justamente a forma como a ministra conduziu o tribunal após o 8 de janeiro. "Essa defesa dos valores fundamentais da democracia é um testemunho inspirador de sua atuação em temas centrais para a justiça em tempos tão desafiadores", disse Simonetti durante a homenagem.
Para os juristas consultados pela reportagem, essa constante adulação da OAB a tribunais superiores pode ser explicada por fatores como carreirismo e ambição por poder. Nesse sentido, uma regra prevista na Constituição acaba favorecendo a promiscuidade entre advocacia e magistratura: o quinto constitucional.
Segundo essa norma, um quinto das vagas dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), dos Tribunais de Justiça (TJs), do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) devem ser ocupadas por egressos da advocacia ou do Ministério Público.
Para Katia Magalhães, o desejo de poder é incentivado pelo quinto constitucional, que acaba favorecendo uma atitude de subserviência da OAB em relação a juízes.
"Acho que há uma vontade de agradar o poder. E, no sistema em que a gente vive, há uma vontade de passar a integrar o próprio poder. A maioria dos nossos tribunais superiores é formada por pessoas que não são magistrados de carreira e que ascendem a esses tribunais seja via quinto constitucional, seja via mera escolha presidencial. Essas pessoas embarcam num carreirismo", explica.
Para ela, as circunstâncias facilitam um "misto de servilismo, de cooptação e de vontade de passar, algum dia, a dar as cartas ou de ter acesso a pessoas que dão as cartas". "À medida que a gente vai subindo na hierarquia, vai aumentando o número de magistrados que não são juízes de carreira, não são egressos de concursos públicos. Os advogados que entram pelo quinto constitucional têm que passar pelo crivo da OAB. Nisso já se observa uma promiscuidade entre a OAB e o Judiciário."
O número de pessoas de fora da magistratura é ainda maior nos tribunais superiores, como o STJ ou o próprio STF, em que os nomes dos juízes são indicados pelo presidente da República. Com isso, a teia de relações entre advocacia e magistratura se torna ainda mais intrincada.
"Recentemente, tivemos um advogado do Lula, o Zanin, que foi nomeado. Barroso foi advogado a vida inteira. Fachin foi advogado. São figuras tradicionalmente egressas da advocacia, e não da magistratura, como, a meu ver, deveria ser", diz.
Para Katia, é necessário "rever em caráter de urgência a questão do quinto constitucional". "Tenho uma postura um pouco radical: acho que todos os magistrados do país, desde os lá de baixo, de primeira instância, até os do STF, deveriam ser juízes de carreira, e deveria haver uma progressão por antiguidade, por agilidade, por celeridade nas decisões, ou seja, por critérios os mais objetivos possíveis", opina.
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