A pessoa abre a porta do carro, senta no banco do motorista e, já reticente, dá a partida. O barulho do motor é a senha para uma série de reações físicas e psíquicas que resultam em tremores, taquicardia, suor excessivo e travamento de braços e pernas. É o medo de dirigir, uma fobia cada vez mais comum nas grandes cidades e que tem levado muitas pessoas às clínicas de terapia. E isso numa época em que o carro se tornou onipresente no dia a dia das pessoas e cada vez mais acessível, seja pela facilidade de compra quanto pela grande oferta de modelos.
O medo, em geral, afeta mais as mulheres. As causas vão desde traumas com acidentes até aspectos culturais, como falta de incentivo, machismo e insegurança. Confira a seguir as características desse mal, qual o perfil de quem precisa desta ajuda e como é feito o tratamento.
Sintomas
O medo de dirigir ou amaxofobia é descrito pela psicóloga Neuza Corassa como a "síndrome do carro na garagem". Autora do livro Vença o Medo de Dirigir, ela atua há 18 anos na área como diretora do Centro de Psicologia Especializado em Medos (CPEM). Os sintomas que se manifestam quando a pessoa está ao volante vão desde tremores no corpo, boca seca e suor excessivo nas mãos até taquicardia e tensão muscular. Há um misto de ansiedade com pânico, que faz com que a pessoa crie fobia do ato e tente evitá-lo a todo custo.
Perfil
O portador de amaxofobia é comumente associado a uma pessoa despreparada, preguiçosa, sem força de vontade e até incapaz, o que não é verdade, explica Neuza. "São pessoas muito capazes, inteligentes, cuidadosas, sensíveis. No entanto, são muito perfeccionistas, e aí reside parte da causa." Em terapias, ela conta ter percebido que tais pessoas são muito exigentes consigo mesmas, detalhistas e sensíveis a críticas. Por isso, evitam dirigir por medo de cometer erros, atrapalhar outros motoristas ou causar acidentes.
Tratamento
Por envolver questões que remetem à forma de criação e à visão que a pessoa tem de si mesma, além de traumas vividos em relação ao carro (como acidentes ou atropelamentos), o tratamento da síndrome do carro na garagem envolve sessões de terapia. Após isso, são feitas aulas práticas de direção, acompanhadas de um profissional com formação específica para lidar com situações como essa ou da própria área da psicologia.
Questão de gênero
A psicóloga Salete Coelho Martins, diretora da Clínica Psicotran em Curitiba, que atende pacientes com amaxofobia desde 1996, estima que até 90% das pessoas que realizam o tratamento contra esse mal são mulheres. O motivo não tem a ver com uma menor capacidade para dirigir, mas com questões culturais, como o machismo. "Geralmente são mulheres um pouco mais velhas, entre 28 e 58 anos, que sempre associaram o ato de dirigir a uma figura masculina. Elas foram desestimuladas ao mesmo tempo em que viam os homens da família ganharem carro e terem aulas com outros homens antes de tirar a carteira, uma prática que excluía as mulheres. Então, perderam o interesse", explica.
No entanto, Salete e Neuza alertam que o fato de os homens serem minoria dos atendimentos não significa necessariamente que eles sofrem menos com o problema. Geralmente, dizem as especialistas, eles assumem menos que sofrem de amaxofobia e isso deve ser levado em conta. "O carro sempre esteve associado à figura masculina, como símbolo de poder. Para um homem, assumir que não sabe dirigir faz com que ele se sinta diminuído como homem", diz Salete.
O medo no lugar certo
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Um episódio traumático deu início ao medo de dirigir da dona de casa Silvia Eliana Romais Starke, de 34 anos. Grávida, ela foi tomada de pânico quando um carro bateu no veículo em que estava com o marido. A partir daí, o temor de fazer rampa, mudar de faixa e dar a ré virou algo maior. "Passei a ter medo até de entrar no carro. Toda vez que tinha de viajar, começava a chorar. Não era só o medo de errar. Tinha medo de perder o bebê." O trauma começou a ser superado quando o marido ficou internado e precisou levar os filhos à escola. Durante dois meses, ela passou por tratamento. "Ainda tenho medo, mas ele passou a ocupar o lugar certo. Virou um medo saudável."
Terapia
O tratamento das pessoas que sofrem da síndrome do carro na garagem é feito por meio de sessões de terapia:
No consultório
São realizadas de oito a 12 sessões para trabalhar as causas da fobia a questão cultural, os traumas e o perfeccionismo, por exemplo e também suas consequências o medo de bater, fazer rampa, andar próximo a veículos grandes, mudar de faixa, dirigir à noite e na chuva, andar devagar, atrapalhar o trânsito.
Na rua
Em seguida são feitas de quatro a seis sessões na rua, onde se aprimora a técnica e também se enfrenta de fato o medo, ao lado de um instrutor especializado em amaxofobia ou do próprio terapeuta. Há profissionais que também podem trabalhar com simuladores de carro antes de irem para a rua.
Fonte: Psicólogas Salete Coelho Martins (Psicotran) e Neuza Corassa (CPEM).
Por conta própria
A psicóloga Neuza Corassa diz que nem todo caso exige tratamento com psicólogos. Ela dá dicas, em cinco etapas, para quem acredita que pode enfrentar o problema sem ajuda profissional:
1. Reserve de três a quatro semanas para trabalhar aspectos como o perfeccionismo. Faça também atividades físicas, como relaxamento, que ajudam no combate à noradrenalina, neurotransmissor que aumenta a tensão, e na fabricação de endorfina, que aumenta a sensação de calma e bem-estar.
2. Depois disso, chame uma pessoa calma e de sua confiança, de preferência um amigo ou conhecido, e escolha dois trajetos pré-definidos, em lugares calmos e com pouco trânsito. Dirija e peça que essa pessoa o acompanhe no banco do carona.
3. Esta é a fase da "meia independência", em que o portador de amaxofobia dirige sozinho e a pessoa escolhida o acompanha de perto em outro carro.
4. Nesta fase, a pessoa escolhe um caminho mais longo e sem ser pré-definido, num local mais agitado, como uma ida ao shopping ou ao aeroporto. Peça à pessoa que o acompanha para ir junto como carona.
5. Passe a dirigir sozinho, mesmo que por pouco tempo, até criar total independência.
Trauma começa a ser superado
Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Moradora de São José dos Pinhais, a jornalista Daiane Pereira da Rosa (foto), de 21 anos, sempre preferiu pegar quatro ônibus e pagar quatro passagens, entre ida e volta, enfrentando um total de três horas de viagem, do que dirigir até Curitiba todos os dias para trabalhar. "Eu me sentia mal, pois havia feito faculdade, trabalhava, pagava minhas contas, era independente, mas sentia vergonha de não saber dirigir", conta. Parte do receio derivava da morte dos pais e do tio em um acidente de carro, há seis anos, com Daiane e o irmão no banco de trás. Hoje, após muito esforço, ela começa a superar o medo. "Só preciso vencer o medo de andar em estrada, mas, esse medo, acho que todo mundo tem".