A lâmpada fluorescente consome menos energia que a incandescente, mas como é feita com produtos tóxicos, é menos ou mais impactante para o meio ambiente? Essa foi a pergunta que encaminhou a engenheira mecânica paulista Cássia Lie Ugaya, há 15 anos, para as pesquisas sobre ciclo de vida dos produtos. Hoje é uma principais especialistas no assunto no mundo. Foi uma das editoras do livro sobre o tema encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Atualmente professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) em Curitiba, a doutora pela Universidade de Campinas (Unicamp) tem pesquisado os impactos das fases de produção dos vários materiais que formam um objeto. Cássia explica como funciona o processo de identificação do ciclo de vida, mas destaca que não apenas os fatores ambientais são avaliados. Os impactos sociais e econômicos entram na conta.
Como é analisado o ciclo de vida do produto?
Ele inicia na retirada dos recursos da natureza e vai até o descarte final, passando pelo processo de fabricação e de distribuição. É uma equação matemática, principalmente quando é uma análise ambiental. Quando é uma avaliação social, aí há mais componentes qualitativos.
Quais os principais fatores que são avaliados?
Vamos pensar em um livro. Precisa de papel, que vem das árvores, que precisaram de uma área para serem plantadas. Depois tem o processo de corte. Para virar página de livro, vai passar por um processo químico de clareamento e vai consumir energia, que pode ser de vários tipos, como hidrelétrica, térmica e biomassa, por exemplo. E o processo vai gerar rejeitos. Depois o papel precisa ser transportado, por um caminhão que consome combustível. Uma coisa vai puxando a outra. É bem mais complexo que isso, mas essa é uma forma de explicar.
E qual a influência do trabalho de quem destrincha o ciclo de vida?
Vamos analisar qual é o ponto de maior impacto e que pode ser melhorado. No exemplo de livro, pode nem ser na produção do papel, mas na geração de energia usada na fabricação ou num eventual desmatamento. Então, podemos repensar materiais ou fontes de energia, por exemplo.
O consumidor, em geral, consegue perceber todos os impactos das partes de um produto?
Não, infelizmente. Está acontecendo um grande esforço para que isso aconteça. O desenvolvimento de um rótulo ambiental pode ajudar a explicar a questão para o consumidor. Talvez seja mais usado entre empresas, que fazem grandes compras. Ou pode servir de referência para aquisições mais sustentáveis pelos governos. Para o público consumidor final é realmente um desafio. Não é fácil oferecer a informação de forma clara e ao mesmo tempo detalhada.
E como são esses rótulos ambientais?
São chamados do tipo 3. São baseados no ciclo de vida. O Japão tem um só para as emissões de carbono. A França está desenvolvendo um rótulo que considera outros impactos, não só apenas os ligados às mudanças climáticas. O rótulo pode acabar gerando um número ou letra, como é aquela tabela Procel, que mostra se o equipamento é mais ou menos eficiente do ponto de vista do consumo elétrico. Mas é preciso destacar que não tem um modelo apenas possível.
Só vai ter o rótulo do ciclo de vida quando for obrigatório?
Espero que não. A França está discutindo a obrigatoriedade, mas é muito mais complexo do que foi imaginado. Nos Estados Unidos, não é por obrigação, é pela força do mercado, que demanda essa informação e daí ela deve estar disponível. No Brasil ainda não tem um modelo previsto.
O ciclo de vida é bem mais complexo que o rastreamento de produtos?
O rastreamento fala o que está atrás, de uma forma simplificada. Já o ciclo de vida analisa também o que está na frente. Um produto feito com baixo impacto, mas que não possa ser reciclado prejudica o ciclo de vida.
Quem está trabalhando com isso no Brasil?
Quando organizamos o primeiro congresso brasileiro em 2008, tinha 75 pessoas. No ano passado, no terceiro congresso, já dobrou para 150. O setor está crescendo para além do ambiente universitário. A indústria tem começado a contratar. Temos uma Associação Brasileira de Ciclo de Vida, que montou no ano passado uma rede brasileira empresarial, que está impulsionando a troca de informações. Empresas como Brasken, Embraer e Natura já analisam o ciclo de vida.
Em que casos análises do ciclo de vida mudaram escolhas?
Nos casos em que definimos que material usar uma embalagem, por exemplo, estamos fazendo escolhas em função do impacto. Outra questão é do biocombustíveis, porque em função da área usada na plantação ele pode ser mais impactante do que o combustível fóssil. Então, para exportar etanol para a Europa é preciso comprovar que causa bem menos emissões de gases de efeito estufa.
E como é feita a análise dos fatores vão além dos materiais usados na produção?
No caso do veículo elétrico, por exemplo, ele pode ser mais econômico em energias fósseis, mas é preciso pensar no que será feito com a bateria e os metais pesados no momento do descarte. A produtividade também entra na conta. A soja produzida no Brasil pode ocupar menos área do que em outra área. O trabalho do ciclo de vida consiste em pensar, também, se a empresa está investindo no local errado para corrigir problemas ambientais.
E, afinal de contas, qual lâmpada é melhor? A fluorescente ou a incandescente?
A resposta mais comum na análise de ciclo de vida é depende. Varia onde foi montada, qual os processos para a fabricação, que tipo de transporte foi usado para a distribuição, com é que será descartada.
Serviço: Livro digital disponível em inglês. www.lifecycleinitiative.org
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